Ciclo Clínico

Resumo: Hemodiálise | Ligas

Resumo: Hemodiálise | Ligas

Compartilhar
Imagem de perfil de LANEF Liga Acadêmica de Nefrologia

Autor(a) : Glória Coelho Barros

Revisor(a): Gabriel Martins Nogueira

Orientador(a): Drª Bárbara Maria Oliveira de Souza

Liga: Liga Acadêmica de Nefrologia (LANEF)

Definição

A hemodiálise (HD) é uma terapia de substituição renal (TSR), assim como a diálise peritoneal (DP) e o transplante renal. Tem como função remover solutos desnecessários e tóxicos das pessoas que possuem síndromes urêmicas e que, por consequência, cursam com desequilíbrio hidroeletrolítico e acidose metabólica. Ela é composta por um mecanismo de circulação extracorpórea, no qual o sangue, ao passar pela membrana do dialisador, é filtrado. Após esse processo de filtração, o sangue é reinfundido no paciente.

Indicações de diálise

Existem 2 tipos de indicações para iniciar uma TSR, as de urgência e as eletivas.

As condições clínicas que indicam a diálise de forma urgente são a hiperpotassemia, a hipervolemia refratárias às medidas clínicas prévias, os sinais e sintomas urêmicos e a pericardite. A hiperpotassemia deve estar embasada tanto em exames laboratoriais quanto em análises circunstanciais para gerar essa elevação de potássio, deve-se avaliar o quadro clínico do paciente como um todo, para determinar de forma assertiva se a diálise é indicada ou se ainda é possível adotar medidas conservadoras. Por exemplo, pacientes que possuem uma alta concentração de potássio, mas sem orientação nutricional, podem adotar medidas como: beta-agonistas, resina de troca, diuréticos e a própria orientação nutricional, para tentar controlar os valores elevados de potássio.

A hipervolemia é indicação de início imediato para a diálise. O uso de ultrafiltração (UF) na diálise reverte os sintomas de hipervolemia. Quando os pacientes apresentam sintomas leves, como desconforto em decúbito, medidas mais conservadoras como aumento da dose de diurético ou melhor controle da pressão arterial, geralmente, são suficientes.

Os sinais e sintomas urêmicos caracterizam a falência funcional renal e são eles: desorientação, redução do nível de consciência, soluções persistentes, anorexia, náuseas e vômitos. Além de serem indicativos de início urgente da diálise, estão associados a outras complicações provavelmente fatais, como hiperpotassemia, pericardite e complicações hemorrágicas.

A pericardite urêmica é considerada uma indicação urgente por conta de seu risco de desenvolvimento de derrame pericárdico e tamponamento cardíaco, posteriormente. Essa complicação aparece na fase terminal da doença renal e, portanto, quando já existem indicações prévias para iniciar a diálise. Os sinais e sintomas envolvidos são: desconforto precordial e pode ser acompanhado por febre. O diagnóstico clínico deve ser feito pela ausculta do atrito pericárdico. Já o diagnóstico diferencial para outros tipos de pericardite é observado com a não elevação do segmento ST no ECG. Ele é revertido rapidamente após início da diálise e para evitar maior acúmulo de sangue no espaço pericárdico é necessário evitar uso de heparina na HD.

As indicações eletivas são controversas, pois um estudo IDEAL (Initiating Dialysis Early and Late) em 2010, mostrou que não existem benefícios ao se iniciar um tratamento dialítico precocemente. Existem 3 critérios que pautam a decisão de iniciar a diálise: a impossibilidade de manejo clínico das alterações metabólicas e da volemia, a presença de sinais e sintomas urêmicos que indicam falência renal e a deterioração do  estado nutricional. Esses indicativos ocorrem, geralmente, com a TFG entre 10 mL/min/1,73 m² e 5 mL/min/1,73 m².

Mesmo existindo essas indicações para quando deve ser iniciado o tratamento dialítico, o tipo de diálise a ser realizada, seja hemodiálise (HD) ou diálise peritoneal (DP), fica a cargo do paciente.

Acessos

A fístula arteriovenosa com vasos nativos (FAV) é o acesso padrão-ouro. É realizada geralmente através da artéria radial e da veia cefálica. Os critérios de indicação são creatinina sérica > 4,0 mg/dL e TFG < 25 mL/min. O USG com Doppler é um excelente guia e avaliador das condições dos vasos. É preferível fazer primeiro uma fístula mais distal, como entre a artéria radial e veia cefálica, pois preserva os vasos mais proximais para futuras fístulas. Metade das FAVs com vasos nativos demanda segunda intervenção (por conta de falência primária ou estenose) e precisam de um tempo de maturação.

Outra opção é a fístula com politetrafluoretileno (PTFE). Ela deve ser feita quando a veia está inadequada para a realização de fístula. Nesse processo, opta-se por utilizar enxerto (geralmente feito de PTFE, pois possui resistência a infecções). Além disso, por permitir a retirada de trombos, é a opção mais adequada para pacientes com trombofílicos. Ainda, é ideal para hemodiálises de urgência, pois não é necessário esperar a maturação da fístula; contudo, ela dura menos tempo do que a fístula de vasos nativos.

O terceiro tipo de acesso são os cateteres venosos de longa duração. São excelentes acessos temporários, feitos enquanto o FAV está em maturação. Têm duplo lúmen (arterial e venoso), eles são mais longos, maleáveis e com cuff (este material estimula a formação de fibrose, no subcutâneo, protegendo contra microorganismos, portanto, os com cuff tem  menor risco de infecção). A preferência pelo lado direito se deve ao melhor fluxo e facilidade técnica. A veia jugular é preferível a veia subclávia, esta tem maior risco de estenose e possível inutilização do membro superior ipsilateral e prejudicando futura realização da fístula. Os cateteres nas veias femorais têm risco de trombose venosa, se transformando em dificuldades técnicas na realização de transplante renal. São indicados para: idosos, pacientes com baixa expectativa de vida, pacientes sem acesso vascular definido ou com perspectiva de transplante em curto prazo.

Preparos

O encaminhamento ao nefrologista para preparo da TSR deve ser feito quando a TFG do paciente for inferior a 30 mL/min. Isso foi decidido em decorrência de vários fatores, como as menores taxas de mortalidade inicial, morbidade hospitalar, dias de hospitalização, transplante renal e custo do tratamento. Alguns prenúncios inequívocos de diálise são manifestações clínicas da uremia (síndrome urêmica) e TFG < 10 ou 15 mL/min. O início da TSR pode variar com o nível da TFG de acordo com a presença ou não de comorbidades, como diabetes mellitus, insuficiência cardíaca congestiva e sinais de desnutrição proteico-energética. É incerto se o início precoce desses pacientes com comorbidades realmente é efetivo.

Esclarecimentos devem ser feitos para os pacientes e seus familiares na chegada ao nefrologista. É preciso conversar sobre o diagnóstico, prognóstico e tratamento, levando em consideração a idade do paciente e as comorbidades que ele apresenta. Tal atitude melhora a qualidade de vida dos pacientes, fortalece o vínculo entre o médico e os enfermos e maximiza as oportunidades terapêuticas.

FAV com vasos nativos é o acesso mais indicado para HD demanda ser instalado de 3 a 6 meses antes do início da TSR (TFG ~ 20 mL/min). Deve-se evitar a realização de cateteres centrais e limitar punções venosas periféricas para poupar território vascular.

A segunda opção de acesso para HD é a realização da fístula com prótese de politetrafluoretileno (PTFE), é feito 1 mês antes da HD, tem sobrevida menor que a FAV de vasos nativos e é pouco utilizada no meio médico.

Membrana semipermeável sintética responsável pela filtração do sangue, mas não supre as atividades endócrinas ou metabólicas, então é necessário realizar suplementação, por exemplo com ferro e eritropoietina sintética

Princípios de troca em diálise

O processo de retirada de solutos e solventes em excesso do paciente é feito por processos físicos simples. As membranas usadas na HD têm porosidade variável, permitindo a passagem tanto do solvente quanto do soluto. Existem 3 principais trocas, que podem estar sozinhas ou agrupadas dependendo do tipo de HD que for escolhida, a difusão, a convecção e a adsorção.

Nos filtros empregados na HD, as duas soluções (sangue e solução dialítica) separadas por uma membrana semipermeável, esta permite um movimento bidirecional, o sentido de cada movimento das partículas é determinado pelo seu gradiente de concentração, caracterizando um movimento passivo das moléculas, portanto, o sentido será do compartimento com maior concentração para o de menor, até que seja obtido um equilíbrio entre as concentrações. Este movimento é classificado como difusão.

A difusão é o movimento de solutos causado pela diferença de concentração (tamanho, forma, natureza elétrica das partículas, temperatura, área e porosidade da membrana também podem influenciar). Se algum soluto precisar ser retirado do sangue, sua concentração no dialisato precisa ser menor; caso não seja necessário retirá-lo do sangue, sua concentração no dialisato deve ser semelhante; caso seja preciso adicionar esse soluto ao sangue, a concentração na solução dialítica deve ser maior.

Enquanto, a difusão é o movimento do soluto, a convecção é o movimento do solvente, também dependente do gradiente de concentração. Esse movimento do solvente consegue levar alguns solutos, e as membranas da HD permitem esse fenômeno que é conhecido como efeito de grada do solvente. Outro fator, além do gradiente de concentração, que também contribui para o movimento convectivo é a diferença de pressão hidráulica. A convecção é especialmente importante em 2 modalidades de HD, a hemofiltração (onde a depuração se dá de forma exclusiva pela convecção) e a hemodiafiltração (é um método híbrido entre de depuração entre a difusão e a convecção).

De forma geral, denomina-se diálise como o processo que predomina a difusão e ultrafiltração o processo que predomina convecção, mas convencionou-se de que diálise seria o nome dessa terapia de substituição renal.

Por último, a adsorção é outro mecanismo de retirada de soluto pelos filtros de HD. Ele ocorre quando o sangue entre em contato com a superfície não biológica das membranas e ocorre uma aposição de macromoléculas (principalmente proteínas) na superfície dessa membrana. É um fenômeno autolimitado, pois a medida que as proteínas se ligam a essa membrana, formam um filme biológico que impede que outras moléculas se liguem, tendo pouca relevância para a HD.

Água utilizada na HD

É estimado que sejam usados 360 litros de água por semana. O tratamento da água usada na diálise não é o mesmo da que consumimos, pois algumas substâncias dessa última são tóxicas para os pacientes de HD, podendo causar anemia, encefalopatia, osteomalácia, hemólise e fluorose.Os microorganismos e seus produtos podem gerar consequências para esses pacientes, ativando o sistema imune deles e prolongando um estado de inflamação crônica subclínica.Logo, são usados métodos específicos para purificar a água usada na HD, como filtro de areia, carvão ativado, sistema de remoção de íons e osmose reversa.

Materiais e equipamentos

A solução dialítica é feita continuamente durante a sessão, por um sistema de mistura proporcional. O tampão usado na HD é o bicarbonato, mas isso se torna um problema em soluções com altas concentrações de cálcio e magnésio, pois esses três juntos podem gerar precipitados. É por isso que a solução da HD tem duas frações separadas, uma básica, com bicarbonato, e outra ácida, com os outros solutos. Durante a sessão de HD, essas duas frações são aspiradas e misturadas na água, formando uma solução mais diluída. As concentrações dos íons utilizados têm faixas de segurança para evitar efeitos adversos, como náuseas, vômitos, cãibras, cefaleia, hipotensão e síndrome do desequilíbrio. Essas concentrações devem ser individualizadas, dependendo dos níveis de cada paciente.

O dialisador é formado por 2 compartimentos, um para o sangue e outro para a solução dialítica, que são separados por uma membrana semipermeável. Em um dos compartimentos, flui o sangue em um sentido, enquanto no outro compartimento flui a solução dialítica em sentido contrário ao do sangue, isso categoriza um movimento de contracorrente. A diferença de concentração e pressão favorece as trocas entre sangue e dialisato. Esses dialisadores são formados por milhares de fibras capilares dispostas paralelamente e formam uma superfície interna. Essas fibras ficam separadas para garantir um espaço onde a solução dialítica pode fluir. As características funcionais do dialisador são determinadas por: sua capacidade convectiva (Kuf), sua capacidade difusiva (avaliada pelo seu clearance) e sua permeabilidade de suas membranas aos solutos de maior peso molecular (KoA).

As membranas são classificadas pela sua permeabilidade e são feitas de material sintético (polissulfona, poliacrilonitrila, poliamida ou policarbonato) ou celulose modificada (acetato, diacetato ou triacetato de celulose).

O anticoagulante tem como função prevenir a coagulação do sangue no circuito extracorpóreo, induzindo elevado grau de trombogenicidade.O risco de coagulação é potencializado por hematócrito alto, taxa elevada de ultrafiltração, transfusão de hemoderivados durante a HD e reduções do fluxo sanguíneo pelo circuito. A heparina não fracionada é o anticoagulante mais utilizado. Em pacientes com risco ativo de sangramento, pode-se usar a técnica de HD sem anticoagulante, com lavagem de circuito extracorpóreo com soro fisiológico (100mL a cada 30 minutos), sendo necessário adicionar o volume infundido na taxa de filtração.

Esquemas

Existem diversos esquemas diferentes que devem ser escolhidos em conjunto com o paciente. A grande maioria dos pacientes realiza sua HD dentro dos hospitais, obedecendo uma prescrição fixa de frequência e duração das sessões. Porém, uma minoria faz dentro de sua casa, tendo uma maior flexibilidade para programar as sessões segundo sua conveniência. Apesar da versão domiciliar de HD oferecer uma melhor qualidade, tem limitantes como custo e execução, mas mesmo assim essa modalidade vem crescendo, principalmente entre os pacientes que necessitam ser dialisados com mais frequência.

A HD diária de curta duração conta com 6 sessões semanais (exceto aos domingos), com duração de duas a três horas, e está associada ao melhor controle da pressão arterial, reversão da hipertrofia ventricular esquerda, redução do índice de resistência à eritropoetina, melhor controle da hiperfosfatemia, melhor controle da fosfatemia e melhor qualidade de vida.

Na HD noturna prolongada apresenta 3 benefícios: diálise domiciliar, diária e longa duração.  Seu esquema típico varia de 5 a 6 sessões semanais de 8 horas por noite, com fluxo de sangue e solução de diálise mais lentos do que na HD convencional. Segundo alguns estudos observacionais, os níveis de escórias nitrogenadas ficaram mais próximas ao normal, melhorou a anemia, controlou a pressão arterial, melhorou os parâmetros nutricionais e normalizou a fosfatemia.

Já na hemodiafiltração o dialisador tem sempre permeabilidade alta e a depuração do sangue se dá por difusão e convecção. A convecção é responsável por grande parte de remoção das toxinas, principalmente aquelas de maior peso molecular. Tem custo elevado e capacidade limitada de remoção de toxinas urêmicas por conta do baixo volume de troca.

Adequações hemodialíticas

Os pacientes podem ter função renal residual, que vai decaindo entre 3 a 6 meses, enquanto a diálise vai sendo feita. Portanto, é importante avaliar constantemente a função renal de pacientes que estão realizando essa TSR.

Segundo um estudo clínico prospectivo do National Dialysis Study (NCDS) da evolução dos pacientes, foi observado que quanto menor as taxas de redução da concentração de ureia durante as sessões dialíticas maior era o risco de mortalidade, por isso foi desenvolvido o conceito de avaliação da cinética da ureia. Esta baseava-se em 3 variáveis: K (taxa de depuração da ureia), t (duração da sessão dialítica) e V (volume de distribuição da ureia), que geram a fórmula Kt/V. Esta expressa quantas vezes o volume de distribuição da ureia foi depurado, logo se o Kt/V de um paciente for 1,5, isso quer dizer que a depuração foi de uma vez e meia o volume de distribuição. Esse entendimento de que o sangue foi depurado mais de uma vez o seu próprio volume, é importante pois quando o paciente está sendo dialisado, o sangue recém depurado volta para ele se misturando com o sangue que ainda não foi depurado.

Daugirdas atualizou esse cálculo da cinética da ureia, baseando-se na na taxa de redução de ureia. O percentual de redução de ureia (PRU) é definido como PRU = (1-R) x 100, sendo que R equivale a ureia pós-HD / ureia pré-HD, sendo uma medida direta da efetividade do tratamento dialítico, ou seja, quanto maior for seu decaimento plasmático, mais eficaz é a diálise.

É possível relacionar essas duas fórmulas: Kt/V = -ln (R – 0,008 x t), sendo que t é a duração da sessão em horas. É necessário incluir o 0,008, pois sabe-se que a taxa de geração de ureia eleva-se, aproximadamente, 0,8% por hora.