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Suspensório de Pavlik: uma órtese de uso pediátrico | Colunistas

Suspensório de Pavlik: uma órtese de uso pediátrico | Colunistas

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Imagem de perfil de Comunidade Sanar

De antemão, o Suspensório de Pavlik é a órtese com uso disseminado para o tratamento da Displasia do Desenvolvimento do Quadril, visando a estabilização da cabeça femoral no acetábulo.  Sendo assim uma alternativa à realização de uma cirurgia dessa condição que afeta em grande parte os recém-nascidos. Porém, antes de iniciarmos a temática em si, vamos realizar uma revisão sobre a Displasia do Desenvolvimento do Quadril?

Revisando a anatomia do cíngulo do membro inferior

Anatomia Regional da Pelve

O cíngulo do membro inferior, também conhecido como pelve óssea, é um arco formado pelo sacro, o qual é um osso da base da coluna vertebral, e pelos ossos do quadril direito e esquerdo, denominados ílio, ísquio e púbis, sendo as duas estruturas ósseas interligados na parte anterior pela sínfise púbica. O objetivo principal dessa estrutura é fixar o membro inferior livre, que seriam as coxas, as pernas e os pés, ao esqueleto axial.

Figura 1. Cíngulo do Membro Inferior
Fonte: Moore, 2017.
Figura 2. Ílio, ísquio e púbis
Fonte: Grays, 2013.

Ademais, tal instrumento apresenta outras funções, como o transferimento do peso corporal ofertado pela coluna vertebral, o qual é transpassado ao cíngulo do membro inferior através das articulações sacrilíacas, e do cíngulo é repassado aos fêmures por meio das articulações do quadril, formada pela conexão entre a cabeça do fêmur, a qual tem um formato esférico, e o acetábulo, que remete a uma cavidade hemisférica na face lateral do osso do quadril.

Diferenças na estrutura da pelve ao longo do crescimento

Porém, há algumas diferenças presentes na conformação do osso pélvico, que perpassam o nascimento, a adolescência e até a vida adulta. Com isso, é importante lembrar que ao nascermos, o ílio, o ísquio e o púbis não estão fundidos, ou seja, não tem sua ossificação completa, contendo uma união apenas por uma banda de cartilagem hialina, tendo sua distinção de maneira clara. Enquanto isso, na adolescência os três ossos possuem uma união por meio de uma cartilagem em forma de Y, denominada de trirradiada, a qual é central ao acetábulo. Por fim, em adultos, a fusão completa ocorre entre os 20 e 25 anos.

Entretanto, quando você se referir ao fêmur e acetábulo, a situação é um pouco oposta. Em um quadril normal ao nascimento, lembrar que aquele está totalmente encaixado ao acetábulo, devido a uma espécie de tensão superficial provocada pelo líquido sinovial presente na cavidade.

Figura 3. Articulação entre pelve e coxa.
 Fonte: Moore, 2017.

Breve revisão da Displasia do Desenvolvimento do Quadril

A Displasia do desenvolvimento do quadril é uma entidade patológica de causa multifatorial, visto que não se tem um fator concreto do que a desencadeia. No entanto, alguns fatores como posição intrauterina, raça e história familiar positiva podem influenciar no surgimento da mesma.

Conforme já relembramos, o quadril de um recém-nascido apresenta-se estável, ou seja, com o labrum acetabular – estrutura fibrocartilaginosa de revestimento do acetábulo – e cápsula de aspectos anatômicos normais. E isso é explicado devido a forma côncava desse acetábulo ter seu desenvolvimento pela influência da esferocidade da cabeça femoral ali presente. Porém, na DDQ, não há essa adaptação de maneira correta, devido à assimetria entre cavidade acetabular e o fêmur, desaparecendo o firme encaixe, evidenciando uma subluxação, ou seja, a cabeça femoral encontra-se deslocada de sua posição anatômica, mas ainda tem um certo contato com o acetábulo e sua cavidade. Ademais, pode haver uma luxação, em que se tem a perda completa de contato entre aquelas duas estruturas.

Figura 4. Quadril estável: Lábrum acetabular e cápsulas normais
Fonte: Zósimo, Mello,2014.
Figura 5. Quadril instável: Quadril luxado – labrum invertido e cabeça femoral completamente deslocada.
Fonte: Zósimo, Mello,2014

O que é o Suspensório de Pavlik?

O suspensório de Pavlik é utilizado em recém-nascidos e bebês com até 6 meses de vida, que possuam diagnóstico de algum tipo de displasia residual, subluxação ou até mesmo a luxação completa desse quadril instável. Tendo como objetivo principal de manter a cabeça do fêmur centrada no acetábulo, e isso é oportunizado através da chamada zona de segurança ou arco livre de abdução, em que se posiciona o quadril em flexão, cerca de 100°, e abdução, em torno de 45. Com isso, possibilita uma redução de forma dinâmica ao manter a articulação coxofemoral estável, e impossibilita a extensão e adução do quadril, o que poderia desencadear uma nova luxação.

Figura 6. Suspensório de Pavlik
Fonte: Motta, Barros, 2017

Como usar o Suspensório de Pavlik?

Tal órtese apresenta 3 componentes: uma cinta, fixada à altura dos mamilos, que envolve o tórax como um todo. Além de outras 2 cintas, cada uma com fixação a uma perna por duas tiras, sendo a tira anterior responsável pela flexão do quadril, promovendo a limitação da extensão causada pela afecção, e a tira posterior promove a abdução, confinando a abdução.

Como visto anteriormente, é importante alertar os pais sobre o uso contínuo e a importância da instalação e posterior manutenção de forma adequada, posto que se houve uma hiper abdução desse quadril, mantendo-o em um enquadramento maior que 65°, pode haver um comprometimento quanto à irrigação vascular dessa porção proximal do fêmur, acarretando em uma necrose avascular da cabeça femoral.

Figura 7. Estrutura anterior e posterior do Suspensório de Pavlik.
Fonte: Yoshiyasu, Cunha, 2014

Como acompanhar o tratamento?

É importante que a criança tenha uma rotina de exames que sejam realizados frequentemente, em intervalos de 7 a 10 dias, para avaliar a correta aplicação do suspensório. Concomitante a isso, o tempo de uso gira em torno de 6 a 8 semanas.

Quais as complicações pelo uso do Suspensório de Pavlik?

As complicações são em grande parte derivadas de instalação inadequada da órtese, principalmente quando não há o respeito à zona de segurança, propiciando que o quadril possa ser ainda mais luxado, devido a flexão excessiva e prolongada. Além disso, a hiper flexão pode comprimir o nervo femoral, desencadeando um quadro de neuropatia, a qual é eliminada depois da remoção do aparelho. Quanto às tiras no ombro, pode haver um processo de paralisia do plexo braquial. E, por fim, uma lesão epifisial do fêmur proximal.

Conclusão

Em suma, é possível observar que o conhecimento acerca do Suspensório de Pavlik é de grande importância para a prática clínica, visto que é um dos principais métodos envolvidos no tratamento da Displasia de Desenvolvimento do Quadril, uma entre várias afecções incidentes em faixa pediátrica. Somado a isso, vê-se que o sucesso de sua implantação impede que haja uma terapêutica mais invasiva. No entanto, depende da coparticipação ativa dos pais, realizando o manuseio correto e as consultas adequadas, propiciando melhor qualidade de vida e novas perspectivas.

Autora: Láiza Mendes

Instagram: @laizamnds


O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


Referências

  1. DRAKE, Richard L., VOGL, Wayne A., MITCHELL, Adam W. M. Gray’s Anatomia Básica. 1ª Edição. Rio de Janeiro, 2013.
  2. FILHO, Tarcísío E. P. B., CAMARGO, Olavo P. Clínica Ortopédica. 1ª Edição. São Paulo, 2012.
  3. MOORE, Keith L.; DALLEY, Arthur F.; AGUR, Anne MR. Anatomia Orientada Para a Clínica. 7ª Edição. Rio de Janeiro, 2014.
  4. MOTA, Geraldo; BARROS, Tarcísio. Ortopedia e Traumatologia. 1ª Edição. Rio de Janeiro, 2017.
  5. YOSHIYASU, Giro A., CUNHA, Luiz Antônio M. Correias de Pavlik para o tratamento da displasia do desenvolvimento do quadril. Revista Brasileira de Ortopedia, v. 34, n. 1, 1999. Disponível em: https://www.rbo.org.br/detalhes/231/pt-BR. Acesso em: 05 abr. 2021.
  6. ZÓSIMO, Rosalvo, MELLO, Carlos Fernando. Ortopedia Básica. 1ª Edição. Rio de Janeiro, 2015.