Carreira em Medicina

Proteínas, conservantes e parasitas causam efeito colateral raro da vacina contra a COVID-19? | Colunistas

Proteínas, conservantes e parasitas causam efeito colateral raro da vacina contra a COVID-19? | Colunistas

Compartilhar
Imagem de perfil de Comunidade Sanar

Estudos sugerem que a imunizante Vaxzevria (previamente conhecida como AstraZeneca) possa estar causando efeitos colaterais graves em certas pessoas na Europa. Estudos preliminares e preprints estão em análise pela European Medicines Agency (EMA), no entanto, a entidade garante que os benefícios da imunização superam os riscos.

De onde veio essa hipótese?

Em um estudo publicado em 9 de abril de 2021 no The New England Journal of Medicine, foram avaliadas as características clínicas e laboratoriais de 11 pacientes na Alemanha e na Áustria, nos quais a trombose ou trombocitopenia se desenvolveu após a vacinação com o imunizante Vaxzevria (previamente chamada de AstraZeneca).

Cinco a dezesseis dias após a vacinação, os pacientes apresentaram um ou mais eventos trombóticos, com exceção de 1 paciente, que apresentou hemorragia intracraniana fatal. Dos pacientes com um ou mais eventos trombóticos, 9 tiveram trombose venosa cerebral, 3 tiveram trombose da veia esplâncnica, 3 tiveram embolia pulmonar e 4 tiveram outras tromboses; desses pacientes, 6 morreram. Além disso, cinco pacientes apresentaram coagulação intravascular disseminada. Todos os pacientes com teste positivo para anticorpos contra o fator 4 de ativação plaquetária (PF4) – heparina – testaram positivo no ensaio de ativação plaquetária na presença de PF4 independente da heparina.

Sendo assim, os autores concluíram que a vacinação com imunizante pode resultar no raro desenvolvimento de trombocitopenia trombótica imune mediada por anticorpos ativadores de plaquetas contra PF4, que clinicamente mimetiza a trombocitopenia autoimune induzida por heparina.

Posteriormente, no dia 20 de abril de 2021, foi publicado um pre-print no portal Research Square que analisava a possibilidade de trombocitopenia trombótica imune induzida por vacina (do inglês, VITT) pela vacina Vaxzevria. Nesse estudo, as análises biofísicas mostraram a formação de complexos entre o fator 4 de ativação plaquetária (PF4) e os constituintes da vacina, incluindo proteínas virais que foram reconhecidas por anticorpos VITT. Além disso, o EDTA, um constituinte da vacina, aumentou o vazamento microvascular em camundongos, permitindo a circulação de proteínas derivadas de culturas de células produtoras de vírus e vírus.

Com essa hipótese instalada, é segura a vacinação com esse imunizante?

A European Medicines Agency (EMA), ciente desses fatos, mesmo que incipiente, realizou um pronunciamento oficial que auxilia a esclarecer essa dúvida. Os efeitos secundários mais frequentes associados ao Vaxzevria foram geralmente ligeiros ou moderados e melhoraram alguns dias após a vacinação. No caso da trombocitopenia, vômitos, diarreia, inchaço e vermelhidão no local da injeção ocorreram em menos de 1 em 10 pessoas, enquanto a trombose em combinação com trombocitopenia ocorreu em menos de 1 em 10.000 pessoas.

Uma vez que a Vaxzevria recebeu autorização condicional, a empresa que comercializa a vacina continuará a fornecer os resultados dos ensaios clínicos em curso. Esses ensaios e estudos adicionais fornecerão informações sobre quanto tempo dura a proteção, incluindo contra novas variantes do vírus, quão bem a vacina previne a COVID‑19 grave, quão bem ela protege pessoas idosas, pessoas imunocomprometidas, crianças e mulheres grávidas e se ela previne casos assintomáticos. Além disso, estudos independentes de vacinas para a COVID-19 coordenados pelas autoridades da UE também fornecerão mais informações sobre a segurança e os benefícios da vacina a longo prazo para a população em geral. A empresa também realizará estudos para fornecer garantia adicional sobre a qualidade farmacêutica e testes da vacina à medida que a fabricação continua a ser ampliada.

Vale comentar que um plano de gestão de risco para Vaxzevria também está em vigor e contém informações importantes sobre a segurança da vacina, como coletar mais informações e como minimizar quaisquer riscos potenciais. As medidas de segurança serão implementadas para Vaxzevria de acordo com o plano de monitoramento de segurança da UE para as vacinas contra a COVID-19, visando garantir que novas informações de segurança sejam rapidamente coletadas e analisadas.

O que se pode concluir?

Os estudos apresentados no início desse texto são de extrema relevância para o conhecimento científico acerca dos imunizantes. Apesar de incipientes, fornecem informações preliminares para a ordenação de medidas de segurança e de saúde para a população em geral. Não obstante, como comentado, as agências reguladoras estão atentas a essas publicações e estão analisando continuamente os dados para garantir o melhor benefício para a população.

Como acontece com todas as vacinas, a Vaxzevria foi aprovada porque seus benefícios superam os riscos para um indivíduo potencialmente exposto ao agente causador da doença. No entanto, as autoridades nacionais consideram, posteriormente, outros fatores ao decidir a melhor forma de usar as vacinas. Como a vacinação é uma intervenção de saúde pública, as autoridades nacionais também podem considerar os benefícios para a população como um todo, pois as vacinas podem proteger mais pessoas do que as vacinadas.

Por fim, vale comentar que todos os imunizantes possuem efeitos colaterais e muitos ainda são desconhecidos, mas existe a necessidade emergencial de aplicação das vacinas na tentativa de controlar a atual pandemia. Portanto, é de esse esperar descobertas como essas que, se comprovadas por mais estudos, nortearão medidas de segurança e saúde eficazes, visando à proteção da população da melhor forma possível.

Colunista: João Victor Lopes Lima

Instagram: @morethanstudiess


O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


Referências:

  1. Andreas Greinacher, Kathleen Selleng, Jan Wesche et al. Towards Understanding ChAdOx1 nCov-19 Vaccine-induced Immune Thrombotic Thrombocytopenia (VITT), 20 April 2021, PREPRINT (Version 1) available at Research Square [https://doi.org/10.21203/rs.3.rs-440461/v1].
  2. Andreas Greinacher, M.D., Thomas Thiele, M.D., Theodore E. Warkentin, M.D., Karin Weisser, Ph.D., Paul A. Kyrle, M.D., and Sabine Eichinger, M.D. Thrombotic Thrombocytopenia after ChAdOx1 nCov-19 Vaccination, available at https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa2104840?query=featured_home.
  3. Kai Kupferschmidt, Gretchen Vogel. Hard choices emerge as link between AstraZeneca vaccine and rare clotting disorder becomes clearer. ScienceMag, available at https://www.sciencemag.org/news/2021/04/hard-choices-emerge-link-between-astrazeneca-vaccine-and-rare-clotting-disorder-becomes.
  4. European Medicines Agency. Vaxzevria (previously COVID-19 Vaccine Astra Zeneca): EPAR – Product information, 2021, 04/23/2021 (https://www.ema.europa.eu/en/medicines/human/EPAR/vaxzevria-previously-covid-19-vaccine-astrazeneca#product-information-section).