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Queimaduras | Colunistas

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A queimadura resulta da lesão traumática dos tecidos orgânicos, com destruição do revestimento epitelial, a partir de um agente externo.

Classificação:

As queimaduras podem ser classificadas quanto a causa e quanto a profundidade.

Causas: térmica, eletricidade, fricção, química, radiação e por inalação.

*A gravidade da queimadura depende do agente causal, do tempo de exposição e do ambiente onde a queimadura aconteceu.

Profundidade

  • Superficial (1° grau) – só atinge epiderme. Sem bolhas, bastante dolorosa, seca e avermelhada. Branca com a pressão.
  • Superficial de espessura parcial (2° grau superficial) – epiderme e derme dentro da camada papilar. Bolhas entre a derme e a epiderme nas 24 horas, bastante dolorosa (terminações nervosas preservadas), avermelhada, exsudativa e branca com a pressão.
  • Profunda de espessura parcial (2° grau profundo) – epiderme e derme até a camada reticular. Atinge folículos e glândulas, dolorosa apenas sob pressão, apresenta bolhas e exsudação, não embranquece com a pressão e tem coloração do branco para o avermelhado.
  • Espessura total (3° grau) – acomete todas as camadas da pele, a epiderme e a totalidade da derme e tecido subcutâneo. Não há bolhas, sem exsudato, indolor (terminações nervosas comprometidas), coloração do branco cinza- carbonizado e preto. Seca e inelástica.
  • Carbonização (4° grau) – se estende além da pele, acomete outros tecidos como músculos, ossos e órgãos adjacentes.

Zonas de lesão tecidual

  • Coagulação (lesão irreversível) – parte central onde aconteceu destruição tecidual máxima. Zona necrótica sem possibilidade de reparação tecidual.
  • Estase (lesão reversível) – parte adjacente à central, as células foram lesadas, mas de maneira reversível. Aporte de oxigênio imprescindível.
  • Hiperemia- lesão celular mínima com aumento do fluxo sanguíneo, devido a reação inflamatória iniciada pela queimadura.
Imagem 1- Zonas de lesão tecidual

Atendimento inicial

A avaliação é semelhante à de um politraumatizado na emergência- é necessário realizar o ABCDE e realizar a avaliação do grau e extensão da superfície corpórea comprometida.

  • Método Wallace (regra dos 9)

A face anterior da cabeça 4,5% da superfície corpórea (SC), MMSS anterior 4,5% da SC, região anterior do tronco 18%, região posterior do tronco com 18%, e região anterior do MMII com 9% da superfície corpórea.

Nesse cálculo excluem-se as queimaduras de 1° grau.

Imagem 2- Método Wallace

Proporcionalmente a cabeça da criança é maior que na do adulto, logo no método de Wallace para criança considera-se que a cabeça tem 18% da SC e cada um dos MMII 14%.

*Superfície corporal Adulto exemplo de valores: Cabeça toda 9%; Braço todo cada um com 9%; Tronco todo 36%; Perna toda cada uma com 18%; Mão toda- 1%; 1/3 da face anterior da perna afetada faz a conta-:  1/3 de 9%= 3%; Se metade da face direita queimada- ½ de 4,5= 2,25%

Com base no valor estimado de SCQ realizamos o cálculo da reposição volêmica. Paciente com mais de 20% da SCQ necessita de reposição volêmica e como todo trauma deve-se estabelecer 2 acessos calibrosos. Hidratação fórmula de Parkland: RL (ringer lactato) = 2ml x peso em Kg x % SCQ, em crianças troca 2ml por 3ml e em queimaduras elétricas por 4ml na fórmula. Lembrar que metade desse volume deve ser ofertado ao paciente nas primeiras 8 horas e a outra metade distribuída nas demais 16 horas.

Critérios para definição da gravidade do queimado

Critérios para definir paciente pequeno queimado ou queimado de pequena gravidade

  • Queimaduras de 1° grau em qualquer extensão, em qualquer idade. Ex: queimadura por exposição ao sol.
  • Queimaduras de 2° grau com Superfície corporal queimada (SCQ) até 5% em crianças ≤ 12 anos.
  • Queimaduras de 2° grau com SCQ até 10% em > 12 anos.

Critérios para definir paciente como médio queimado ou queimado de média gravidade

  • Queimaduras de 2° grau entre 5-15% em < 12 anos
  • Queimaduras de 2° grau entre 10-20% em > 12 anos
  • Qualquer queimadura de 2° grau envolvendo mão ou pé ou face ou pescoço ou axila ou grande articulação (axila ou cotovelo ou punho ou coxofemoral ou joelho ou tornozelo), em qualquer idade.
  • Queimaduras que não envolvam face ou mão ou períneo ou pé, de terceiro grau com até 5% da área corporal atingida em crianças até 12 anos.
  • Queimaduras que não envolvam face ou mão ou períneo ou pé, de terceiro grau com até 10% da área corporal atingida com > 12 anos.

Critérios para definir paciente como grande queimado ou queimado de grande gravidade

  • Queimaduras de 2° grau com área > 15% em menores de 12 anos.
  • Queimaduras de 2° grau> 20% em maiores de 12 anos.
  • Queimaduras de 3° grau > 5% em menores de 12 anos.
  • Queimaduras de 3° grau > 10% em maiores de 12 anos.
  • Queimaduras de 2° ou 3° grau atingindo o períneo, em qualquer idade.
  • Queimaduras de 3° grau atingindo mão ou pé ou face ou pescoço ou axila, em qualquer idade.
  • Queimaduras por corrente elétrica.
  • Além disso, fazem parte desses critérios vítimas de qualquer extensão com: Lesão inalatória, politrauma, fratura óssea, TCE, choque; Insuficiência renal, cardíaca ou hepática; diabetes; Distúrbios de coagulação; embolia pulmonar; IAM; Infecção grave (que necessitem de ATB venosa); Síndrome compartimental ou túnel do carpo, associado ou não à queimadura; Doenças consumptivas ou qualquer outra afecção que possa ser fator de complicação à lesão ou ao quadro clínico da queimadura.

Quando encaminhar para o centro de tratamento especializado?

  • Queimaduras de 2° grau > 10% SCQ
  • Queimaduras envolvendo face, extremidades, genitália, períneo, pescoço, axilas ou grande articulação
  • Queimaduras de 3° grau
  • Queimaduras elétricas
  • Lesão por inalação
  • Queimaduras químicas
  • Queimados com politrauma ou patologias prévias 

Quando internar paciente queimado?

  • Queimaduras de 3° grau > 2% SCQ em crianças e >5% em adultos.
  • Queimaduras de 2° grau >10% SCQ em crianças e > 15% SCQ em adultos.
  • Queimaduras de face, extremidades, pescoço, períneo e genitália.
  • Queimadura circunferencial de extremidades ou do tórax- possível necessidade de fasciotomia ou escarotomia.
  • Queimaduras elétricas.
  • Inalação de fumaça ou lesões de VAs.
  • Queimados com politrauma ou patologias prévias.

Tratamento de queimados

  • 1° grau- evitar exposição solar, tratamento tópico diário à base de pomadas enzimáticas ou hidratantes, após a higiene local com água e sabão neutro, cura de 3-6 dias.
  • 2° superficial- desbridamento de bolhas rotas e corpos estranhos, preservação das bolhas intactas, curativo oclusivo à base de pomadas enzimáticas, adaptic, zobec e atadura crepom ou surgifix. Caso sinais de infecção usa-se sulfadiazina de prata (ATB). Resumidamente o curativo é feito com adaptic (malha de acetato de celulose) com pomada por cima dele + gaze simples+ gaze algodonada (Zobec)+ atadura crepom. Após 24-48h horas tiramos o curativo externo (tudo menos adaptic) e sobre o adaptic coloca mais pomada e depois coloca curativo externo de novo- revisar a cada 48h tirando o curativo externo e colocando mais pomada e fazendo outro curativo externo. O adaptic se solta sozinho à medida que o tecido de baixo está cicatrizado, então quando o adaptic está totalmente solto- tecido de baixo está totalmente cicatrizado.

*Nos casos de queimaduras infectadas não coloca adaptic e coloca sobre a ferida o ATB + gaze simples+ gaze algodonada + atadura crepom. Refazer o curativo a cada 24h- sulfa de prata oxida- tem que trocar, durante a troca do curativo- revisar a ferida se cicatrizada não precisa mais desse curativo oclusivo. Cura de 7-21 dias.

  • 2° grau profunda- medidas anteriores, inspeção meticulosa quanto à evolução para terceiro grau (espessura total). Cura entre 3 e 6 semanas.
  • 3° grau- mandatório o desbridamento de tecido desvitalizado (também nas de 2° grau). Curativos biológicos- enxertos homólogos (pele de outro ser humano), heterólogos (pele de animais, tipo tilápia, porco ou rã), membranas amnióticas e peles sintéticas. Enxertia autógena (do próprio paciente) precoce- o mais rápido possível.

*Existe chance de rejeição por enxertos que não são do próprio paciente, porém esse risco é diminuído porque o paciente nesse momento tem um prejuízo na imunidade celular e humoral- quando ele começa a rejeitar os enxertos- imunidade melhora-candidato ao autoenxerto.

*O bom mesmo seria usar para o enxerto pele do próprio paciente logo no início, mas as vezes o paciente não tem condições para o procedimento, não está hemodinamicamente estável, logo de início.

  • Em face- curativo de exposição (tipo deixar sem nada em cima) – retirar crosta/escara e quando indicado autoenxertia de pele total, precoce e prioritária em relações a queimaduras em outros lugares.

*Curativo de exposição- habitualmente forma crostas ou escaras. De 2 grau superficial- crosta elevada, 2 grau profunda- crosta plana e 3 grau- escara. Ter maior vigilância nesses curativos- pode ter fissuras nesses crostas/escaras- porta de entrada para bactérias- infecção.

  • Genitália- sondagem vesical (evitar que urina prejudique curativo), curativo de exposição, remoção precoce da escara, enxertia precoce, preferencialmente de pele total.
  • Mão- curativo em posição de função (separar dedos é importante- evitar sinéquia- depois que todos os dedos estão individualizados faz um outro curativo ao redor de toda mão e depois colocar tala gessada), enxertia precoce e de pele total ou retalhos e quando puder- fisioterapia.
  • Queimaduras químicas- lavagem copiosa com água corrente (se em região dos olhos- solução fisiológica ou água destilada) e monitorização cardíaca.

*Não usar ácido para tratar queimadura com base e vice-versa, por serem reações exotérmicas e piorar a lesão.

*Normalmente ácido causa necrose de coagulação- agressão mais superfície. Já o álcali (base) causa necrose de liquefação- causando agressão progressiva dos tecidos- lavar bem esse tipo de queimadura- as vezes tem até dificuldade de integração do enxerto nessa ferida.

  • Elétricas- observar ponto de entrada e saída da corrente (pensar no trajeto e quais tecidos foram agredidos- para melhor terapêutica), atenção quanto à progressão da necrose- trombose progressiva dos vasos levando a necrose. Monitorização.
  • Radiação- prolongado período de latência, evitar rotações de retalhos de vizinhança. Fase aguda- pomadas oleosas, as vezes desbridamentos, se gerar grande ulceração- tirar e enxerto. Lesões crônicas se superficiais- protetor solar ou hidratante, se profundos- úlceras- ressecção e rotação de retalho de vizinhança (não pode ser de pele irradiada) ou a distância.

Pontos importantes quando se trata de queimados

  • O paciente vítima de queimadura é vítima de trauma- aplicar ABCDE:
  • Ver VA (via aérea), se indícios de inalação ou de queimadura de VA SEMPRE intubar, mesmo que o paciente esteja ventilando bem.
  • Observar o padrão respiratório e sempre que alterado e/ou se tiver dispneia, tiragem intercostal ou tosse carbonáceo proceder a intubação.
  •  Reposição volêmica. Paciente com mais de 20% da SCQ necessita de reposição volêmica e como todo trauma deve-se estabelecer 2 acessos calibrosos. Hidratação fórmula de Parkland: RL= 2ml x peso em Kg x % SCQ, em crianças troca 2ml por 3ml e em queimaduras elétricas por 4ml na fórmula. RL- ringer lactato. Lembrar que metade desse volume deve ser ofertado ao paciente nas primeiras 8 horas e a outra metade distribuída nas demais 16 horas.
  • *Queimaduras de 1° grau não participam do cálculo de reposição volêmica- só as de 2° e 3° grau.
  • Sondagem vesical- diurese desejável no adulto= 0,5ml/Kg/hora e nas criança= 1ml/kg/h, se queimadura elétrica= 1,5 ml/kg/h.
  • Lembrar que paciente vítima de queimadura elétrica ou química deve-se ter monitorização cardíaca (ECG) continua devido ao risco aumentado de arritmias.
  • Estado neurológico. Avaliar pela escala de Glasgow.
  • Exposição de toda superfície corporal- tirar todas as vestes do paciente- principalmente em queimaduras químicas (diminuir o contato do agente causador com a pele do paciente). Proteger paciente com vestes limpas.
  • Algumas medidas que fazem parte do tratamento do grande queimado:
  • Realizar rofilaxia tetânica;
  • SNG (sonda nasogástrica) e bloqueadores H2 (protetor da mucosa gástrica);
  • Monitorização da PA, temperatura, frequência respiratória, diurese;
  • Curativo no centro cirúrgico.

Autora: Ana Beatriz Bomfim

Instagram: b_biabomfim

O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.


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