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Definição
As doenças Inflamatórias Intestinais (DII) são distúrbios idiopáticos crônicos que causam inflamação do trato gastrointestinal. A doença de Crohn (DC) e a retocolite ulcerativa (RCU) são os principais exemplos, com diferenças principalmente quanto à localização, comprometimento das camadas do intestino e também fisiopatogenia.
Devido a difícil diferenciação entre a RCU e a DC, muitas vezes o diagnóstico é tardio e a maioria das internações ocorrem na fase ativa ou nas complicações dessas doenças, com 80% dos casos ocorrendo sob demanda de urgência. Por isso é importante realizar a investigação precisa, diagnóstico diferencial e tratamento precoce dessas doenças.
Epidemiologia da DII
Com a mudança de hábitos no século 21, as doenças inflamatórias intestinais se tornaram globais, com aumento da incidência em países recém-industrializados, enquanto houve uma estabilização e até diminuição nos países ocidentais. Ainda assim, a maior prevalência continua sendo na Europa e na América do Norte.
Elas acometem principalmente indivíduos entre os 15 e 45 anos e infelizmente, há poucas pesquisas sobre sua incidência no Brasil, mas as evidências apontam para seu aumento, com maior prevalência na região Sudeste (45,33%). Além disso, pessoas que residem em áreas urbanas correm maior risco de desenvolver esse distúrbio. A ocidentalização da dieta e do estilo de vida apontam a influência ambiental na gênese desse problema.
Fisiopatologia

Interação dos fatores envolvidos na etiopatogenia da DII.
Existem diversos fatores associados a etiologia da inflamação crônica da mucosa gastrointestinal, incluindo microbiota intestinal, exposição ambiental, imunidade do indivíduo e a genética.
Microbiota Intestinal
Embora não se saiba ainda se o desequilíbrio da flora intestinal (disbiose) é causa ou efeito do processo inflamatório, os pacientes com DII possuem uma redução na diversidade de sua microbiota. Isso favoreceria as variações decorrentes de meios externos, como infecções.
Fatores Ambientais
O aleitamento materno e a apendicectomia são considerados fatores protetores enquanto o estresse psicológico, o uso de anticoncepcional oral, uso repetido de antibióticos no primeiro ano de vida e a exposição a vacinas podem ser desencadeantes da doença. Paradoxalmente, o tabagismo demonstra piorar a DC, enquanto protege a RCU.
Além disso, sugere-se que o consumo de alimentos industrializados, a menor exposição a microrganismos patogênicos pela melhora nas condições higiênico-sanitárias e o uso indiscriminado de antibióticos e outros medicamentos possam influenciar o surgimento da DII.
Genética
Mais de 163 genes foram identificados para RCU e DC, o que confere a elas um caráter poligênico. Parentes de doentes possuem 10 e 8 vezes, respectivamente, mais chances de desenvolver a doença. O gene NOD2/ CARD15 é associado com a susceptibilidade à DC.
Anormalidades Imunológicas
As DII são caracterizadas por perturbações ao equilíbrio da resposta imunológica intestinal inata e adaptativa, com dano epitelial por produção anormal de muco, além de infiltração de células T, B, macrófagos e células dendríticas na lâmina própria.
Quadro clínico: qual é a diferença?
A doença de Crohn envolve todas as camadas da parede intestinal, podendo se manifestar da boca ao ânus. As regiões mais afetadas são o íleo e o cólon, com lesões de padrão aleatório quanto ao seu trajeto. A desnutrição devido a síndrome disarbsotiva é muito comum pois o intestino delgado é afetado pela DC. Também pode causar obstruções mecânicas, fístulas e abcessos como complicações agudas.
Já a retocolite ulcerativa afeta apenas a mucosa da parede intestinal, limitando-se ao intestino grosso e reto. Possui um perfil de lesões contínuas e ascendente no intestino, sendo a transição entre tecido acometido e tecido normal nítida e bem demarcada. O envolvimento do reto pode causar sangramento nas fezes (90% dos pacientes relatam), além de urgência retal, tenesmo e, ocasionalmente, constipação grave.

Fluxograma com as principais diferenças entre DC e RCU.
É importante ressaltar que as manifestações gastrointestinais dependem do segmento do trato que está envolvido e da sua extensão, mas de forma geral, podemos citar diarreia crônica, dor abdominal, náuseas e vômitos e perda ponderal. Além disso, outros sintomas sistêmicos podem estar presentes, como febre, anorexia e mal-estar.
As manifestações extraintestinais podem ocorrer entre 25 e 40% dos casos de DII, dependendo do centro de referência, sendo as principais:
Colangite Esclerosante Primária;
Osteoarticulares: Artrite*; Artralgia; Espondilite;
Dermatológicas: Eritema nodoso*; Pioderma gangrenoso;
Oculares: Uveíte; Episclerite; Conjuntivite*;
Renais: Litíase renal;
Hematológicas: Hipercoagulobilidade (eventos trombóticos).
* São manifestações que indicam atividade da doença.
Investigação diagnóstica
O diagnóstico baseia-se em uma investigação multidisciplinar, com base na avaliação clínica integrada com uma combinação de investigações endoscópicas, histológicas, radiológicas e / ou bioquímicas.
Em relação a anamnese, é importante detalhar:
- Início dos sintomas;
- Uso de medicações (principalmente antibióticos, AINES);
- Fatores de risco, como história familiar e tabagismo;
- Caracterização dos sintomas extraintestinais.
Quanto ao exame físico, deve-se atentar aos seguintes itens:
- Estado geral, peso e coloração das mucosas;
- Presença de cicatrizes cirúrgicas;
- Sinais de irritação peritoneal (geralmente ausente);
- Dor à palpação;
- Exame da região perianal (avaliar se há fissuras, fístulas e abcesso).
Associando os dados colhidos durante a investigação clínica com exames complementares, podemos diagnosticar essas doenças. Os de escolha atualmente estão elencados abaixo. A pesquisa de anticorpos pode também auxiliar a hipótese diagnóstica:

Além desses, temos os métodos de imagem, como a enterotomografia e a enteroressonância magnética, que são menos invasivos e podem ajudar a caracterizar essas doenças e algumas de suas complicações.
Apesar da combinação dos achados, as vezes não é possível identificar de forma precisa a DC ou RCU. Sendo assim, 5%-20% destes pacientes são encaixados no quadro de portadores de colite não classificada, sendo necessário excluir também colites infecciosas e outras causas de colite.
Diagnóstico Diferencial
A apresentação clínica, endoscópica e até certo ponto histológica da DII não é específica. Sendo assim, outras causas podem realmente imitar os fenótipos dessa doença.
Entre os diagnósticos diferenciais clássicos estão as infecções e infestações entéricas, bem como a toxicidade por drogas e causas monogênicas de inflamação do trato gastrointestinal (principalmente em crianças).
Existem algumas situações especiais que merecem atenção, pois suscitam a hipótese para as seguintes condições clínicas:
- Inflamação gastrointestinal de início muito precoce (crianças < 6 anos) à Doenças monogênicas.
- De início tardio (idosos) à Colite isquêmica; Colite associada a divertículos; Colite tóxica induzida por drogas.
- Pacientes imunossuprimidos à Infecções oportunistas; Toxicidade de medicamentos imunossupressores.
- Pacientes em uso de medicamentos específicos.
- Pacientes em áreas endêmicas para tuberculose à Tuberculose intestinal é a causa de inflamação íleo-cecal mais comum nessas regiões.
- Pacientes com vasculite à Principalmente a púrpura de Henoch-Schönlein e a doença de Behçet, que podem causar inflamação da mucosa.
Além dessas, é importante lembrar que infecções e parasitoses devem sempre ser consideradas, principalmente em áreas endêmicas.
O câncer de cólon também pode se apresentar com sintomas crônicos e sangramento retal intermitente, devendo-se investigar o histórico familiar do paciente e realizar o seu rastreamento correto.
Tratamento
A primeira etapa no tratamento da DII são os medicamentos, que podem começar com a otimização progressiva da terapia a partir das exacerbações da doença (“Step up”), ou iniciar com a terapia mais agressiva até a menor dose que fará efeito no paciente (“Top Down”).
A escolha correta da forma de tratamento irá depender da localização da inflamação, da gravidade da doença, dos efeitos colaterais e da resposta inicial do paciente.
- Para doença leve a moderada à Aminossalicilatos (mesalazina , sulfassalazina)
- Moderada a Grave à Imunomodulador (Azatioprima, Ciclosporina) e/ou Agentes anti-TNF (Infliximabe)
- Exacerbações agudas ou casos graves refratários à Associa-se corticoesteróides (prednisona ou budesonida)
O tratamento cirúrgico pode ser usado nos casos em que o tratamento medicamentoso não melhora os sintomas da DII ou nas suas complicações agudas, como megacólon tóxico, obstrução na DC e hemorragia intratável.
Autora: Lyvia Maria Fernandes – @lyvia_f
O texto acima é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

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