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A sarcoidose é uma doença inflamatória multissistêmica, cuja característica principal é a presença de granulomas não caseosos nos tecidos acometidos. Sua etiologia permanece desconhecida, no entanto, sabe-se que sua patogênese envolve fatores genéticos, ambientais, imunológicos, além de gatilhos infecciosos.
Os granulomas característicos da sarcoidose são epitelioides e não caseosos, formados por macrófagos, células epitelioides, células mononucleares e linfócitos TCD4 e TCD8 na periferia do granuloma.
EPIDEMIOLOGIA
A sarcoidose sistêmica apresenta uma incidência maior nos países desenvolvidos, sendo a Suécia o país com a maior incidência mundial, com uma taxa de 64 a cada 100 mil habitantes. Estima-se que a incidência de sarcoidose sistêmica no Brasil seja de 10 a cada 100 mil pessoas.
A doença tem predileção por jovens de 25 a 40 anos, sendo rara na infância. Além disso, há uma prevalência maior em negros, cuja evolução costuma ser mais aguda e grave, sendo mais frequente o aparecimento de doença extratorácica.
APRESENTAÇÃO CLÍNICA
Por ser uma doença multissistêmica, a sarcoidose possui diversas apresentações clínicas. Cerca de 90% dos pacientes terão acometimento pulmonar, no entanto, todos os órgãos podem estar envolvidos e gerar manifestações da doença, como pele, olhos, fígado, articulações, rins e sistema nervoso.
ENVOLVIMENTO OCULAR
O envolvimento ocular está presente em 20-30% dos pacientes com sarcoidose, sendo o segundo órgão mais acometido na sarcoidose extrapulmonar. A sua prevalência é maior em negros do que em brancos e em mulheres do que em homens, numa proporção em torno de 2:1. A doença ocular pode ser a primeira manifestação da sarcoidose em alguns pacientes ou aparecer depois de anos de doença. As apresentações mais comuns são uveíte, olho seco e nódulos conjuntivais.
A uveíte é caracteristicamente bilateral e pode ser subdividida a partir do local da inflamação intraocular em anterior, intermediária e posterior. A uveíte anterior é mais comum em indivíduos brancos e manifesta-se por perda visual, dor ocular e vermelhidão. As uveítes intermediárias e posteriores têm uma prevalência maior em negros e se apresentam com perda visual indolor e flutuante.

Fig. 1B. A uveíte anterior (vermelho) é caracterizada pelo acometimento da câmara anterior (irite, iridociclite e ciclite anterior. A uveíte intermediária (azul) acomete o corpo vítreo (pars planite, ciclite posterior e hialite). A uveíte posterior (verde) possui envolvimento da coroide e da retina (coriorretinite, coroidite, retinite e neurorretinite). A panuveíte é uma inflamação de toda a úvea.
Disponível em: https://areaoftalmologica.com/pt/termos-de-oftalmologia/%C3%BAvea/
O desfecho visual não é muito favorável, visto que cerca de 10% dos pacientes podem cursar com perda visual unilateral durante o seguimento da doença. Esse dano geralmente é devido ao glaucoma e à maculopatia crônica relacionados à inflamação crônica. Os grupos com maior risco de perda visual são os de negros e mulheres. Além disso, cerca de 20% dos pacientes apresentarão outras sequelas, tais como o aparecimento de vitrite, coriorretinite, periflebites e granuloma de nervo óptico.
Quando as glândulas parótidas estão envolvidas, a doença recebe o nome de febre uveoparotídea ou doença de Heerfordt. Quando há envolvimento das glândulas lacrimais, a doença é chamada síndrome de Mikulicz.
DIAGNÓSTICO
O diagnóstico pode ser sustentado por radiografias de tórax, especialmente quando há presença de adenopatia hilar, ou por elevação de enzima sérica conversora de angiotensina, lisozima ou níveis de cálcio.
O padrão ouro para o diagnóstico da sarcoidose é a biópsia do tecido com a presença dos granulomas não caseosos. A biópsia geralmente é obtida do pulmão ou da pele, mas também pode ser realizada na conjuntiva ou nas glândulas lacrimais quando está bem evidente o acometimento ocular.
O diagnóstico diferencial inclui doenças infecciosas e sistêmicas como sífilis, tuberculose, esclerose múltipla, retinite por citomegalovírus (CMV), linfoma intraocular e toxoplasmose.
Como é uma doença com potencial de sequelas, recomenda-se o screening oftalmológico de todos os pacientes diagnosticados com sarcoidose, mesmo na ausência de sintomas oculares.
TRATAMENTO
O tratamento da sarcoidose ocular inclui o uso de corticoesteroides tópicos, além de colírios midriáticos para prevenção de espasmo ciliar e diminuição da dor. A corticoterapia sistêmica pode ser utilizada se a terapia tópica não for eficaz na remissão da doença. Em caso de falha terapêutica com a corticoterapia, o próximo passo seria o uso de drogas modificadoras da doença (DMARDs), como o Metotrexato, a Leflunomida e a Azatioprina.
CONCLUSÃO
A sarcoidose é uma doença inflamatória crônica incidente no nosso meio, com acometimento multissistêmico e etiologia ainda desconhecida. Conhecer a epidemiologia e suas diversas apresentações clínicas nos auxilia a levantar suspeição quanto à possibilidade do diagnóstico.
É uma doença que ainda passa despercebida pelo generalista por não ser de fácil reconhecimento. No entanto, deve estar no meio dos nossos diagnósticos diferenciais quando lidamos com doenças sistêmicas, para o caso de haver a necessidade de encaminhar ao especialista a depender do sistema acometido, como, por exemplo, ao oftalmologista, quando houver envolvimento ocular.
A evolução da sarcoidose é frequentemente autolimitada com duração média de 12 a 36 meses em metade dos casos e menos de cinco anos em muitos outros casos. A minoria dos pacientes experimentará doença mais prolongada, algumas vezes por muitas décadas. Embora tenha um bom prognóstico na maioria dos casos, alguns pacientes podem evoluir com formas graves, como é o caso de mulheres e negros.
Além disso, é importante lembrar que o envolvimento ocular é frequente e deve ser pesquisado nos pacientes com diagnóstico firmado para prevenir a perda da acuidade visual e outras sequelas irreversíveis.
Autor: Pedro Henrique Lauar
Instagram: @phlauar
O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.
Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.
REFERÊNCIAS
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