Definição e Epidemiologia
A Hepatite autoimune (HAI) é uma
doença inflamatória do fígado, de início e duração variável, frequentemente
associado a outras doenças autoimunes (doenças tireoidianas, artrite reumatoide)
se sua frequência varia de acordo com a casuística
Apesar da preferência por mulheres jovens (HAI tipo 1 – forma mais comum da
doença) ou crianças (HAI tipo 2), a hepatite autoimune pode aparecer em
qualquer sexo e faixa etária. Trata-se de uma doença incomum, com incidência de
8,5 casos por milhão de pessoas, e prevalência de 107 casos por milhão.
Fisiopatologia
Os fatores desencadeantes são
desconhecidos, porém deduz-se que seja decorrente da interação entre agente
desencadeador externo (drogas, toxinas) e predisposição genética. É marcada
pela presença de elementos clínicos, biológicos, químicos, sorológicos e
histológicos que sugerem reação imunológica contra antígenos do hospedeiro,
acarretando danos celulares irreversíveis. Já foi documentado que infecções agudas
e autolimitadas por vírus hepatotrópicos e outras substâncias como infliximab podem
servir de “gatilho” para o surgimento de uma resposta autoimune direcionada
contra os hepatócitos.
Histologicamente, pode-se observar um padrão de “Hepatite de interface” onde o
infiltrado inflamatório concentrado no espaço porta formando uma “linha de
frente” com o lóbulo hepático. Os hepatócitos mais periféricos vão sendo
progressivamente destruídos na medida em que o processo avança na direção
centrolobular. A biópsia hepática mostra alterações que são típicas de todos os
tipos de hepatite crônica, exceto pelo exuberante infiltrado de células
plasmáticas e pela presença de hepatócitos em rosetas.
Quadro clínico
Hepatite autoimune tipo 1
- Mais comum
- Fator Antinucleo (FAN), antimúsculo liso (SMA) – principal marcador – com títulos ≥1:80, antiactina e de anticorpos antirreceptores de asialoglicoproteína.
- A apresentação típica da doença, é de um paciente com início insidioso de letargia e astenia, além de náuseas, anorexia, perda de peso, dor ou desconforto abdominais, artralgia e mialgia além de episódio prévio de icterícia ou estão ictéricos
- O exame físico possui achados sugestivos de hepatopatia crônica ou mesmo cirrose, como esplenomegalia, ascite, eritrema palmar, aranhas vasculares, edema periférico e encefalopatia.
- Em 30% a 40% dos pacientes, a doença pode se apresentar de forma aguda, mimetizando uma hepatite viral ou toxico-medicamentosa.
- Formas assintomáticas são pouco presentes, com o aumento de aminotransferases no exame de rotina.
- A forma fulminante também é pouco frequente
- Em mulheres, são comuns ainda as queixas de amenorreia (que pode ser a primeira manifestação clínica da doença), hirsutismo e acne.
- Acompanhada por hipergamaglobulinemia e
manifestações extra-hepáticas de autoimunidade.
Hepatite autoimune tipo 2
- Elevações similares de anticorpo antimicrossoma de fígado-rim tipo 1 (ALKM-1) e anticorpo anticitosol hepático tipo 1 (anti-LC1).
- Usualmente sem FSA ou antimúsculo liso.
- Pacientes com HAI-2 são mais jovens ao diagnóstico, apresentam maiores níveis de aminotransferases e bilirrubinas, menores níveis de gamaglobulinas quando comparados àqueles com HAI-1.
- O quadro clínico do tipo 2 é mais grave, com maior frequência de hepatite fulminante e progressão mais rápida para cirrose hepática.
- Pode vir associada a diabetes, vitiligo, Tireoidite autoimune
- Comum ocorrer casos de hepatite fulminante ou com aparecimento agudo de sintomas.
Diagnóstico
O diagnóstico da HAI é feito pela soma de informações clínicas, bioquímicas, histológicas e de resposta ao tratamento. Devem ser afastadas causas virais, tóxicas e metabólicas antes que se possa firmar o diagnóstico.
Laboratorial:
- aumento expressivo nas concentrações séricas de gamaglobulinas
- grau de elevação das aminotransferases/transaminases (AST/TGO e ALT/TGP) superior ao grau de elevação da fosfatase alcalina
- presença de FAN, AML ou anti-LKM1 positivos,
- ausência de antimitocôndria
- histologia com hepatite de interface sem lesões biliares, granulomas ou alterações proeminentes sugestivas de outra doença.
Clínico:
- Para uniformizar e melhor definir o diagnóstico da doença, o IGAIH estabeleceu um sistema de escore diagnóstico que permitiu caracterizar a HAI como provável ou definitiva.
- O paciente apresenta diagnóstico definitivo quando pontua mais do que 15 no período pré-tratamento e mais do que 17 após avaliação da resposta ao tratamento
- Esse escore apresenta sensibilidade de 97-100% e especificidade de 60%.
Histológico:
- Recomendado a realização de biópsia.
- hepatite de interface com presença de infiltrado linfoplasmocitário – com predomínio de plasmócitos – que agride a placa limitante e invade o parênquima hepático
- presença de rosetas hepatocitárias.
- Casos mais graves, com falência hepática, apresentam maior grau de hepatite de interface, desarranjo lobular, necrose epatocitária, necrose submaciça e menos fibrose que os casos de evolução arrastada.
- O achado de fibrose é quase universal.
Tabela 1: Escore revisado para o diagnóstico de hepatite autoimune (ERDHAI). Retirado do http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/sas/2010/cop0001_15_01_2010.html em 10/12/2019, às 21:54.
Tratamento
As indicações absolutas para o tratamento são:
- Sintomas de Hepatite Crônica
- Aumento das aminotransferarses maior ou igual a 10 vezes o LSN
- Aumento das aminotransferases maior ou igual 5 vezes o valor de LSN associado a gamaglobulinas maior ou igual 2 vezes o valor de LSN.
- Achados histopatológicos severos como necrose em ponte e necrose multiloblar
A tendência atual é tratar a maioria dos pacientes, pesando-se os riscos e os benefícios advindos da imunossupressão em longo prazo. O tratamento deve ser questionado nos casos de cirrose hepática descompensada sem atividade inflamatória importante e em pacientes em lista de transplante.
Portadores de HAI assintomática podem ser apenas monitorados sem necessidade de dar inicio imediato ao tratamento
O tratamento convencional consiste na administração de Prednisona associada a Azatioprina.