Definição e Epidemiologia
Consiste em uma doença sistêmica crônica, decorrente da hipersecreção do hormônio de crescimento (GH) e do fator de crescimento semelhante à insulina tipo 1 (IGF-1). A maioria dos casos de acromegalia ocorre como consequência de um adenoma hipofisário secretor de GH (somatotropinoma), sendo 80% deles macroadenomas (>10mm). A doença apresenta uma evolução insidiosa e, muitas vezes, seu diagnóstico é feito cerca de 7 a 10 anos após o surgimento dos primeiros sinais e sintomas, fato que atrasa o início do tratamento e contribui para o desenvolvimento de complicações e para o aumento da mortalidade relacionados à acromegalia.
É considerada uma doença rara, porém subdiagnosticada. Ocorre com igual frequência em homens e mulheres e pode acontecer em qualquer idade, sendo mais frequente entre a terceira e quinta década de vida. Sua incidência é de 3 a 4 casos por 1 milhão de habitantes ao ano e sua prevalência é de, aproximadamente, 70 casos por 1 milhão de habitantes. No Brasil, ainda há a necessidade de realização de estudos para a identificação de novos casos de acromegalia. Atualmente, há apenas cerca de 1.000 casos registrados no DATASUS. Além disso, a acromegalia está associada a uma taxa de mortalidade cerca de duas vezes maior à da população geral, a qual pode ser revertida pela normalização dos níveis de GH e IGF-1.
Fisiopatologia
A regulação do GH ocorre sob o controle principal do hormônio liberador do hormônio de crescimento (GHRH), que estimula a secreção de GH pela hipófise anterior, e a somatostatina (SRIF), que inibe tal secreção. O GH estimula a geração do IGF-1, o qual é sintetizado, predominantemente, no fígado e tem importante papel na regulação do eixo somatotrófico pela retroalimentação negativa sobre o hipotálamo e a hipófise, além de agir no crescimento longitudinal dos ossos, na remodelação óssea, na redução da adiposidade e no aumento da massa magra do corpo. O GH possui efeitos somáticos e metabólicos, sendo estes ocasionado por efeito direto do GH sobre os carboidratos, lipídeos e proteínas. Em relação aos carboidratos, o GH em excesso provoca resistência insulínica, levando ao aumento da produção hepática de glicose e menor oxidação e captação da glicose pelos tecidos periféricos. Consequentemente, ocorrem hiperinsulinismo, intolerância à glicose e diabetes melito.
Quando o excesso de GH e IGF-1 ocorre ainda na infância ou adolescência, quando as cartilagens epifisárias ainda não estão fechadas, ocorre aumento anormal da estatura, resultando no quadro de gigantismo. Já quando ocorre na fase adulta, após o fechamento das cartilagens epifisárias, o paciente apresenta diferentes manifestações referentes a um quadro de acromegalia.
Quadro clínico
Os sinais e sintomas clínicos relacionados à acromegalia podem resultar da compressão do tumor sobre as estruturas adjacentes, como cefaleia, distúrbios visuais ou hipopituitarismo, bem como da secreção excessiva de GH e IGF-1, podendo resultar nas seguintes manifestações:
- Pele espessada e oleosa, sudorese ou hiperidrose, hipertricose, manchas pigmentadas na pele e papilomas cutâneos, conhecidos como acrocórdons ou skin tags (importantes marcadores para a possível existência concomitante de pólipos colônicos adenomatosos);
- Mudanças da fisionomia por crescimento de extremidades ósseas e partes moles, macroglossia, alargamento do nariz e lábios, proeminência frontal da face e mandíbula, protognatia, alargamento do maxilar com separação dos dentes e má oclusão dentária;
- Artropatia de grandes articulações, com artralgia e artrose precoces, escoliose e osteofitose;
- Aumento da estatura, caso o excesso de GH inicie antes do fechamento das cartilagens epifisárias (gigantismo).
Algumas das complicações relacionadas à acromegalia incluem irregularidades menstruais, hipogonadismo, diabetes melito, dislipidemia, hiperprolactinemia, hipopituitarismo, HAS, hipertrofia de câmaras cardíacas, insuficiência cardíaca, doença arterial coronariana, AVE, apneia obstrutiva do sono, hiperplasia prostática, pólipos colônicos e síndrome do túnel do carpo.
Diagnóstico
O diagnóstico da acromegalia inclui a avaliação de aspectos clínicos, laboratoriais e radiológicos. Frente à suspeita clínica de acromegalia, deve-se solicitar GH e IGF-1 basais. Os valores de GH acima de 1 ng/mℓ com IGF-1 acima do valor de referência para idade confirmam o diagnóstico, enquanto que valores de GH <0,4 ng/mℓ com IGF-1 normal para idade afastam o diagnóstico de acromegalia, sem necessitar de exames adicionais.
Se a possibilidade de acromegalia não for excluída pelos valores laboratoriais, o paciente deve ser submetido ao teste oral de tolerância à glicose (TOTG), uma vez que a produção de GH é suprimida pelo aumento dos níveis séricos de glicose. Assim, após uma carga de glicose de 75g, é feita a dosagem do nível sérico de GH a cada 30 minutos por duas horas. No paciente acromegálico, essa glicose é incapaz de reduzir os níveis séricos do hormônio para <1 ng/ml e pode ocorrer uma elevação paradoxal do hormônio. Portanto, o GH suprimido após TOTG exclui o diagnóstico de acromegalia e a não supressão o confirma.
Em seguida, deve-se solicitar uma ressonância magnética da sela túrcica para a investigação de adenoma hipofisário e, diante da suspeita dos raros casos de acromegalia por produção ectópica de GHRH, deve-se realizar a dosagem do GHRH (não disponível no Brasil) e exames de imagem toracoabdominais.
Tratamento
Estão disponíveis três modalidades terapêuticas:
Tratamento cirúrgico: único que apresenta chance de cura imediata, é considerado a terapia de primeira escolha na maioria dos casos de acromegalia. A cirurgia geralmente é realizada por via transesfenoidal (microscópica e/ou endoscópica), porém, raramente, pode ser necessária a abordagem transcraniana, principalmente em tumores de grandes dimensões com volumosa expansão suprasselar. A cirurgia está indicada nos microadenomas e nos macroadenomas com alta probabilidade de cura cirúrgica (intrasselares).
Tratamento medicamentoso: consiste na opção de terapia para pacientes com macroadenoma com expansão extrasselar, o qual apresenta baixas taxas de cura pela cirurgia, pacientes com risco cirúrgico elevado e/ou que recusam cirurgia e pacientes não curados pela cirurgia, como terapia adjuvante.
Há três classes disponíveis, sendo os análogos da somatostatina (SA) a primeira escolha para a maioria dos pacientes, os quais se ligam aos receptores SSTR2 dos somatotrofos, ativam a proteína G inibitória e, assim, reduzem adenosina monofosfato cíclico (cAMP) e a secreção de GH. Consequentemente, apresentam como efeito a normalização dos níveis de GH e IGF-1 e a redução da massa tumoral.
Dos agonistas dopaminérgicos disponíveis no Brasil, apenas a cabergolina (CAB) deve ser utilizada no tratamento da acromegalia, uma vez que apresenta melhores resultados que a bromocriptina, devido a sua capacidade de ligação com os receptores D2 ser maior e sua ação ser mais prolongada. Pode ser usada em associação aos SA, quando não há resposta terapêutica com dose máxima desta classe, e pode ser usada como opção inicial de tratamento para pacientes com tumores cossecretores de GH e prolactina. Não há dados conclusivos em relação ao seu efeito na massa tumoral.
Já o antagonista do receptor do GH (Pegvisomanto) atua perifericamente nos receptores de GH, não tendo ação no tumor. Logo, seu uso fica reservado para os casos de falência do tratamento cirúrgico e do tratamento com SA de primeira geração em monoterapia ou em associação com outras classes.
Radioterapia: eficaz no controle da doença, porém seu uso é restrito devido ao potencial de graves efeitos colaterais a médio e longo prazos e pela disponibilidade de outras opções terapêuticas mais seguras. Portanto, está reservada para os casos não controlados com o tratamento cirúrgico e medicamentoso.