Índice
1. O paciente neurológico
Sempre que nos deparamos com um paciente neurológico na rotina diária de hospital e ambulatório, já nos preparamos para um possível caso complexo, que exige uma atenção e um cuidado especial. Isso ocorre porque grande parte das patologias que acometem o sistema nervoso são graves e causam, se não o óbito, inúmeras sequelas para os indivíduos que as possuem. Além disso, devido à diversidade de sinais que esses pacientes apresentam e considerando a vasta gama de doenças nervosas, é muito importante que seja feita uma avaliação minuciosa desse paciente.
Atualmente, por mais que a medicina seja marcada pela tecnologia de ponta com exames altamente sensíveis e específicos, nos casos de doenças neurológicas, a anamnese e o exame físico acurados são a chave para o diagnóstico bem conduzido. No entanto, mesmo que essa avaliação pareça simples, já que demanda poucos recursos tecnológicos, a complexidade desses quadros exige um exame físico longo com vários itens a serem avaliados, como marcha, equilíbrio, força e tônus muscular, integridade dos nervos cranianos, coordenação, sensibilidade e reflexos.
2. Reflexos
Por definição, os reflexos são respostas automáticas do organismo a alguns estímulos sensoriais. Quem não conhece a história do médico que bate um martelo no joelho de seu paciente fazendo sua perna dar um “chute” sozinha, sem a vontade do examinado. Isso acontece devido ao arco reflexo, que ocorre quando o estímulo externo, no caso, a martelada, sensibiliza fibras aferentes que levarão essa informação até a medula nervosa, onde haverá uma conexão com outra fibra, a motora, que enviará o estímulo até a musculatura da coxa, fazendo-a contrair, efetuando o movimento de chute. Como essa informação não passa pelo cérebro, ela é automática e independente da nossa vontade. Esse mecanismo é semelhante para os inúmeros reflexos existentes no nosso corpo, podendo ser tendinosos, tal como o do “chute” da perna, de retirada e superficiais.
2.1 Reflexos tendinosos
Esses reflexos são aqueles em que os receptores ao estímulo dado estão nos tendões dos músculos. Para a obtenção deles, usa-se a percussão com o martelo de reflexos. Os principais testados na prática clínica são o patelar, aquileu, bicipital, tricipital, supinador e flexor dos dedos.
2.2 Reflexos de retirada ou de defesa
Ocorrem quando há uma retirada rápida do membro frente a um estímulo doloroso. Um exemplo tradicional é quando encostamos nossa mão em algo muito quente, como uma panela, e rapidamente nossa resposta automática é de removê-la do contato com esse material.
2.3 Reflexos exteroceptivos ou superficiais
Nesse caso, são todos aqueles obtidos após estímulo na pele em regiões específicas. Os principais são: o cremastérico, em que o médico passa um estilete rombo na superfície interna da coxa de pacientes homens, fazendo com que haja uma elevação do testículo ipsilateral; os cutâneos-abdominais, em que o estímulo se dá na superfície abdominal, observando-se como resposta uma contração da musculatura do abdome; e o cutâneo-plantar. Este último é realizado na sola do pé, esperando-se que haja uma flexão dos dedos do membro estimulado, sendo ele o grande foco desse texto, já que existe uma alteração bem descrita e conhecida bastante importante na avaliação do paciente neurológico, que é o sinal de Babinski.
2.3.1 Reflexo cutâneo-plantar
A manobra para obtenção desse reflexo é realizada objetivando testar a integridade do conjunto nervoso dos nervos plantar/tibial/ciático. Para realizá-la, o examinador segura o tornozelo do paciente deitado ao leito e, usando um material firme e comprido – pode ser um estilete rombo ou uma caneta, só é preciso cuidado para não machucar o paciente –, passa-o na região lateral da planta do pé em direção a base do primeiro dedo. A resposta normal esperada é que haja uma flexão dos dedos. Quando não se observa resposta, diz-se que o reflexo está abolido, sendo caracterizado como indiferente, o que nem sempre indica alguma patologia. Já quando ele está presente, porém com a resposta inversa à normalidade, em que ao invés da flexão, o grande hálux sofre uma extensão que geralmente é acompanhada pela abertura em “leque” dos demais dedos, temos o sinal de Babinski.
Além disso, deve-se ressaltar que, assim como outros itens testados no exame neurológico, a avaliação desse reflexo deve ser bilateral, de forma a sempre comparar os dois lados observados. Dessa forma, a constatação de Babinski em apenas um membro já é suficiente para levantar a hipótese de lesão piramidal.

3. Sinal de Babinski
Se no ambulatório de neurologia, ao realizar o exame físico neurológico completo, você constatar que seu paciente apresenta o sinal de Babinski, esse é um forte indicativo de que ele apresenta uma lesão na via piramidal, aquela principal responsável pela motricidade voluntária. Dessa forma, qualquer tipo de injúria que se apresente no trato corticospinal, em termos cerebrais ou medulares, pode levar o paciente a apresentar essa condição. As causas mais comuns para esse tipo de injúria são acidentes vasculares encefálicos isquêmicos (AVEi) ou hemorrágicos (AVEh), esclerose múltipla, tumores cerebrais e da medula, mielite transversa e traumas que acarretam a síndrome de Brow-Séquard. Outras causas, como epilepsia, deficiência de vitamina B12, encefalopatia hepática e infecções como a meningite, também podem lesar essa via fazendo com que o paciente apresente o sinal de Babinski, embora essas causas sejam menos comuns.
No entanto, algumas vezes nos deparamos com um paciente com história de trauma grave, como queda de grandes alturas, altamente sugestivo de lesão medular e de via piramidal, porém com o sinal de Babinski não observado, ou sendo inconclusivo. Nessa situação, o que fazer? Podemos utilizar, para esses casos, outras manobras que podem auxiliar na confirmação desse tipo de lesão, que são os chamados reflexos sucedâneos de Babinski. Eles apresentam o mesmo princípio, mudando apenas a técnica de obtenção, de tal forma que a mesma extensão do hálux pode ocorrer mediante lesão piramidal. A literatura descreve inúmeras dessas manobras, mas as principais são:
- Sinal de Chaddock: aqui, o estímulo se dá na face lateral do dorso do pé. O examinador passa o estilete rombo ou sua caneta do maléolo lateral até o quinto dedo;
- Sinal de Gordon: nesse caso, o médico comprime a musculatura da panturrilha;
- Sinal de Oppenheim: oexaminador faz uma compressão com o polegar e com o indicador sobre a face medial da tíbia, descendo a mão da região infrapatelar até o tornozelo.
Logo, percebe-se que um bom conhecimento de semiologia pautado em anamnese e exame físico bem feitos é fundamental para a prática médica de qualidade. Ao colher bem a história clínica, começamos a ter em mente uma ideia do que se passa com o nosso paciente, o que pode ainda ser reforçado com exame físico, já que inúmeras patologias causam alterações bem características em diversos aspectos morfofisiológicos do ser humano.

Autor: Lucas Diniz Peixoto de Melo
Instagram: @dinizpmelo