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O câncer colorretal (CCR) é uma das neoplasias que mais matam em todo o mundo e, no Brasil, se posiciona como a terceira neoplasia que mais provoca óbitos tanto na população feminina quanto na masculina. O câncer colorretal esporádico, aquele que não está relacionado a síndromes genéticas hereditárias, tem baixa incidência até os 40 anos, idade a partir da qual a quantidade de diagnósticos se eleva consideravelmente. A elevada incidência e mortalidade, associada à fisiopatologia propícia à detecção precoce, tornam necessária uma estratégia de rastreamento efetiva. Aqui serão apresentadas as estratégias atuais de rastreio indicadas pelo Ministério da Saúde, e serão discutidas as novas tendências de início mais precoce.
O paciente de risco habitual
As estratégias voltadas a detecção precoce do CCR são diferentes para os pacientes de risco habitual e aos de risco elevado, esses últimos compreendendo pacientes que tenham história prévia de CCR ou pólipo adenomatoso; história familiar de CCR ou pólipo avançado (especialmente quando parentesco sanguíneo de primeiro grau); história familiar de síndromes genéticas que acarretam risco elevado de desenvolvimento de CCR; presença de doença inflamatória intestinal (Retocolite Ulcerativa ou Doença de Crohn); história de tratamento com radiação em região abdominal para tratamento de câncer na infância; dentre outros fatores. A população geral, que não apresenta nenhum desses condicionantes, é considerada como grupo de risco habitual.
Benefícios e riscos do rastreio
O câncer colorretal tem uma história natural particularmente propícia ao rastreio, uma vez que, em sua maioria, deriva de pólipos que se tornam neoplasias malignas após um período de 10 a 15 anos. Dessa forma, é consideravelmente viável a detecção da lesão pré-maligna, o que permite sua excisão e impede a formação da neoplasia, ou mesmo o diagnóstico da neoplasia já instalada mas em fase precoce, de modo que a abordagem terapêutica pode ser iniciada em uma fase da doença em que o prognóstico seja mais favorável. O rastreio, portanto, é capaz de provocar redução da carga de morbidade e mortalidade associada ao câncer colorretal na população.
Quanto aos potenciais riscos do rastreio, os principais são os relacionados à colonoscopia, que é uma das opções de exames utilizados no screening, além de ser indicada em caso de alteração encontrada em algum dos outros tipos de exames utilizados. Há na literatura dados que mostram uma incidência de dano sério em apenas cerca de 0,28% das colonoscopias, ocorrendo majoritariamente quando é realizada polipectomia. A mortalidade do exame também é extremamente baixa, de aproximadamente 0,007%.
O protocolo atual do Ministério da Saúde
Atualmente, para a população de risco habitual, o Ministério de Saúde brasileiro recomenda o início do rastreio aos 50 anos, e sua finalização aos 75 anos, caso não surjam alterações nos exames. A recomendação também é contra o rastreio em pacientes com mais que 75 anos, podendo ser individualizada a abordagem dos pacientes com 76 a 85 anos.
As modalidades indicadas são a pesquisa de sangue oculto nas fezes anualmente, a sigmoidoscopia a cada 5 anos ou a colonoscopia a cada 10 anos (considerando ausência de anormalidades).
Tendência ao início mais precoce do rastreio
Recentemente, a United States Preventive Services Task Force (USPSTF) conduziu uma revisão sistemática com o intuito de avaliar o risco-benefício de uma eventual redução da idade mínima para o início do rastreamento. Ainda que o estudo demonstrasse o mais forte grau de recomendação do início do rastreio aos 50 anos, também foi possível observar benefício considerável no início aos 45 anos, de forma que a instituição recomenda o início nessa idade, com grau B de recomendação.
Essa recomendação também é realizada pelo American College of Gastroenterology (ACG) e pela American Cancer Society (ACS), mas com a ressalva de que os dados que suportam o início do rastreamento aos 45 anos são limitados, e que a mais forte evidência favorece o início aos 50 anos.
Por outro lado, importantes instituições, como a Canadian Task Force on Preventive Healthcare (CTFPHC), o European Council, a American Academy of Family Physicians (AAFP) e o American College of Physicians, ainda recomendam que o rastreio do câncer colorretal na população de risco habitual seja iniciado aos 50 anos.
Conclusão
Ainda que existam evidências favoráveis ao início do rastreamento do câncer colorretal aos 45 anos, existe a ressalva de que a mais forte evidência existente no momento é de que deve ser iniciado aos 50 anos, fato com o qual a atual recomendação do Ministério da Saúde está alinhado.
Isso não significa, no entanto, que a recomendação não careça de atualização, tendo em vista que após os 40 anos a incidência de câncer colorretal cresce substancialmente. É pertinente a atualização dos estudos epidemiológicos relacionados com a doença, preferencialmente envolvendo a população brasileira, de modo que fique clara a existência ou não de benefício no início mais precoce do rastreamento.
Autor: João Vitor Borges Barbosa
Instagram: @joaovbbarbosa
Referências:
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