Apresentação do caso clínico
Paciente do sexo masculino; 60 anos; branco; metalúrgico; natural, procedente e residente de Poços de Caldas, Minas Gerais; casado; católico; sem planos de saúde, procurou UBS (Unidade Básica de Saúde) apresentando há três meses quadro de disfagia; astenia e dispneia. Paciente relata que há dez dias apresentou disfonia, bem como piora da disfagia, astenia e dispneia. Alega emagrecimento de 15 kg nos últimos três meses. Aponta não haver fatores de melhora ou piora para a disfonia. Destaca alimentos sólidos, como fator de piora para a disfagia, sem fatores de melhora; repouso como fator de melhora para a astenia e atividades diárias, a exemplo de subir escadas, como fator de piora. Além disso, relata repouso como fator de melhora para dispneia e atividades, como caminhada por curto tempo, como fatores de piora. Nega uso de medicamentos. Nega doenças prévias e alergias. Refere ainda que trabalhou por 30 anos em indústria metalúrgica, e ser tabagista há 40 anos, com carga tabágica de 80 maços/ano. Relata que irmão teve câncer, o qual não sabe especificar.
Ao exame físico, o paciente encontrava-se em regular estado geral, fácies atípica, lúcido e orientado em tempo e espaço, acianótico, anictérico, hidratado, eupneico (frequência respiratória = 18 irm), normocárdico (frequência cardíaca = 80 bpm) e normotenso (120 x 80 mmHg), com alteração de linguagem, apresentando disfonia. A avaliação dos linfonodos demonstrou linfonodomegalia, palpável em linfonodos supraclaviculares. Aparelho respiratório com murmúrio vesicular diminuído, classificado como sibilo, com ruídos adventícios. Aparelho cardiovascular com bulhas rítmicas normofonéticas em 2 tempos, sem desdobramentos ou sopros. Abdome plano, ruídos hidroaéreos presentes, fígado e baço não palpáveis e indolor à palpação superficial e profunda.
O paciente foi orientado a realizar radiografia de tórax, solicitação feita com pedido de urgência. Retornou uma semana após com o resultado da radiografia, a qual pôde-se identificar um nódulo pulmonar espiculado com 3,0 cm de diâmetro em campo pulmonar superior esquerdo. Com base no exame físico e no resultado da radiografia foi feita suspeita de neoplasia pulmonar, de forma que o paciente foi encaminhado para o hospital da cidade, local em que foi realizada a tomografia computadorizada de tórax e abdome para direcionamento da biópsia e posterior completamento do estadiamento. A tomografia revelou uma imagem nodular espiculada, densa, em bronquio fonte esquerdo e com estriações em direção à pleura, sendo em seguida feita a broncoscopia para biópsia. O resultado da biópsia constatou o diagnóstico de neoplasia pulmonar, do tipo células não pequenas. Logo após, realizou-se cintilografia óssea e ressonância nuclear magnética do cérebro para o estadiamento da doença. Através dos resultados, os quais comprovaram metástase em linfonodos supraclaviculares, chegou-se ao diagnóstico de neoplasia pulmonar, do tipo células não pequenas, estádio III B. A partir disso, foi realizado pedido dos exames de desidrogenase láctica (DHL), hemoglobina (Hb), cálcio (Ca) e albumina (Alb) para avaliação do prognóstico. Os resultados apresentaram DHL=360 UI, Hb=10 g/dL, Ca=9 mg/dL e Alb=4 g/dL. Em seguida, iniciou-se o tratamento da quimioterapia com base em cisplatina administrada concomitantemente com radioterapia.
Questões para orientar a discussão
1. Quais manifestações clínicas, a exemplo do caso, nos levam a suspeitar do diagnóstico de neoplasia pulmonar?
2. Quais os exames físicos e complementares devem ser pedidos para confirmação do diagnóstico?
3. Quais seriam os outros diagnósticos diferenciais e secundários nesse caso clínico?
4. Quais os tratamentos possíveis para os diferentes estágios de neoplasia pulmonar?
5. Quais os fatores de risco aumentam a predisposição à neoplasia pulmonar?
Respostas
1. Os sinais e sintomas mais comuns e que devem ser investigados são:
- Hemoptise;
- Tosse, rouquidão (disfonia) persistentes;
- Dor torácica;
- Dispneia;
- Astenia e perda de peso sem causa aparente.
De acordo com o caso em questão, os sinais e sintomas que nos chamam a atenção para o diagnóstico são:
- Disfagia;
- Disfonia;
- Astenia (dificuldade para realizar ações diárias);
- Emagrecimento sem causa aparente (15 kg nos últimos três meses);
- Linfonodomegalia palpável nos linfonodos supraclaviculares (apontam para metástase em rede linfática);
- Sibilo (indica obstrução).
2. Exames físicos importantes:
- Busca por linfonodos palpáveis, no caso da neoplasia de pulmão, principalmente a cadeia linfonodal próxima, como os supraclaviculares;
- Ausculta pulmonar, busca por alterações que indiquem obstrução, como o sibilo.
Exames complementares preconizados:
- Radiografia de tórax (principalmente em pacientes assintomáticos possui grande valor);
- Tomografia axial computadorizada de tórax (casos em que o resultado da radiografia de tórax gera dúvida ou posteriormente para o estadiamento);
- Broncoscopia (possui grande utilidade devido a possibilidade de biópsia).
Vale ressaltar que o diagnóstico de certeza para o estadiamento é dado através da biópsia, por meio da análise citológica ou patológica, as quais podem ser feitas através de um dos seguintes exames:
- Citologia de escarro;
- Punção aspirativa por agulha fina;
- Broncoscopia, como já citado;
- Ultrassonografia endobrônquica (EBUS);
- Mediastinoscopia;
- Videotoracoscopia (VATS);
- Toracocentese;
- Toracotomia.
Dessa forma, após o resultado da biópsia, preconiza-se os exames para a complementação do estadiamento e avaliação de metástases, os quais incluem tomografia de tórax e abdome, cintilografia óssea e ressonância nuclear magnética (RNM) do cérebro. Enfatiza-se, que os exames de estadiamento (exceto RNM de cérebro) podem ser substituídos pela Tomografia Computadorizada por Emissão de Pósitrons (PET-TC) devido a possuir melhores sensibilidade e especificidade.
3. Alguns dos diagnósticos diferenciais e secundários, são:
- Diagnósticos diferenciais: Adenocarcinoma, Epidermoide, Câncer de Pulmão de Células Não Pequenas (CPCNP), Células Pequenas, Células Grandes, Mesotelioma (Neoplasia Pleural Maligna), Tumor Fibroso Solitário de Pleura (Neoplasia Pleural Benigna), Pneumoconioses.
- Diagnósticos secundários: Metástase, Síndrome Paraneoplásica, Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC), Derrame Pleural, Bronquiectasias.
4. Os tratamentos classificados por estágio, de maneira resumida, são:
- Estágio IA: Cirurgia;
- Estágio IB: Cirurgia ± quimioterapia adjuvante com base em platina;
- Estágio IIA, IIB: Cirurgia e quimioterapia adjuvante com base em platina;
- Estágio IIIA: Se for possível lobectomia, quimiorradioterapia neoadjuvante e cirurgia / Se não for possível lobectomia, quimiorradioterapia definitiva;
- Estágio IIIB: Quimiorradioterapia definitiva;
- Estágio IV: Terapia sistêmica.
5. Os fatores de riscos, os quais aumentam a probabilidade de neoplasia pulmonar, são:
- Uso de tabaco, sendo que o risco aumenta de acordo com a quantidade do consumo e a duração do tabagismo;
- Alimentação inadequada;
- Exposição ao fumo passivo, ao amianto, a certos metais, como cromo, cadmio, arsênico, alguns produtos químicos orgânicos e radiação;
- Exposições ocupacionais, a exemplo da fabricação de borracha, pavimentação, coberturas, pintura, varredura de chaminé, metalurgia e mineração;
- Poluição ambiental;
- Infecções pulmonares de repetição;
- Suplementação de altas doses de vitamina A;
- Doença pulmonar obstrutiva crônica (enfisema pulmonar e bronquite crônica);
- Fatores genéticos, que possam predispor à ação carcinogênica de compostos inorgânicos de asbesto e hidrocarbonetos policíclicos aromáticos;
- História familiar de câncer de pulmão também contribuem para o desenvolvimento desse tipo de câncer.
É importante ressaltar que, dentre os fatores de risco abordados, o tabagismo é o principal para o câncer de pulmão.