Ginecologia

Resumo: Hiperêmese Gravídica | Ligas

Resumo: Hiperêmese Gravídica | Ligas

Compartilhar
Imagem de perfil de Comunidade Sanar

Definição e Epidemiologia

O conceito de vômitos durante a gestação é caracterizado como a expulsão do conteúdo gástrico pela boca, causada por contração forte e sustentada da musculatura da parede torácica e abdominal. A náusea é definida como sendo a sensação desagradável da necessidade de vomitar, habitualmente acompanhada de sintomas autonômicos como sudorese fria, sialorreia, hipotonia gástrica e refluxo do conteúdo intestinal para o estômago.

Esses sintomas têm início entre 5 e 6 semanas de gestação, com picos em torno de 9 semanas e usualmente declinam por volta de 16 a 18 semanas. No entanto, em 15 a 20% das gestantes os sintomas podem persistir até o terceiro trimestre e em 5% até o parto.

A prevalência de náuseas e de vômitos na gestação é calculada em torno de 85%, sendo que em 25% dos casos observa-se exclusivamente o quadro de náusea matinal (morning sickness), e, no restante das gestantes, diversos graus de êmese associado à náusea. O período de incidência entre 5 e 9 semanas ocorre em mais de 90% das gestações, reduzindo progressivamente e tornando-se ocasional além de 20 semanas.

Etiologia

A sintomatologia é multifatorial, entretanto, sua etiologia ainda é incerta. A hipótese de que fatores endócrinos seriam a causa primaria da hiperêmese gravídica é frequentemente citada.

Como ela é mais prevalente nas primeiras semanas de gravidez, período no qual a placenta e o corpo lúteo produzem hormônios como a progesterona e a gonadotrofina coriônica humana (hCC), estes são normalmente associados à sua gênese.

Gonadotrofina Coriônica Humana

A fisiopatologia por meio da qual a hCG causaria a hiperêmese ainda é desconhecida. Segundo um mecanismo proposto, esse hormônio promoveria a estimulação da secreção das glândulas do sistema digestório superior ou ainda a estimulação da função tireoidiana, por possuir estrutura molecular semelhante à do hormônio estimulante da tireoide (TSH).

Considerar que a gonodotrofina coriônica (GC) seja a responsável etiológica pelo aparecimento da hiperêmese gravídica, tem sua base lógica na relação temporal entre a concentração máxima de produção da GC e o pico de ocorrência das êmeses, os quais ocorrem em média entre a 7ª a 10ª semana.

Progesterona e Estrogênio

Como a atividade hormonal do corpo lúteo está aumentada no primeiro trimestre da gestação, quando a hiperêmese é mais comum, diversos pesquisadores procuraram uma associação entre esse quadro e os níveis de progesterona.

A progesterona e o estrogênio reduzem o tônus da musculatura lisa e a atividade peristáltica de todo o trato gastrointestinal. A distensão intestinal, que ocorre em resposta a estas adaptações funcionais do organismo materno à gravidez, ativa alguns mecanismos biomoleculares que são envolvidos na geração dos estímulos eméticos. O aumento da concentração de estrogênios e da progesterona reúne atributos para ser elencado como um dos fatores que se relacionam à gênese das êmeses, mas que, isoladamente, não consegue explicar todos os casos desta doença.

Em gestantes com níveis iatrogenicamente elevados de progesterona, não há um aumento da incidência da doença, o que sugere que os níveis de progesterona (endógenos e exógenos) por si só não causam a hiperêmese.

Hormônio Estimulante da Tireoide (TSH)

A glândula tireoide é fisiologicamente estimulada no início da gestação. Em alguns casos, os níveis dos hormônios tireoidianos desviam de sua normalidade, provocando um estado conhecido como hipertireoidismo gestacional transitório, que se apresenta em aproximadamente 60% das pacientes com hiperêmese gravídica.

Vários mecanismos podem envolver a estimulação da função tireoidiana durante a gestação. Em decorrência da influência dos estrógenos, a produção de globulinas transportadoras de T4 está aumentada e o metabolismo desse hormônio diminuído causando uma diminuição transitória dos níveis séricos de T4 livre. Do ponto de vista renal, o alto clearance de iodo provoca a estimulação da tireoide para compensar a relativa deficiência de iodo. Por fim, em virtude da semelhança estrutural com o TSH, a elevação dos níveis séricos de hCG pode causar uma estimulação excessiva da glândula tireoide.

Infecção por Helicobacter pilory

Um aumento da incidência de infecção por Helicobacter pylori é observado nas pacientes com hiperêmese.

A relação entre a hiperêmese gravídica e a infecção por H. pylori é ainda sustentada pela observação de cinco casos de pacientes com a doença que não respondiam ao tratamento convencional, mas tiveram completo alívio dos sintomas com a terapia usada para o tratamento dessa infecção.

Essa associação pode ser uma possível explicação para a variação observada na incidência de hiperêmese em diferentes grupos étnicos, contudo, essa hipótese é suscetível a fatores de confusão como o baixo nível socioeconômico implicado em ambas.

Causas Psicológicas

Historicamente, imaginava-se que os vômitos das gestantes eram o reflexo de vários conflitos psicológicos. As náuseas seriam o resultado do ressentimento contra a gestação ou a ambivalência da mulher despreparada para a maternidade em decorrência da imaturidade da personalidade, de uma forte dependência materna e da ansiedade e da tensão relacionadas à gravidez.

A hiperêmese pode ser descrita como uma conversão de sintomas ou um sintoma de histeria, neurose ou de pressão e poderia ser o resultado de estresse psicológico, pobreza e conflitos conjugais.

Quadro Clínico

O quadro clínico é caracterizado por vômitos incoercíveis que podem levar a alterações do equilíbrio acidobásico e hidroeletrolítico, desidratação e perda de peso. Em alguns casos, ocorrem alterações hepáticas, renais, cerebrais e hemorragia retiniana. Caso esses distúrbios não sejam corrigidos, a paciente pode evoluir para desnutrição e deficiência de vitaminas.

Em fases mais avançadas, sintomas de psicose tornam-se presentes, aparecendo alucinações e síndrome de Korsakoff, uma doença crônica neuropsiquiátrica caracterizada por alterações do comportamento associadas a perda de memória (amnésia retrógrada) e do aprendizado (amnésia anterógrada). A síndrome de Wernicke caracterizada pela tríade confusão mental, alterações oculares e ataxia, pode se instalar em quadros graves de hiperêmese. Se não for instituída a terapêutica adequada, o quadro pode evoluir para coma e óbito.

Diagnóstico

O diagnóstico da hiperêmese gravídica é clínico, porém sem critério uniforme e geralmente de exclusão.

Não existe nenhum exame laboratorial específico para hiperêmese. Muitos deles, no entanto, são úteis para o diagnóstico diferencial e servem para avaliar a gravidade do caso e estabelecer o prognóstico. Dentre os exames complementares. devem ser destacados hemograma; urina tipo I; sódio, potássio, sorologias para não vacinadas, ureia e creatinina plasmáticos; glicemia; amilase ou lipase; TSH e T4 livre; gasometria arterial; enzimas hepáticas e bilirrubinas; ultrassonografia abdominal; e, eventualmente esofagogastroduodenoscopia.

Classificação

Entre os vários escores propostos na literatura, sobressaem o Pregnancy Unique Quantification of Emesis (PUQE), inicialmente, idealizado por Koren et al. (2002) e o Quality of Life (QOL), a princípio, utilizado para esta finalidade por Magee et al. (2002).

O Escore PUQE foi preliminarmente idealizado para que o tempo de avaliação fosse de 12 horas, mas também apresentou excelente performance com avaliações de 6 horas e 24 horas. Ele funciona como uma Escala Likert com 5 opções, respondendo a 3 perguntas básicas referentes às NVG (Náuseas e vômitos na grávida), de acordo com o tempo de corte escolhido (6, 12 e 24 horas), conforme quadro 1. A utilização do tempo mais curto de 6 horas é melhor quando o escore é utilizado para avaliar o efeito terapêutico de alguma intervenção. Quando é para diagnóstico da intensidade das êmeses, o tempo mais prolongado de 24 horas de avaliação tem sido mais utilizado, diante dos bons resultados citados na literatura e um tempo maior de avaliação no momento do diagnóstico (Quadro 1).

Tratamento

• Internação hospitalar obrigatória.

• Jejum por 24-48 horas.

A HG apresenta uma evolução nítida de comprometimento materno, como se segue:

• Fase de desidratação: Náusea e ptialismo intensos, vômitos fortes levando a um quadro de desidratação. A paciente apresenta-se com diminuição do turgor e da elasticidade da pele, olhos encovados, mucosas secas e pegajosas, língua áspera, taquicardia, hipotensão e hipotermia. Distúrbios hidroeletrolíticos podem estar presentes (dosagem de sódio alta, cloro e potássio um pouco diminuídos). O hematócrito encontra-se um pouco aumentado.

• Fase metabólica: Ao quadro clínico anterior, somam-se distúrbios nutricionais (perda de peso maior que 5%); alterações da função hepática com elevação de enzimas e bilirrubinas (icterícia discreta); cetoacidose e cetonúria 2 ou 3 +; hipoalbuminemia; hiponatremia; e hipopotassemia. Hipoglicemia já ocorre nessa fase. Pode ocorrer hipotermia e torpor.

• Fase neurológica: Os achados anteriores somados a um quadro de comprometimento oftálmico com lesões retinianas e alterações neurológicas iniciais com hiporreflexia e dor à palpação das panturrilhas e coxas. Esse quadro é muito importante, pois antecede o acometimento encefálico, que é irreversível, em uma semana. Esse intervalo é chamado de “Interstício crítico de Briquet” e a interrupção da gravidez deve ser feita imediatamente. 

• Fase da psicose de Wernicke-Korsakoff: Trata-se de uma encefalopatia amoniacal, caracterizada por instabilidade hemodinâmica de difícil controle, alucinações e coma. Este quadro é irreversível na maioria das vezes.

• O tratamento da HG deve ser multidisciplinar e em ambiente hospitalar. Uma abordagem aconselhável é a que apresentamos a seguir:

Cuidados Gerais:

-Internação: Torna-se necessária tanto para o tratamento como para retirar a paciente do ambiente de estresse.

• Controle de peso e de diurese diário;

• Correção de distúrbios hidroeletrolíticos;

• Evitar suplementação de derivados de Ferro, pois aumentam os sintomas;

• Apoio psicológico, em especial da família, e, se necessário, recorrer à psicoterapia.

Alimentação:

• Jejum por 24 a 48 horas ou até a estabilização do quadro, retornando progressivamente à dieta líquida e, em seguida, alimentos sólidos.

• Alimentação parenteral pode ser necessária em casos mais graves e resistentes ao tratamento. Deverá ser mantida enquanto persistirem os sintomas.

• Hidratação venosa e reposição iônica: a hidratação parenteral deve ser iniciada de imediato, logo em seguida à obtenção de acesso venoso. Após avaliar o grau de desidratação e desnutrição, as perdas eméticas e o volume urinário, deve-se então programar a reposição subsequente. A reposição é feita com solução isotônica: Ringer lactato ou Solução Salina. O ideal é a reposição de 2.000 a 4.000 ml em 24 horas, não devendo exceder 6.000 ml/24 horas. A reposição endovenosa de tiamina, 100 mg em 100 ml de solução salina, administrada em 30 minutos, pode prevenir essa grave complicação. Nos casos de hidratação venosa prolongada, repor as vitaminas B6, C, K e a Tiamina. A reposição de Potássio está indicada nos casos de hipopotassemia, isto é, valores abaixo de 3,5 mEq/l, o que raramente é necessário.

Medicamentos: Recomenda-se a dose de 8,0 mg de ondansetrona por via venosa a cada 6 horas. O antiemético de segunda escolha neste quadro será a metoclopramida na dose de 10 mg venoso a cada 6 horas. Em situações emergenciais com baixa resposta às medidas até aqui sugeridas, recorre-se aos corticosteroides

Abordagem Farmacológica

Terapia com antieméticos: Em razão da elevada prevalência do quadro de êmese, é compreensível que mais de 30% de todas as gestações tenham em algum momento sido exposta ao uso deste grupo farmacológico. No quadro 2 estão apresentados de forma resumida os principais antieméticos utilizados.

Abordagem não farmacológica

Neste grupo de procedimentos são incluídas todas as medidas que não utilizam fármacos para controle da êmese. Sendo constituído por: apoio psicoemocional, medidas alimentares, mudanças nutricionais e terapias não convencionais ou complementares (aromaterapia, acupuntura e exercícios de baixo impacto).