A parada cardiorrespiratória (PCR) consiste na parada súbita da atividade mecânica do coração, causando um colapso hemodinâmico. As causas reversíveis de PCR são popularmente conhecidas como:
- Os 5 Hs: hipovolemia, hipóxia, H+ (acidose), hipo e hipercalemia, hipotermia;
- Os 5 Ts: trombose coronária, tromboembolismo pulmonar, tensão torácica causada por pneumotórax, toxinas e tamponamento cardíaco.
O bicarbonato não é usado rotineiramente na PCR e é indicado principalmente nos casos em que a parada é causada por hipercalemia ou acidose metabólica. Apesar dessa indicação, a administração de bicarbonato de sódio está associada a efeitos adversos, como distúrbios eletrolíticos e ácido-básico, alterações da função cardíaca e do metabolismo celular.
A hipercalemia é um distúrbio eletrolítico que consiste no aumento do nível de K+ sérico, que pode atingir valores superiores a 6,5mEq/L. O K+ é um íon cuja concentração é muito maior no meio intracelular do que no extracelular, e o equilíbrio é mantido pela bomba Na+/K+ATPase. Essa diferença entre os meios intra e extracelular é importante para a geração do potencial de ação, e alterações neste íon geram repercussões neurais e musculares. A regulação da concentração sérica do potássio é feita pela ingesta oral, excreção renal e distribuição intra/extracelular.
Não é comum que haja hipercalemia causada exclusivamente pelo aumento da ingesta de potássio, uma vez que, em condições normais, ocorre o aumento da excreção. Dessa forma, a hipercalemia ocorre quando há um desequilíbrio entre a entrada de cálcio no organismo e sua excreção renal/gastrointestinal ou nos casos de shift do meio intracelular para o meio extracelular. Geralmente está associada a condições como insuficiência renal, hiperglicemia e uso de medicamentos. A história prévia do paciente admitido no departamento de emergência com hipercalemia pode revelar sintomas como fraqueza muscular caracteristicamente ascendente, progressiva, com início nos membros inferiores e progressão para o tronco e braços, paralisia, parestesia e palpitações.
As primeiras alterações eletrocardiográficas são a diminuição do intervalor QT e a presença de onda T apiculada. Conforme há progressão do quadro, pode-se observar prolongamento do intervalo PQ e do completo QRS, ausência da onda P e o alargamento do QRS em padrão sinusoidal, além de diversas outras alterações mais inespecíficas. É importante lembrar que as alterações eletrocardiográficas não se relacionam de forma direta com os níveis de potássio no sangue, e que pacientes com hipercalemia grave podem apresentar um eletrocardiograma dentro dos padrões da normalidade.
A conduta nos casos de PCR causada por hipercalemia consiste na administração intravenosa de 20ml de gluconato de cálcio 10%, 1mEq/kg de bicarbonato de sódio 8,4% e solução polarizada composta por 50g de glicose + 10UI de insulina regular. O gluconato de cálcio é utilizado devido à capacidade do cálcio de antagonizar o efeito do potássio no potencial de membrana celular. Esse mecanismo não gera a redução dos níveis de potássio, portanto, é necessária uma terapia complementar com solução de insulina com glicose.
A insulina facilita a passagem de potássio para o meio intracelular devido ao aumento da atividade da bomba Na-K-ATPase. A fim de evitar hipoglicemia, administra-se glicose concomitantemente, sendo que, nos casos de hiperglicemia, pode-se usar apenas insulina. O uso do bicarbonato de sódio se justifica por sua capacidade de aumentar o pH sérico, o que desencadeia a liberação de íons H+ pelo sistema tampão. Para que seja mantida a neutralidade elétrica, o potássio é movido para o meio intracelular.
Histórico de diabetes mellitus, doença renal e eletrocardiograma prévio com complexo QRS de baixa amplitude podem sugerir que o paciente se encontra em parada cardiorrespiratória devido a acidose metabólica. Esse distúrbio acidobásico pode ser desencadeado por diversos fatores, como aumento da produção de ácidos endógenos ou acúmulo destes, perda de bicarbonato e ingestão de ácidos exógenos. A redução do pH do sangue leva a uma tentativa do sistema respiratório de reverter esse quadro aumentando o volume-minuto, o que causa a respiração de Kussmaul. O paciente também pode se apresentar com depressão do sistema nervoso central, manifestado por meio de letargia, torpor e até mesmo coma. A acidose metabólica pode ocorrer com ânion-gap aumentado ou com ânion-gap normal.
Uma das principais indicações do uso de bicarbonato é nos casos de acidose hiperclorêmica com pH sanguíneo menor que 7,2. O tratamento de resgate é baseado na administração intravenosa de 1mEq/kg de bicarbonato de sódio 8,4%. Pode-se infundir lentamente bicarbonato junto com solução glicosada a 5%, a fim de reduzir a sobrecarga de sódio. É importante salientar que se deve buscar tratar a causa base que resultou na acidose metabólica.
A terapia com bicarbonato é controversa e pode causar sobrecarga volêmica, hipernatremia e até mesmo alcalose metabólica, por reduzir a oferta de oxigênio para os tecidos devido ao deslocamento da curva de dissociação da hemoglobina, aumentando sua afinidade pelo O2. Apesar disso, nos casos de intoxicação por etilenoglicol, metanol ou acidose por uremia, o uso do bicarbonato pode ser muito útil. Não se recomenda o uso do bicarbonato em situações de acidose com risco iminente de morte, como nos casos em que o pH se encontra abaixo de 6,9.
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