Medicina da Família e Comunidade

Prurido generalizado: abordagem diagnóstica | Colunistas

Prurido generalizado: abordagem diagnóstica | Colunistas

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Prurido é definido como a sensação incômoda que induz ao ato de coçar. É um sintoma muito comum em dermatopatias, mas também pode apresentar-se sem lesões cutâneas, como em doenças sistêmicas, infecções, distúrbios neuro-psiquiátricos ou por efeito colateral de um fármaco. O diagnóstico depende de história clínica e exame físico detalhados, para determinar se o prurido está relacionado com um distúrbio dermatológico ou sistêmico.

Fisiopatologia

O prurido é mediado pelo mesmo tipo de fibra responsável pela transmissão da dor (fibras C não mielinizadas). Os estímulos aferentes são levados ao longo dos nervos periféricos até a raiz dorsal, fazendo sinapse com interneurônios dos cornos medulares posteriores, os quais decussam e ajudam na formação do feixe espino-talâmico do lado oposto. Algumas dessas fibras vão para o tálamo e outras se distribuem pela formação reticular. Do tálamo, a informação é levada ao córtex cerebral. Além de atuar na percepção sensorial do prurido, lesões no sistema nervoso central estão relacionadas com a cronificação deste sintoma. 

A histamina é o mediador primário do prurido em alguns tipos de doenças alérgicas, porém múltiplos agentes ou mediadores podem provocar prurido tais como a acetilcolina, bradicinina, receptores valinoides, proteinases, serotonina, substância P, prostaglandinas e interleucinas 2,4 e 6.

Avaliação diagnóstica 

O prurido pode ser classificado de acordo com sua localização (generalizado ou localizado), sua duração (agudo, se a duração for menor que seis semanas e crônico se persistir após esse tempo), se está ou não associado com o aparecimento de lesões cutâneas ou se está relacionado a condições ambientais (contato com água, frio, calor) ou emocionais. Essas informações são essenciais para nortear seu raciocínio diagnóstico já que, por exemplo, o prurido localizado ou de início agudo geralmente não é causado por uma doença sistêmica subjacente, em que é mais característico o prurido crônico generalizado.

A anamnese e o exame físico são essenciais para a investigação etiológica. Na história clínica é importante perguntar sobre a duração, localização, intensidade, fatores desencadeantes, período de ocorrência e se interfere no sono do paciente. Caso haja suspeita de doença crônica, deve ser questionado sobre sintomas constitucionais, tais como perda de peso não intencional, fadiga, febre, sudorese, mal-estar, histórico de atopias, e sobre uso de medicamentos, os quais podem ser a causa do prurido. No exame físico busca-se uma possível etiologia dermatológica tais como xerose, esca­biose e pediculose. Em pacientes sem motivos óbvios para apresentarem sintoma de prurido, deve ser realizado um exame físico completo pesquisando evidências de doença sistêmica incluindo, por exemplo, a palpação das cadeias linfonodais, do fígado e do baço.

Figura 1. Escabiose.
Fonte: https://www.sbd.org.br/dermatologia/pele/doencas-e-problemas/escabiose-ou-sarna/5/

Causas de prurido generalizado 

A avaliação inicial do paciente cuja queixa principal seja prurido generalizado deve ser direcionada na identificação de uma possível doença cutânea primária. As possíveis causas de prurido com lesão cutânea associada seriam: psoríase, dermatite seborreica, dermatite de contato alérgica, dermatite atópica, urticária, pediculose, escabiose, entre outras. Em pacientes com prurido generaliza­do sem lesões identificáveis na pele (exceto pelas marcas de coçadura) deve-se excluir a possibilidade de prurido asteatósico (pele ressecada). 

Os exames laboratoriais direcionados pela história clínica e exame físico podem auxiliar na avaliação destes pacientes, podendo incluir: dosagem de fosfatase alcalina, hormônios tireoidianos, uréia, creatinina, bilirrubinas, transaminases, glicemia de jejum, hemograma com leucograma e contagem de plaquetas, exame de fezes e urina, radiografia de tórax, além de sorologia para HIV em indivíduos com fatores de risco. Algumas possíveis causas para prurido generalizado sem lesões cutâneas seriam: hiper ou hipotireoidismo, colestase, infecção pelo vírus HIV, linfoma, leucemia, doenças psiquiátricas (como a anorexia nervosa) ou efeito colateral do uso de medicações (por exemplo, ácido  acetilsalicílico, dextrano, polimixina B, morfina, codeína ou escopolamina). 

Tratamento 

O tratamento adequado é baseado na identificação da doença subjacente. Dependendo da causa do prurido, diversos medicamentos podem ser utilizados, tais como: antagonistas opióides (principalmente em doenças colestáticas, pelo bloqueio do efeito irritante de substâncias opióides endógenas acumuladas), antidepressivos, anticonvulsivantes e antagonistas da substância P. A fototerapia com raios UV se mostrou eficaz para prurido gerado por doença renal crônica, pela psoríase e pela dermatite atópica.

Pacientes com prurido cuja origem é ainda desconhecida podem ser tratados sintomaticamente com anti-histamínicos sistémicos e emolientes tópicos, devendo ser reavaliados em até 2 semanas. Caso não tenha havido melhora do quadro, outros exames complementares devem ser realizados para excluir possíveis doenças sistémicas. 

Conclusão 

O prurido é um sintoma comum, que gera grande incômodo para o paciente. O médico deve buscar identificar a causa e excluir uma patologia sistêmica potencialmente grave. A eficácia da escolha do tratamento também depende de um diagnóstico preciso, já que deve atuar diretamente nos mecanismos moleculares e celulares envolvidos na doença. 

Autora: Giovanna di Cola

Instagram: @giodicola

O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.


Referências:

GOLDMAN-CECIL Medicina. 25a edição. Capítulo 435 

Azulay Dermatologia. 6a edição. Parte 3: Distúrbios disestésicos da pele. Seção 35

Manual de dermatologia. 4a edição. Capítulo 4: Dermatoses papulopruriginosas.

Revisão integrativa sobre terapêutica do prurido após queimadura – http://www.rbqueimaduras.com.br/export-pdf/209/v13n3a03.pdf

Prurido: do etiopatogenia às estratégias diagnósticas e terapéuticas – https://www.medigraphic.com/pdfs/cutanea/mc-2003/mc031i.pdf