Nefrologia

Resumo de Diálise Peritoneal | Ligas

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Definição

Nessa modalidade de diálise, não é usado a membrana do dialisador, mas sim o peritônio do próprio paciente. Isso significa que o dialisato será infundido na cavidade peritoneal e após um tempo determinado é retirado.

Indicações de diálise

Existem 2 tipos de indicações para iniciar uma TSR, as de urgência e as eletivas.

As condições clínicas que indicam a diálise de forma urgente envolvem a hiperpotassemia, a hipervolemia refratárias às medidas clínicas prévias, os sinais e sintomas urêmicos e a pericardite.

A hiperpotassemia deve estar embasada tanto em exames laboratoriais quanto em análises circunstanciais para gerar essa elevação de potássio, deve-se avaliar o quadro clínico do paciente como um todo, para determinar de forma assertiva se a diálise é indicada ou se ainda é possível adotar medidas conservadoras. Por exemplo, pacientes que possuem uma alta concentração de potássio, mas sem orientação nutricional, podem adotar medidas como: beta-agonistas, resina de troca, diuréticos e a própria orientação nutricional, para tentar controlar os valores elevados de potássio.

A hipervolemia é indicação de início imediato para a diálise. O uso de ultrafiltração (UF) na diálise reverte os sintomas de hipervolemia. Quando os pacientes apresentam sintomas leves, como desconforto em decúbito, medidas mais conservadoras como aumento da dose de diurético ou melhor controle da pressão arterial, geralmente, são suficientes.

Os sinais e sintomas urêmicos caracterizam a falência funcional renal e são eles: desorientação, redução do nível de consciência, soluções persistentes, anorexia, náuseas e vômitos. Além de serem indicativos de início urgente da diálise, estão associados a outras complicações provavelmente fatais, como hiperpotassemia, pericardite e complicações hemorrágicas.

A pericardite urêmica é considerada uma indicação urgente por conta de seu risco de desenvolvimento de derrame pericárdico e tamponamento cardíaco, posteriormente. Essa complicação aparece na fase terminal da doença renal e, portanto, quando já existem indicações prévias para iniciar a diálise. Os sinais e sintomas envolvidos são: desconforto precordial e pode ser acompanhado por febre. O diagnóstico clínico deve ser feito pela ausculta do atrito pericárdico. Já o diagnóstico diferencial para outros tipos de pericardite é observado com a não elevação do segmento ST no ECG. Ele é revertido rapidamente após início da diálise e para evitar maior acúmulo de sangue no espaço pericárdico é necessário evitar uso de heparina na HD.

As indicações eletivas são controversas, pois um estudo IDEAL (Initiating Dialysis Early and Late) em 2010, mostrou que não existem benefícios ao se iniciar um tratamento dialítico precocemente. Existem 3 critérios que pautam a decisão de iniciar a diálise: a impossibilidade de manejo clínico das alterações metabólicas e da volemia, a presença de sinais e sintomas urêmicos que indicam falência renal e a deterioração do  estado nutricional. Esses indicativos ocorrem, geralmente, com a TFG entre 10 mL/min/1,73 m² e 5 mL/min/1,73 m².

Mesmo existindo essas indicações para quando deve ser iniciado o tratamento dialítico, o tipo de diálise a ser realizada, seja hemodiálise (HD) ou diálise peritoneal (DP), fica a cargo do paciente.

Cavidade peritoneal

O peritônio parietal está em contato com a parede muscular, ao que o peritônio visceral recobre as vísceras; esse último é o responsável pela área efetiva de troca, sendo classificado como uma membrana semipermeável que é equivalente à membrana dialítica da HD e, portanto, depura as toxinas urêmicas e mantem o paciente euvolêmico. Já o fluxo de filtração tem o sentido do capilar peritoneal para o dialisato.

A solução de diálise é colocada no espaço peritoneal e, daí, ocorre transferência de soluto entre o sangue e a solução dialisadora. A passagem de líquido através dessa membrana ocorre por meio de aquaporinas (poros ultrapequenos) localizadas no endotélio dos capilares peritoneais e através dos poros pequenos que ficam nas junções celulares entre essas células epiteliais. A glicose presente na solução dialítica cria um gradiente de concentração osmótico.

Os solutos de movem por duas formas de transporte passivo. A primeira forma é a difusão, processo fundamental no clearance peritoneal. Os fatores que influenciam esse processo são o gradiente de concentração entre a solução dialítica e o sangue do paciente, a área de superfície peritoneal efetiva, a resistência intrínseca da membrana (peritônio) e o peso molecular do soluto. A difusão configura-se como o processo que contribui com a maior parte do transporte de solutos, sendo independente do fluxo sanguíneo peritoneal.

Já a segunda forma é a de ultrafiltração (UF), na qual o soluto é levado durante o processo de ultrafiltração, o qual depende do gradiente de concentração osmótico, da área de superfície peritoneal efetiva, da condutância hidráulica da membrana peritoneal, do coeficiente de reflexão do gradiente osmótico (se refere a difusão do agente osmótico para dentro dos capilares), do gradiente de pressão hidrostática e do gradiente de pressão oncótica. Com o passar do tempo, a concentração de glicose diminui, pois ela passa pelos poros pequenos sendo absorvida, reduzindo a concentração osmótica. Parte do ultrafiltrado (UF) é reabsorvido pelos vasos linfáticos, ou seja, o volume intraperitoneal máximo é quando a ultrafiltração se iguala ao ritmo de absorção linfática. Depois disso, o volume intraperitoneal decai, logo a duração desse procedimento é mais curta. Algo importante de se ter em mente é que os pacientes, a partir da velocidade de transporte da glicose, são classificados em baixo ou alto transportador, pelo Peritoneal Equilibium Test (PET), sendo que esse perfil pode variar na mesma pessoa. O grau de absorção aumenta com o número de sessões de diálise peritoneal realizadas, por conta de inflamação do peritônio. Isso está relacionado à neoangiogênese (aumento do número de poros pequenos). Com a progressão dos processos inflamatórios, há aumento na produção de colágeno, gerando espessamento peritoneal que pode evoluir para fibrose e peritonite esclerosante. A icodextrina é um polímero de glicose, mas menos absorvido, aumentando para 12 h o período de depuração da DP. É preciso cuidado ao administrar icodextrina em pacientes diabéticos, pois parte dessa substância que é absorvida acaba sendo convertida em maltose e pode interferir na leitura dos glicosímetros, dando falsas leituras de glicose alta e aumentando a produção de insulina.

Cateter peritoneal

Antes do implante, o paciente deve assinar um termo de consentimento que o informa das possíveis complicações do procedimento. Devem ser feitas, também, provas de coagulação. Ainda, o paciente deve estar em jejum, em preparo intestinal e com bexiga vazia. As características do abdome de cada paciente devem ser analisadas para que se defina o local da inserção. É necessário também antibioticoterapia profilática. Hérnias devem ser reparadas, caso a DP não seja urgente.

Esse cateter flexível é instalado com anestesia local e sedação (exceto quando os pacientes têm histórico de cirurgia abdominal prévia ou se o médico perceber que ao inserir o cateter encontra resistência).O implante do cateter peritoneal pode ser realizado por três vias: a percutânea (feita por nefrologistas), por “minilaparotomia” (feita por equipe cirúrgica) ou pela laparoscopia (feita, também, pela equipe cirúrgica).

Após instalado o cateter, pode-se iniciar a sessão de diálise imediatamente (caso o paciente se mantenha em decúbito dorsal e o volume infundido seja inicialmente pequeno), porém o aconselhável é que se aguarde a cicatrização da ferida operatória.É importante treinar o paciente, sua família, ou eventual cuidador para o manuseio das trocas e limpeza do cateter.

Solução da DP

Tem a composição semelhante (porém não idêntica) à do sangue, com concentrações iônicas variáveis, dentro de uma faixa bem conhecida.Possui alta concentração de glicose, mantendo a osmolaridade maior do que a do plasma. Ressalta-se que concentrações muito elevadas de glicose podem causar peritonite química, dor abdominal intensa, alterações eletrolíticas e hiperglicemia grave. O bicarbonato comumente utilizado na solução hemodialítica é substituído na solução da diálise peritoneal ou por lactato ou por acetato.Efeitos colaterais incluem dor, distensão abdominal e prejuízos na mecânica respiratória.

Modalidades

Existem algumas modalidades de DP. A primeira é a diálise peritoneal ambulatorial contínua, na qual a troca das bolsas de solução é feita manualmente com auxílio da gravidade. Quatro trocas diárias é a prescrição mais frequente, podendo ser de apenas três em pacientes que preservam uma função renal residual. Deve-se evitar a realização de cinco trocas diárias, pois dificulta aderência ao tratamento. A permanência da solução na cavidade peritoneal é mais longa, aumentando o clearance de solutos pela ultrafiltração. Os pacientes classificados como baixo transportador são os que mais se beneficiam dessa modalidade.

Já na diálise peritoneal automatizada contínua, as soluções permanecem dentro da cavidade abdominal durante o dia e a troca de solução é feita com auxílio de uma máquina durante o sono do paciente.É necessário cuidado na determinação da concentração de glicose por conta do risco de ultrafiltração negativa.

Por último, temos a diálise peritoneal automatizada intermitente. Ela também utiliza a máquina trocadora de soluções, mas, durante o dia, o paciente permanece sem solução na cavidade peritoneal.Ela é colocada durante a noite, pouco antes de o paciente dormir, e retirada depois após o despertar.É utilizada em pacientes que possuem uma função renal residual boa, sendo uma boa técnica para indivíduos com hérnias abdominais ou hidrocele, pois evita que a pressão intra-abdominal suba muito e, assim, dificultam a piora do quadro.

Adequações

O volume de infusão depende do tamanho do paciente e da função renal residual (quanto menor for ela, maior será o volume infundido).Segundo a Sociedade Internacional de Diálise Peritoneal (ISPD), as adequações da diálise devem focar mais na parte clínica do que nos valores de clearance de pequenos solutos, mas também sem esquecer desta e de outros fatores como: exames laboratoriais, aspecto nutricional, estado volêmico, apetite e controle dos níveis pressóricos.

Para calcularmos o clearance de pequenos solutos deve-se usar o cálculo denominado de “Kt/V”. Para quantificarmos os valores é preciso da dosagem de ureia sérica, da ureia peritoneal, da água corporal total e o volume total do dialisato drenado nas últimas 24h.Os valores de Kt/V devem ser corrigidos para a superfície corporal de 1,73 m².

É possível manter um paciente com valores de Kt/V abaixo do normalmente recomendado, se ele possuir uma boa função renal residual, porém é necessário monitorar, regularmente, a diurese residual.

Quando é identificado que a dose dialítica está inadequada para o paciente, o clearance de tamanhos de moléculas diferentes deve ser corrigido de forma diferente, por exemplo, o clearance de moléculas pequenas é melhorado com aumento dos números de troca das bolsas de infusão e do volume de infusão, já o clearance de moléculas médias depende mais do tempo em que a solução permanece em contato com o peritônio. Diante disso, é melhor aumentar o volume de infusão, do que o número de troca, pois dessa forma, possibilita-se uma melhora de ambos os clearances.

Complicações

Existem 3 tipos de complicações: as relacionadas ao transplante, as mecânicas e as infecciosas.

As complicações relacionadas ao implante incluem a perfuração de alça, o hemoperitônio, o quiloperitônio, a infecção da ferida operatória (2 semanas após o implante) e a peritonite (2 semanas após o implante).

As complicações mecânicas incluem as hérnias, a drenagem inadequada e a dor abdominal.  As hérnias são causadas por um aumento da pressão intra-abdominal, tem como fatores de risco volumes de dialisato grandes, cirurgia abdominal recente, obesidade, mau condicionamento muscular e multiparidade. Infelizmente, com a frequente necessidade de se aumentar o volume de dialisato para adequar a filtração do paciente contribui para o aumento da incidência de hérnias. Além disso, hérnias diafragmáticas podem causar hidrotórax. A drenagem inadequada é a causa mais importante que indica a falência da DP. A dificuldade na drenagem tem diversas causas como: obstrução do lúmen do cateter seja por fibrina, coágulo, ou até mesmo omento, sem falar do deslocamento da ponta do cateter para fora da pelve. Nesses casos os uso de laxativo é indicado para reposicionar esse cateter sem necessariamente realizar uma cirurgia. Já o tratamento da obstrução do lúmen do cateter por fibrina pode ser feito por meio de administração de heparina diluída na solução dialítica. A dor abdominal é a queixa mais frequente nos pacientes que estão no início do tratamento de DP. Suas causas podem ser: volume de infusão inadequado ou pH ácido da solução dialítica. É necessário realizar diagnóstico diferencial para peritonite.

As complicações infecciosas são as principais responsáveis pela transferência dos pacientes para a HD e incluem infecção do local de saída do cateter, túnel do cateter e peritonite. As duas primeiras não tiveram redução da sua incidência com o desenvolvimento de novos cateteres e técnicas. Seus sinais e sintomas são secreção purulenta e edema. Elas estão associadas a uma maior incidência de peritonite.

Outro tipo de complicação infecciosa é a peritonite, sendo a mais comum dentre essas três. Sinais e sintomas incluem dialisato turvo, dor abdominal, febre, calafrios, mal-estar, diarreia, leucocitose e irritação peritoneal. É muito importante identificar o causador da infecção, pois isso possibilita um melhor direcionamento do tratamento.

Autores, revisores e orientadores:

Autor(a): Glória Coelho Barros

Revisor(a): Gabriel Martins Nogueira

Orientador(a): Drª. Bárbara Maria Oliveira de Souza