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Ainda que seja altamente protegido, o SNC, pode ser infectado por diversos agentes etiológicos, como vírus, bactérias e fungos. Agentes etiológicos estes que, devido a organização estrutural desse complexo sistema – em especial do espaço subaracnóideo – ao atingir esse sistema consegue espalhar-se rapidamente por toda extensão do SNC e este, como forma de proteção, inicia uma resposta inflamatória intensa, caracteristicamente restrita ao espaço contingente do LCR, caracterizando, portanto, as meningites, entidades clínicas que se caracterizam pela ocorrência de um processo infeccioso das meninges e do espaço contido entre estas membranas, o espaço subaracnóideo.
Quando o agente etiológico em questão são bactérias, o processo infeccioso corresponde a meningite bacteriana aguda ou meningite piogênica aguda, caracterizada por uma infecção purulenta que pode resultar em rebaixamento do nível de consciência, crises convulsivas, aumento da pressão intracraniana e até mesmo em eventos isquêmicos (AVC).
Qualquer tipo de bactéria pode causar meningite, contudo os patógenos mais comuns são o Streptococcus pneumoniae (aproximadamente 50% dos casos); Neisseria meningitidis (25% dos casos); Haemophilus influenzae (7% dos casos), e, variando de acordo com a faixa etária, sendo mais comuns em RN e idosos, há ainda o Streptococcus grupo B (13% dos casos) e a Listeria monocytogenes (8% dos casos).
Apesar de ser o segundo subtipo mais comum de meningite e da queda na sua incidência nos países desenvolvidos graças à vacinação, essa etiologia tem uma grande relevância por tratar-se de uma emergência clínica com alto índice de morbimortalidade se não tratada adequadamente. Portanto, um rápido diagnóstico e instituição precoce do tratamento, disso dependente, em grande parte, do prognóstico do paciente.
No Brasil, é considerado um problema de saúde pública, devido à sua endemicidade, com ocorrência de surtos esporádicos, sendo mais frequentes no outono-inverno. Pode acometer qualquer faixa etária, porém há um risco de adoecimento maior entre crianças de um mês de vida a cinco anos.
Fisiopatologia
As bactérias causam a meningite podem atingir o espaço subaracnóideo por acesso direto, contiguidade, mais comumente, pela via hematogênica, por meio de focos infecciosos em estruturas cranianas, osteomielite em ossos do crânio e através do rompimento da barreira natural do SNC por meio de traumatismos acidentais ou cirúrgicos.
Segundo Spach e Jackson, para atingir o SNC as bactérias precisam vencer 4 etapas:
No caso dos microrganismos S. pneumoniae e N. meningitidis, por exemplo, estes patógenos colonizam primeiro a nasofaringe e em seguida, são transportados para o espaço intravascular, (sendo capazes de evitar a fagocitose por neutrófilos), atingem o plexo coroide intraventricular, infectando as células epiteliais, ganhando acesso ao LCR, local onde ocorre a replicação bacteriana no espaço subaracnóideo. Como consequência desse processo há liberação de componentes bacterianos que atingem o endotélio cerebral desencadeando no processo inflamatório e é daí que resultam muitas das manifestações neurológicas e complicações da meningite bacteriana.
Em todo esse processo há migração seletiva dos leucócitos com predomínio absoluto de neutrófilos; passagem de albumina, água, eletrólitos, sistema complemento e anticorpos de baixa especificidade; o aparecimento de edema vasogênico, inflamação do ESA e aumento da resistência ao fluxo liquórico levando a um aumento da PIC, redução do fluxo sanguíneo cerebral e perda da autorregulação cerebrovascular.
Quadro clínico
A apresentação clínica da meningite pode ser tanto de uma doença aguda fulminante com rápida evolução como também uma infecção subaguda com piora progressiva ao longo dos dias. A tríade clássica desta patologia consiste em febre, cefaleia e rigidez nucal, mas o quadro clínico é bem variável podendo haver ou não a associação de 3 síndromes:
1. Síndrome de Hipertensão intracraniana
Caracterizada por cefaleia intensa, náuseas, vômitos e certo grau de confusão mental.

2. Síndrome Toxêmica
Caracterizada por febre alta, mal-estar, agitação psicomotora
3. Síndrome de Irritação Meníngea
Caracterizada pelos achados nos exame físico do paciente, como:
- Rigidez nucal
- Sinal de Brudzinski
- Sinal de Kerning
- Sinal de desconforto lombar
Diagnóstico
O diagnóstico sindrômico e etiológico das meningites bacterianas é feito através da punção liquórica onde há análise dos componentes do líquido cefalorraquidiano. No que corresponde ao diagnóstico sindrômico são analisados celularidade, proteinorraquia, glicemia; já no que corresponde ao diagnóstico etiológico são observados a presença do agente etiológico ao exame bacteriológico direto ou através da detecção de antígenos bacterianos pela prova do látex, lembrando que a sensibilidade desse exame é variável caso a antibioticoterapia seja previamente iniciada.
Para o diagnóstico sindrômico de pacientes com meningites bacterianas espera-se as seguintes alterações na análise do LCR:
Exames radiológicos, sobretudo TC de crânio, não são exames de escolha para o diagnóstico das meningites, mas devem ser consideradas em determinadas situações antes da realização do exame de LCR
Tratamento
O tratamento precoce para meningites bacterianas influencia diretamente no prognóstico do paciente, dessa forma, a antibioticoterapia, mesmo que empírica, deve ser instituída assim que possível. De modo geral, a antibioticoterapia deve ser idealmente iniciada nos primeiros 30min da chegada do paciente e é administrava via venosa por um período de 7 a 14 dias, ou até mais dependendo da evolução clínica e do agente etiológico.
A antibioticoterapia inicial deve ser realizada com cefalosporinas de terceira geração (cefotaxima ou ceftriaxona) ou com penicilina G cristalina. Há também outras alternativas, como o uso de ampicilina e cloranfenicol. Vale ainda ressaltar que pacientes tratados com penicilinas e ampicilinas devem fazer um tratamento associado com rifampicina para erradicação das bactérias da orofaringe.
Além da antibioticoterapia é necessário o uso de corticosteroides com o objetivo de reduzir a intensidade da reação inflamatória e a consequente diminuição da agressão ao tecido cerebral. O corticosteroide de escolha é a dexametasona que deve ser administrada entre 15 a 3min antes da primeira dose ou, no máximo, acompanhando a primeira dose de antibióticos.
Autores, revisores e orientadores:
Autor(a): Marcella Mangabeira Maia – @marcellammaia
Revisor(a): Rafaela Andrade Goes Santos – @rafaelagoes13
Orientador(a): Blener Borges Mateus
Liga: Liga Baiana de habilidades Médicas – LIBAHM
Instagram- @libahm.unifacs
O texto acima é de total responsabilidade do(s) autor(es) e não representa a visão da sanar sobre o assunto.
Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de Ligas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.
Referências:
Ricardo Nitrini; Luiz Alberto Bacheschi. A Neurologia que Todo Médico Deve Saber. 2ª edição. São Paulo, SP. Editora Atheneu, 2003.
Joaquim Pereira Brasil Neto; Osvaldo M. Takayanagui. Tratado de Neurologia da Academia Brasileira de Neurologia.1ª edição. Rio de Janeiro, RJ. Editora Elsevier, 2013
Hélio Rodrigues Gomes. Doenças Infecciosas do Sistema Nervoso. In: Milton de Arruda Martins; Flair José Carrilho; Venâncio Avancini Ferreira Alvez; Euclides Ayres de Castilho; Giovanni Guido Cerri. Clínica médica, volume 6: Doenças dos olhos, doenças dos ouvidos, nariz e garganta, neurologia, transtornos mentais. 2ª edição. Barueri, SP. Editora Manole, 2016.
BRASIL. Ministério da Saúde. Guia de Vigilância em Saúde. Brasília, DF, 2019.
KASPER, Dennis L. Medicina interna de Harrison. 19 ed. Porto Alegre: AMGH Editora, 2017.