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Tromboflebite superficial: definição, etiopatogenia, quadro clínico e mais

Tromboflebite superficial: definição, etiopatogenia, quadro clínico e mais

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A tromboflebite superficial (TS) ou trombose venosa superficial (TVS), é uma doença comum, cuja sua prevalência exata é desconhecida.

Estima-se que seja entre 3-11%, com maior incidência no sexo feminino e predomínio nos membros inferiores, estando associada a diversas condições clínicas e cirúrgicas.

Patologia da tromboflebite superficial

Sua patologia é caracterizada pela presença de trombo na luz de uma veia superficial acompanhado por reação inflamatória da parede do vaso e tecidos adjacentes.

Apresentando-se com cordão palpável, com sinais flogísticos no trajeto da veia superficial acometida, sendo que a amplitude da trombose variável. Acometendo desde tributarias pequenas até a extensão de troncos safenos nos membros inferiores (MMII), podendo em casos graves, estender ao sistema venoso profundo (SVP), podendo ocasionar complicações como trombose venosa profunda (TVP) e tromboembolismo pulmonar (TEP).

Ocorre frequentemente na veia safena dos membros inferiores e suas tributárias. Porém, pode ocorrer em veias dos membros superiores ou do pescoço, devido à punção intravenosa e administração de medicamentos. O termo TS é geralmente reservado para o problema específico nos membros inferiores.

Etiopatogenia

A TS é relacionada à tríade de Virchow, sendo a causa frequente as varizes, devido à dilatação e às tortuosidades das veias existindo a predispõem a estase, inflamação e trombose. Mas também, pode ocorrer em doentes não varicosos e que apresentam doenças malignas ou associadas à trombofilia, ou em indivíduos que utilizam estrógenos.

Sendo a veia safena magna acometida em aproximadamente 60-70% dos casos, e quando não é varicosa pode estar associada ao câncer (5-13% dos casos), ou à trombofilia (50% dos casos).

A ocorrência também é comum após lesão da íntima por substâncias químicas decorrente de injeções ou infusões intravenosas de soluções com fins terapêuticos ou diagnósticos, ou mesmo após traumas mecânicos devido procedimentos de cateterismo e hemodinâmica.

Conheça as enfermidades que podem causar tromboflebite

Além disso, algumas enfermidades, incluindo a doença de Buerger e síndromes, como Trousseau, Lemièrre e Mondor, que podem evoluir com TS. Saiba mais sobre elas:

Síndrome de Trousseau: caracterizada por eventos de tromboflebite migratória superficial recorrente com acometimento de veias, tanto em membros superiores quanto em membros inferiores, associados a hipercoagulabilidade e/ ou adenocarcinomas do trato gastrointestinal produtores de mucina (estômago, pâncreas e cólon), pulmão, mama, ovário e próstata.
Doença de Mondor: tromboflebite rara, comum em mulheres, compromete veias da parede anterolateral do tórax, etiologia desconhecida, existe alguns casos, associado a traumas locais, uso de anticoncepcionais orais, deficiência de proteína C, presença de anticorpos anticardiolipina e neoplasias de mama.
Síndrome de Lemierre: tromboflebite séptica da veia jugular interna concomitante à infecção de orofaringe, podendo evoluir com êmbolos sépticos, para território pulmonar fígado e baço. Outras causas são: cateterismo venoso central e infecção de outros sítios cervicais. O agente etiológico mais prevalente é o germe anaeróbio gram-negativo Fusobacterium necrophorum.
Doença de Buerger (Tromboangeíte obliterante): TS de caráter migratório e pode preceder ou ser concomitante ao comprometimento arterial.

Histopatológico

Veia e o trombo apresentam na fase inicial predominância de infiltrado leucocitário (flogístico), com o temppo o processo inflamatório propaga-se para tecidos vizinhos (pele e tecido celular subcutâneo).

Aspectos topográficos: membro inferior esquerdo (MIE) parece ser mais acometido que o membro inferior direito (MID).  

Quadro clínico de tromboflebite superficial

Existência de cordão palpável, endurecido, hiperemiado, quente e doloroso, no curso de uma veia superficial (veia varicosa). Quando associado a febre, calafrios e flutuação, suspeitar de tromboflebite séptica. Se encontrar edema generalizado do membro, suspeitar da possibilidade de TVP.

A evolução é a resolução do processo inflamatório e trombótico, devido recanalização ocorre passado alguns meses, ficando uma pigmentação residual e endurecimento dos tecidos.

Figura 1: aspecto do membro inferior com tromboflebite.
Fonte: site danielle bernardes  
Fonte: repositorio.unesp

Diagnóstico

É clínico, baseado no eritema, dor e cordão palpável no local da veia superficial acometida, podendo ter edema dos tecidos circundantes.

Deve-se atentar também nos fatores de risco/ ocorrência de eventos tromboembólicos anteriores, história de emagrecimento (neoplasias), tabagismo, infecção (síndrome de Lemierre), dentre outros.

Fatores de risco= são os mesmos da TVP: condições clínicas ou cirúrgicas vinculadas à tríade de Virchow:  – Lesão de endotélio: injeções intravenosas, cateterismo venoso, traumas, infecções; – Alteração de fluxo: varizes, imobilização; – Alteração da coagulação: neoplasias, gravidez, trombofilia, infecção.  

O exame físico deve explorar o diagnóstico topográfico determinando-se o tronco venoso comprometido e sua extensão /concomitância para o SVP.

O ecodoppler ou Mapeamento duplex (MD)

Possibilita a visualização direta do trombo no interior do sistema venoso superficial e sua relação de proximidade com SVP, observa a extensão ou acometimento simultâneo do SVP, no qual é possível visualizar o trombo ecogênico e não-compressível ao MD.

Sendo útil no diagnóstico diferencial de celulite, eritema nodoso, paniculite e linfangite. Avalia com precisão se há acometimento do SVP e sua extensão. É um método inofensivo e não-invasivo.


Fonte: repositorio.unesp
 

Outros exames de imagem

  • Flebografia:  não apresenta acurácia e nem risco benefício adequados para sua utilização rotineira nos casos de TS e TVP, exame invasivo, com exposição à radiação e uso de contraste iodado; indicado em casos excepcionais como estudo de refluxo em vasos pélvicos e da compressão da veia ilíaca comum esquerda;
  • Cintilografia de ventilação/perfusão:  em casos de pacientes com suspeita de TS com sintomas respiratórios concomitantes, dor torácica, dispneia, sinais de TEP ou síncope, a cintilografia de ventilação/perfusão do pulmão pode ser usada para o diagnóstico de TEP.
  • Angiotomografia pulmonar: escolha para pacientes estáveis com suspeita de TEP, a Angio-TC de tórax é o padrão‑ouro atual no diagnóstico para a detecção de TEP.

Importante: Rastrear neoplasia quando os pacientes com TS não associada a veias varicosas, tromboflebite extensa da veia safena, com ou sem TVP ou TEP concomitante, ou com TS recorrente ou idiopática.

Investigar trombofilia, se:

  • TS inexplicável em veias não varicosas (após exclusão de câncer);
  • Progressão do trombo apesar de anticoagulação adequada;
  • TEV em pessoas com idade inferior a 40-45 anos;
  • TVP ou TS recorrentes; Trombose em sítios não usuais (veias mesentéricas, seio cerebral);
  • Trombose neonatal inexplicável;
  • Necroses de pele, principalmente em uso de cumarina;
  • Trombose arterial antes dos 30 anos;
  • Parentes de pacientes com anormalidade trombofílica;
  •  Pacientes com história familiar de TVP;
  • Tempo de tromboplastina parcial ativado prolongado inexplicado (sugere anticoagulante lúpico);
  • Perda fetal recorrente, púrpura trombocitopênica imune ou lúpus eritematoso sistêmico.

Complicações

As complicações da TS, são: trombose venosa profunda (TVP) e tromboembolismo pulmonar (TEP).

O envolvimento trombótico da veia safena magna, principalmente com trombos atingindo ou próximos as crossas ou a junção safenofemoral/safeno-poplítea, é um fator de risco de TVP e TEP, no qual para esses casos, os pacientes devem ser submetidos a anticoagulação.

Algumas características clínicas podem estar relacionadas com o aumento do risco de complicações tromboembólicas, como: sexo masculino, idade > 60 anos, história de TVP pregressa, ocorrência bilateral de TS e infecção. Outras características, como a proximidade do processo trombótico com o sistema venoso profundo.

É importante lembrar que TS, além da associação com TVP e TEP, pode também ser preditora de arteriopatias e neoplasias, marcador de trombofilia e marcador de recorrência de fenômenos tromboembólicos.

Manejo

Depende da etiologia, da extensão, da gravidade dos sintomas e da associação com outros fenômenos tromboembólicos, como TVP e TEP.

Cujo o objetivo: promover alívio sintomático (reduzir a inflamação do trajeto venoso comprometido, assim como dos tecidos vizinhos); prevenir a extensão do trombo para o interior do sistema venoso superficial e/ou profundo; evitar recorrência; prevenir complicações tromboembólicas (TVP e EP).

As modalidades terapêuticas são variadas: tratamentos tópicos (calor local, anti-inflamatórios e compressão elástica), sistêmicos (anti-inflamatórios, heparinas, anti-vitamina K, anti‑Xa), orientações gerais (deambulação, repouso em Trendelemburg) e tratamento cirúrgico (ligadura de safena magna e safenectomia).

Tratamento clínico

Esse é semelhante das outras doenças trombóticas venosas, devendo incluir medidas que reduzam a estase e aumentem a velocidade de fluxo venoso.

A deambulação e o repouso em Trendelemburg: na deambulação, ocorre ativação das bombas da panturrilha e plantar, favorecendo o aumento da velocidade de fluxo e atividade do sistema fibrinolítico. De maneira equivalente, o repouso em Trendelemburg favorece o retorno venoso pela drenagem gravitacional que incrementa a atividade fibrinolítica.

A meia elástica: representaria a forma de tratamento de manutenção, é indicado o uso de meia elástica associado à aspirina em casos de varicotromboflebite, desde que este comprometimento esteja distante dos troncos safenos.

Deve-se manter atividades diárias e físicas.

Obs.: Na existência de sinais e sintomas flogísticos na TS sugere a utilização de anti-inflamatórios (sistêmicos ou tópicos); aplicação de calor úmido local, como compressas mornas e bolsas térmicas, parece exercer ação anti-inflamatória.

Os anticoagulantes: sejam em doses profiláticas ou terapêuticas, são a classe de medicamentos com maior benefício para o paciente, visto que atuam na fisiopatologia da doença (a formação e propagação do coágulo). Podem ser utilizados como opção terapêutica única ou como coadjuvante ao tratamento cirúrgico. Além do efeito antitrombótico, eles também possuem atividades anti-inflamatórias que potencializam os seus benefícios.

Nos casos de TS comprometendo troncos safenos varicosos ou não varicosos: a anticoagulação sistêmica com HNF, HBPM, varfarina ou anti‑Xa, costuma ser superior à ligadura e à compressão elástica em termos de extensão do trombo e alívio sintomático.

Nos casos de trombofilia e neoplasias, devido ao risco tromboemboligênico maior, o tratamento com anticoagulantes é mais indicado.

Tratamento cirúrgico

As possíveis vantagens da cirurgia seriam o alívio sintomático mais rápido e menor tempo de internação hospitalar, o qual reduziria os custos.

Entretanto, as desvantagem são a não-prevenção de complicações tromboembólicas, no qual a simples ligadura dos troncos safenos não evitaria a passagem do trombo pelas veias perfurantes, assim como não minimiza a condição de hipercoagulabilidade que pode estar presente.

Opções cirúrgicas: ligadura da crossa, safenectomia e retirada de trajetos trombosados.

Indicações: vão depender da localização do trombo dentro do sistema venoso superficial (sua relação de proximidade com o SVP), da existência de condição técnica favorável, assim como da condição clínica do paciente. Sendo mais indicado para TS acometendo veias varicosas.

Fonte: Tromboflebite superficial – Sobreira ML et al. J Vasc Bras 2008, Vol. 7, Nº 2.

Em suma o manejo de tromboflebite

  • TS isolada de extremidade (superior ou inferior) devido a complicação de punção ou de cateteres intravenosos acometendo a circulação colateral ou dificultando a infusão de soluções osmóticas, recomenda-se que estes sejam retirados.
  • TS no segmento venoso superficial na extremidade inferior que compromete um tronco safeno, as opções terapêuticas clínicas e/ou cirúrgicas devem levar em conta o potencial fator causal, a proximidade com o sistema venoso profundo, a concomitância de complicação tromboembólica, e se a TS ocorre em veias varicosas ou em veias não varicosas.

Autora: Leidiaine Neris Arêdes – @leidineris

Referências:

Sobreira M L; Yoshida W B; Lastória S. Tromboflebite superficial: epidemiologia, fisiopatologia, diagnóstico e tratamento. ARTIGO DE REVISÃO. J Vasc Bras 2008, Vol. 7, Nº 2. https://www.scielo.br/j/jvb/a/ZcyJWj54QgDSZgDfjDXXcGh/?format=pdf&lang=pt

Di Nisio M, Wichers IM, Middeldorp S. Tratamento para trombophlebitis superficial da perna. Cochrane Database Syst Rev. 2007;(2):CD004982. Publicado em 2007 Apr 18. doi:10.1002/14651858.CD004982.pub3. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/17443561/

Almeida et al. Diretrizes de conceito, diagnóstico e tratamento da trombose venosa superficial. J Vasc Bras. 2019;18:e20180105. https://doi.org/10.1590/1677-5449.180105. https://www.scielo.br/j/jvb/a/Z5nCYnYHcpLws5Gx8XFNbTS/?lang=pt&format=pdf Complicações e tratamento da tromboflebite superficial. J Vasc Bras. 2015 Jan.-Mar.; 14(1):1-3. https://jvascbras.org/article/10.1590/1677-5449.20151401/pdf/jvb-14-1-1.pdf



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