Todo estudante de
Medicina, em algum ponto da formação, vai se deparar com o drama de situações
de trauma grave na emergência. Em um contexto como esse, de pacientes que
precisam de atenção emergencial, as lesões no tórax podem causar sérias
consequências. Porém, antes de analisar especificamente o tórax, é preciso
lembrar de como abordar inicialmente esses pacientes.
A avaliação inicial
desses pacientes segue o clássico padrão para todo paciente politraumatizado,
como preconizado pelo ATLS: o ABCDE do
trauma. Garantir a abertura das vias aéreas com controle cervical é
fundamental e deve sempre ser o nosso primeiro passo. No “B” encontra-se a
avaliação do tórax, na qual as consequências mais graves do trauma torácico são
diagnosticadas a partir de um simples exame físico.
O exame passa pelos
passos semiológicos clássicos. Primeiro, a inspeção do tórax, em busca de
aberturas, assimetrias, abaulamentos, retrações, penetrações, armas, hematomas,
dentre outros achados no contexto do trauma. A palpação pode detectar sinais
sugestivos de enfisema subcutâneo (pneumotórax muito comumente está associado),
crepitações (típicas de fraturas costais, que podem gerar tórax instável), além
de permitir localizar pontos de dor. A ausculta (ou não) dos murmúrios
vesiculares e a macicez ou hipertimpanismo à percurssão são achados
fundamentais para o raciocínio.
O trauma torácico pode
causar variabilidade grande de lesões, mas cinco delas precisam ser
identificadas já na avaliação primária do paciente, devendo ser logo tratadas pelo
risco iminente de morte a elas associado. Vamos falar um pouco sobre cada uma
delas.
Pneumotórax hipertensivo
Aqui, o diagnóstico deve
ser imediato, assim como o tratamento, já que a morte pode ser extremamente
rápida! Nessa patologia, o ar é aprisionado no espaço pleural, que
fisiologicamente possui pressão negativa, o que é fundamental para a mecânica
respiratória normal. Porém, no pneumotórax hipertensivo, há um aumento da
pressão nesse espaço, levando a uma compressão do pulmão desse lado e até mesmo
empurrando o mediastino para o lado oposto à lesão.
Isso escala ainda mais a
gravidade, já que deslocar o mediastino causa uma “dobradura” (chamada de
acotovelamento) de estruturas vasculares vitais, como aorta e veia cava
superior. Por conta disso, o débito cardíaco fica comprometido e o paciente
evolui para choque obstrutivo. Alterações de exame físico características da
síndrome são murmúrio vesicular abolido no lado acometido (já que o pulmão não
está presente), percussão timpânica (devido ao acúmulo de ar), além dos sinais
do choque obstrutivo, como hipotensão, taquicardia e turgência jugular.
Se fosse solicitado exame
de imagem, ele detectaria a hipertransparência unilateral, com deslocamento do
mediastino, mas exames complementares não devem ser pedidos antes do tratamento
imediato do pneumotórax hipertensivo (é imediato mesmo!). O diagnóstico deve
ser clínico, com pouco tempo a perder.
O paciente deve ser
tratado imediatamente, com uma toracocentese de alívio. O local recomendado, na
9º edição do ATLS, costumava ser no 2º espaço intercostal, na linha
hemiclavicular, mas isso foi modificado na 10º edição: nesta, recomenda-se o 5º
espaço intercostal, na linha axilar média (mas o local anterior não está
proibido). Após isso, pode ser feita a drenagem de tórax em selo d’água. Como
iremos notar, grande parte das lesões traumáticas do tórax envolve a drenagem
torácica como parte do seu tratamento.
Pneumotórax aberto
O termo “aberto” deriva
de uma abertura externa na cavidade pulmonar, com diâmetro maior que 2/3 do
orifício da traqueia, causando uma comunicação ampla entre espaço pleural e
mediastino. A partir dessa dimensão na abertura, ela torna-se uma via de menor
resistência para a entrada de ar durante a inspiração, trazendo, com isso, um
alto risco de insuficiência respiratória.
A ferida deve ser coberta
com um curativo de três pontos fixos. Um ponto deve ficar solto, para criar um
mecanismo de válvula em apenas uma direção – a de fora. Explicando melhor: durante
a inspiração, há uma pressão mais negativa no tórax e o curativo é “atraído”,
ocluindo a abertura. Na expiração, tudo se inverte e há permissão para o escape
de ar pelo ponto solto. O dreno de tórax deve ser colocado antes do fechamento
cirúrgico da parede, afinal, deixar ar livre na cavidade pleural fechada pode
causar uma grave evolução para pneumotórax hipertensivo.
Hemotórax maciço
O hemotórax é nada mais
que o acúmulo de sangue na cavidade pleural. Ele é chamado de maciço quando há
um rápido acúmulo de mais de 1500ml na cavidade. Já que há a presença de um
líquido em um local onde normalmente há ar, os murmúrios vesiculares estão
diminuídos ou abolidos.
Além disso, as jugulares
estão colabadas, pois a volemia sistêmica está globalmente diminuída,
diminuindo a pressão venosa, o que nos alerta para um quadro de choque
hipovolêmico. Isso é importante, pois ajuda a diferenciar do quadro de choque
obstrutivo, no qual as jugulares estão túrgidas, que está presente no pneumotórax
hipertensivo ou no tamponamento cardíaco (já chegaremos a ele). No raio-x,
seria visível uma grande opacidade no hemitórax acometido.
O tratamento é o mesmo
das patologias anteriores: drenagem torácica a selo d’água. Como o paciente
perdeu muito sangue, é necessária a reposição volêmica com cristaloides intravenosos
e, possivelmente, hemotransfusão. Há a possibilidade de toracotomia de urgência,
desde que haja saída de 1500ml de sangue em uma drenagem inicial, indicando um
volume maciço, ou saída de mais que 200ml durante as 4 horas seguintes, causando
um prejuízo respiratório ou hemodinâmico. A presença de saliva ou alimentos no
líquido drenado provavelmente vem de uma rotura do esôfago e suscita a
necessidade de abrir o tórax.
Tórax instável
A mecânica ventilatória é
bem coordenada pelas diferenças de pressão entre alvéolos e meio externo, a
qual varia de acordo com a expansão ou retração da caixa torácica e depende da
pressão negativa da cavidade pleural, que fica aderida à parede (na sua face
pleural) e ao pulmão (na sua face visceral), integrando esses dois entes. No
entanto, o trauma torácico pode causar fraturas nas costelas e múltiplas
fraturas podem prejudicar a estabilidade do movimento normal – por isso, tórax
instável. Normalmente, duas ou mais fraturas em dois ou mais arcos costais já
caracterizam o quadro. O pulmão adjacente não costuma ser poupado, com contusão
pulmonar quase sempre associada, a qual pode gerar síndrome do desconforto respiratório.
Não surpreende que essa
condição cause dor, especialmente durante os movimentos respiratórios, e por
isso o paciente evita fazer longas incursões. Com a respiração tornando-se mais
curta, existe a tendência à hipóxia e hipercapnia e, em casos mais graves,
possível evolução para insuficiência respiratória. Outra característica
marcante na inspeção é a respiração paradoxal, na qual o abdome não acompanha
os movimentos de inspiração e expiração do tórax. Se o tórax se expande, o
abdome se contrai, e vice-versa. Crepitações e dor à palpação dos arcos costais
fraturados pode ser sentida.
Nesses casos, o
tratamento primário não costuma ser drenagem torácica, a não ser que haja algo
drenável na cavidade, como um hemotórax ou pneumotórax. De fato, o grande alvo
de tratamento aqui é a dor do paciente, devendo receber analgesia agressiva com
AINES, opióides ou até bloqueios intercostais, além de fisioterapia
respiratória a fim de recuperar sua função. No caso de hipóxia, deve-se manter
assistência ventilatória para manter a PO2 acima de 60 mmHg e a PCO2
abaixo de 48 mmHg.
Tamponamento cardíaco
Nessa patologia, há um
acúmulo rápido de líquido no saco pericárdico, a serosa que reveste o coração e
normalmente permite seu deslizamento durante o batimento cardíaco. Há,
portanto, uma compressão do miocárdio, principalmente das câmaras do coração
direito, de menor pressão. Por isso, não há total diástole das câmaras, há queda
do retorno venoso e congestão sistêmica.
A sintomatologia depende
da velocidade de formação do derrame, da rigidez do pericárdio e do impacto da
presença do líquido na pressão do espaço pericárdico. Ou seja, um tamponamento
pode ser causado por derrame de pequeno volume, mas que se formou rapidamente,
como pode ocorrer após um trauma torácico. Na presença do tamponamento, o
paciente pode evoluir para choque obstrutivo, com sinais típicos, como
hipotensão, taquicardia e turgência jugular. Isso poderia causar uma confusão
mortal com pneumotórax hipertensivo, mas que pode ser elucidado pelo exame
físico. No tamponamento, não há alteração no murmúrio vesicular ou na percussão
pulmonar, enquanto, no pneumotórax, os murmúrios ficam ausentes e a percussão
hipertimpânica.
Um quadro classicamente
descrito para o tamponamento cardíaco é a combinação de hipofonese de bulhas
cardíacas (já que há sangue impedindo a transmissão do som), turgência jugular
e hipotensão. Isso é conhecido como tríade de Beck, clássica de tamponamento
cardíaco, mas vista por completo em apenas 10% dos pacientes. Outro sinal
importante é o pulso paradoxal, que apesar do nome nada sugestivo, se refere a
uma diminuição maior que 10 mmHg na pressão arterial sistólica durante a
inspiração.
No ECG, pode ser vista a
baixa voltagem (pelo mesmo motivo do abafamento das bulhas) e a alternância
elétrica do complexo QRS (por causa do movimento do coração dentro do grande
volume de líquido, a amplitude do QRS varia a cada batimento). Já no raio-x, é
possível visualizar um aumento da silhueta cardíaca, com volumes
significativos. No entanto, o exame que mais auxilia no diagnóstico é o
ecocardiograma, já que este permite determinar o quão grande é, onde está e o
quão hemodinamicamente comprometedor é o tamponamento.
O diagnóstico deve ser
rápido, assim como o tratamento. Pericardiocentese de emergência (também
chamada de Punção de Marfan) é mandatória nesses casos para aliviar a pressão,
com cirurgia posterior para tratar definitivamente.
Ufa, finalizamos nosso
artigo por hoje!
É claro que existem
outras lesões que também podem ser causas potenciais de morte nesses pacientes,
mas que são avaliadas secundariamente… Mas isso pode ser um tema pra outro
post.
Até mais!
Autor: Matheus Zaian




