Farmacologia

Propofol: o “leite da amnésia” | Colunistas

Propofol: o “leite da amnésia” | Colunistas

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Imagem de perfil de Edmilton Félix Jr.

Em 1983, o cientista da AstraZeneca, James Baird Glen apresentava para o mundo o propofol. Até aquele período, o agente de indução padrão ouro era o tiopental.

Apesar de induzir a anestesia rapidamente, o tiopental, após seu uso repetido durante o procedimento cirúrgico, apresentava uma longa permanência no corpo, o que prolongava o período de inconsciência do paciente. Então o Dr. Glen desenvolveu um fármaco que promovia uma rápida indução anestésica, permitia uma rápida recuperação e ainda era uma alternativa aos anestésicos inalatórios.

Vários casos de overdose acidental e suicídio estão relacionados ao Propofol, devido a seu potencial de dependência e abuso. O mais famoso destes casos é o do “rei do pop”, Michael Jackson (Figura 01). Em 25 de junho de 2009, após ser socorrido e levado a um hospital de Los Angeles, o astro morreu devido a uma parada cardíaca. Após a autópsia e exames toxicológicos, os legistas concluíram que a morte do cantor foi proveniente de uma intoxicação aguda com Propofol, que foi administrado pelo médico particular do cantor.

Figura 01. Michael Jackson.
Fonte: commons.wikimedia

Comumente conhecido pelos anestesistas como o “leite da amnésia”, o propofol é um fármaco hipnótico intravenoso utilizado para indução, manutenção de sedação e anestesia geral. Seu mecanismo de ação é pouco conhecido, mas sabe-se que promove uma modulação positiva da função inibitória do neurotransmissor GABA através do receptor GABAA ativado por ligante.

Em temperatura ambiente é um óleo e insolúvel em soluções aquosas, apresentando como ingrediente ativo o 2,6 – diisopropilfenol. Sua formulação é uma emulsão a 1% (10 mg/ml) com 10% de óleo de soja, 2,25% de glicerol e 1,25% de fosfatídeo de ovo purificado.

Com isso, pacientes suscetíveis podem apresentar reações alérgicas, porém não há evidências científicas, mesmo em indivíduos com alergia confirmada por IgE a ovo, soja ou amendoim.

Figura 02. Propofol 1%.
Fonte: logymed.com

Farmacocinética

O propofol só é adequado para uso intravenoso. Sua administração é ineficaz por via oral, intramuscular ou subcutânea. A sua aplicação causa dor devido à irritação direta e indireta da adventícia venosa, que pode ser reduzida com lidocaína e uso de veias de maior calibre. 

Por ser uma solução oleosa é um excelente meio para crescimento bacteriano, sendo necessária assepsia durante a administração e armazenamento.

Diferentes retardadores de crescimento bacterianos são adicionados à formulação, porém é recomendado que o fármaco seja descartado dentro das 4 a 6h após ser aberto. Há relatos de desenvolvimento de sepse em pacientes que foram expostos a propofol contaminado.

O propofol é encontrado nas apresentações de 1% (10 mg/ml) e em concentração de 2% que é comumente utilizada para infusão contínua. É metabolizado principalmente no fígado em metabólitos menos ativos que são excretados por via renal. A eliminação do propofol é reduzida nos idosos e neonatos.

A dose sugerida para indução em um adulto saudável é de 2 – 2,5 mg/kg. Em procedimentos curtos, pequenas doses (10% – 50% da dose de indução) a cada 5 min são eficazes. Para manutenção da anestesia a longo prazo é indicado uma infusão de 100 – 300 μg/kg/min e às doses sedativas de propofol são 20% – 50% daquelas necessárias ṕara anestesia geral.

Farmacodinâmica

É um anestésico de curta duração, com rápido início de ação (aproximadamente 30 segundos), limitado efeito cumulativo e recuperação geralmente rápida.

Apresenta baixa incidência de náuseas e vômitos, devido a evidências de efeito antiemético. Essas características tornam uma droga favorável para procedimentos anestésicos.

Efeitos secundários

Sistema nervoso

A ação agonista nos receptores GABAA resulta numa maior condução de cloreto e hiperpolarização dos neurônios pós-sinápticos inibindo a despolarização neuronal.

O propofol reduz o fluxo sanguíneo cerebral, a pressão intracraniana e a taxa metabólica cerebral, enquanto mantém a auto regulação estática e dinâmica e a resposta vascular ao CO2.

Esses efeitos que favorecem a fisiologia cerebral, tornam essa droga um ótimo anestésico durante a neurocirurgia.

Sistema cardiovascular

Uma redução da pressão arterial acompanhada por diminuição do débito cardíaco é esperada após administração do propofol. Esse fenômeno pode ser justificado pela diminuição do tônus simpático, o que produz queda da resistência vascular, e pela  depressão da contratilidade miocárdica. Esse efeito é dose-dependente, e mais pronunciado em pacientes idosos e fisiologicamente comprometidos.

Sistema respiratório 

É um poderoso depressor ventilatório. Sua interferência na ventilação é dose-dependente, através da atuação nos quimiorreceptores centrais, promove uma redução das respostas a hipercapnia e hipoxemia, o que em elevadas doses resulta em apnéia. Possui propriedades broncodilatadoras, podendo ser um agente de indução de escolha em pacientes com asma.

Efeitos colaterais

A importante depressão cardiovascular e respiratória são os eventos adversos mais relevantes com o uso do propofol. Uma rara complicação, porém potencialmente fatal, denominada PRIS (Propofol Infusion Syndrome in Adults), está associada ao uso de altas doses da droga e por um período prolongado.

É caracterizada por acidose metabólica, rabdomiólise, hiperlipidemia, hepatomegalia, hipercalemia, insuficiência renal, arritmia, insuficiência cardiovascular e morte.

Autor: José Edmilton Felix da Silva Junior Instagram: @edmiltonfelixjr

Referências

O texto acima é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.