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Chegou a hora tão esperada por todo médico recém-formado, o primeiro plantão! Um misto de alegria, medo (mais medo do que alegria, eu confesso) e apreensão. Você pensa: “O que será que vai aparecer por aqui hoje?”.
Eis que seu primeiro paciente é Helena, uma mulher de 65 anos, com queixa de “dor atrás do olho direito, com olhar desviado há 1 dia”. Refere também cefaleia, diplopia, olho vermelho, baixa acuidade visual e febre alta (39°C). É diabética, hipertensa em uso irregular das medicações e apresentou sintomas de sinusite há 1 semana, tratados com amoxicilina por apenas 3 dias, pois os sintomas melhoraram e ela decidiu parar as medicações para “não atacar o estômago”.
Ao examiná-la, você observa que o olho direito está realmente muito vermelho, os vasos parecem ingurgitados, há quemose e uma visível proptose. Além disso, há paralisia do nervo abducente. Os sinais vitais começam a te assustar pois ela está com 39°C, 110bpm, PA 90 x 60 mmHg e perfusão capilar periférica igual a 3s.
Você logo pensa: “Meu Deus, eu devia ter prestado mais atenção às aulas de oftalmologia da faculdade!”
Calma, depois de hoje, você nunca mais vai errar esse diagnóstico, que é raro, porém muito importante.
Introdução
Os seios cavernosos são plexos venosos localizados lateralmente à sela túrcica; apresentam-se como espaços trabeculados delimitados por camadas de dura-máter e são preenchidos por sangue venoso proveniente principalmente das veias oftálmicas superiores e inferiores. Por ele passam os nervos oculomotor (III par), troclear (IV par), abducente (VI par), ramos V1 e V2 do nervo trigêmeo (V par) e a porção intracavernosa da artéria carótida interna que contém ao seu redor, fibras simpáticas.
A trombose de seio cavernoso é uma condição rara, porém com elevada morbimortalidade, o que a torna uma emergência oftalmológica. Antes do advento dos antibióticos, a maioria dos pacientes apresentavam evolução desfavorável e óbito. Dados mais atuais apontam uma diminuição da mortalidade para aproximadamente 30%, entretanto, muitos pacientes permanecem com sequelas1,2,3.
Etiologia
A maioria dos casos tem origem séptica e relação íntima com infecções faciais, principalmente aquelas que acometem o triângulo perigoso da face. Essa infecções incluem celulite, sinusites (especialmente quando atingem os seios esfenoidal e/ou etmoidal), infecções odontológicas, otite média aguda e mastoidite1. Os principais agentes relacionados a essas infecções são Staphylococcus aureus, que respondem por dois-terços dos casos, Steptococcus sp (20%) e Pneumococcus (5%)1,2. Existem também as causas assépticas que são comumente relacionadas a traumas, cirurgias, gravidez e estados de hipercoagulabilidade1,4.
Sinais e sintomas
Os principais sinais e sintomas estão relacionados à congestão do sistema venoso oftálmico e, consequentemente, à lesão dos nervos cranianos, que apresentam-se próximos ao seio cavernoso (III, IV, V e VI pares cranianos). Dentre eles, temos:
- Dor periorbital e cefaleia;
- Proptose ou edema periorbital;
- Quemose;
- Baixa de acuidade visual;
- Oftalmoplegia – o VI par é o nervo mais precocemente acometido;
- Exoftalmia;
- Redução dos reflexos pupilares;
- Edema de papila;
- Hemorragias retinianas;
- Hipo ou hiperestesia em dermátomos relacionados aos ramos V1 e V2 do V par craniano;
- Sinais de irritação meníngea, como rigidez de nuca, sinais de Kernig e/ou Brudzinski;
- Sinais sistêmicos indicativos de sepse, como calafrios, febre, choque, delirium e coma;
- Meningite, empiema dural ou abcesso cerebral;
- Pneumonia, abcesso pulmonar e empiema.
Fatores de risco
Os principais fatores de risco relacionados são sinusite crônica, imunossupressão e diabetes mellitus.
Diagnósticos diferenciais
- Infecções orbitais e periorbitais (ex.: celulite);
- Fístula carotido-cavernosa;
- Lesões ósseas líticas próximas ao seio esfenoidal ou sela túrcica;
- Lesões compressivas como, por exemplo, meningioma, neurofibroma plexiforme, adenoma pituitário, hemangioma cavernoso, dentre outros;
- Síndrome Tolosa-Hunt;
- Síndrome da fissura orbital superior;
- Síndrome do ápice orbitário;
- Sarcoidose;
- Sífilis;
- Tuberculose.
Diagnóstico e avaliação do paciente
O diagnóstico de trombose de seio cavernoso é clínico, portanto, sua anamnese e exame físico são muito importantes. Os exames laboratoriais e de imagem têm o papel de auxiliar a confirmação da trombose de seio cavernoso ou então dos seus diagnósticos diferenciais.
Exames laboratoriais
É importante solicitar hemograma, proteína C-reativa (PCR), velocidade de sedimentação de hemácias (VHS), d-dímero e hemocultura. A punção lombar tem o papel de excluir meningite1.
Em alguns casos, será importante buscar outros agentes etiológicos por meio de testes sorológicos para hepatite B, vírus Epstein-Barr, HIV, citomegalovírus, herpes simplex, toxoplasmose e sífilis. Em pacientes com quadros suspeitos de hipercoagulabilidade, podem ser necessários testes complementares para avaliar a atividade de fatores pró-trombóticos como proteína C, proteína S, deficiência de fator V de Leiden e aumento de fator VIII3.
Exames de imagem
Na prática clínica, a tomografia computadorizada (TC) ou ressonância nuclear magnética (RNM) com contraste são os métodos mais utilizados para confirmar o diagnóstico e avaliar diagnósticos diferenciais, a exemplo da celulite orbitária. A tomografia, apesar de não ser o exame ideal, tende a ser realizada inicialmente por ser mais rápida e acessível6. Os achados revelam engurgitamento das veias oftálmicas superior e inferior, abaulamento da margem lateral do seio cavernoso, exoftalmia e, em alguns casos, sinusite esfenoidal ou etmoidal e massas e lesões tumorais1.
A venografia por ressonância magnética é o exame de escolha, que demonstrará a ausência de fluxo venoso no seio cavernoso afetado, dilatação do seio cavernoso com abaulamento da parede lateral (que usualmente é côncava) e aumento da densidade da gordura orbitária.
Tratamento
O pilar do tratamento da trombose de seio cavernoso é o início de antibioticoterapia precoce e agressiva. Apesar de o S. aureus ser o microrganismo mais comumente envolvido, é mandatória a antibioticoterapia de amplo espectro. A terapia inicial empírica deve incluir uma penicilina resistente à penicilinase (meticilina, nafcilina, oxacilina e cloxaciclina) associada a uma cefalosporina de terceira ou quarta geração.
Se houver suspeita de infecção por anaeróbios, como em infecções dentárias, deve-se adicionar metronidazol ao esquema. Em casos onde suspeita-se ou há fatores de risco para infecções fúngicas, o antifúngico de escolha é a anfotericina B. A duração do tratamento varia entre 3 a 4 semanas ou pelo menos 2 semanas após a resolução do quadro1,2.
Devido à raridade dessa condição, não existem estudos prospectivos que suportem a recomendação do uso de anticoagulantes. Entretanto, alguns estudos retrospectivos demonstraram redução da mortalidade em pacientes anticoagulados1,7. Por isso, a maioria dos especialistas recomenda a anticoagulação, com o objetivo de prevenir a progressão da trombose, tromboses em outros sítios e reduzir a dispersão de êmbolos sépticos.
Os corticosteroides como a dexametasona e hidrocortisona são amplamente utilizados como terapia adjuvante, a fim de reduzir a inflamação e o edema vasogênico. Vale lembrar que esses devem ser introduzidos após o estabelecimento da terapia antimicrobiana e que, quando houver hipopituitarismo, eles são mandatários.
Intervenções cirúrgicas não são recomendadas rotineiramente, entretanto, quando o sítio primário da infecção é facilmente acessível, pode-se avaliar a possibilidade de intervenção.
Conclusão
A trombose de seio cavernoso é uma condição rara, porém com curso clínico dramático e elevadas taxas de mortalidade, tornando mandatória a identificação e tratamento imediatos. O diagnóstico não é simples e existem muitas condições que podem te confundir. Espero que após a leitura desse texto, você não perca de vista as “Helenas” que por ventura passarem por você!
O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.
Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.
Referências Bibliográficas
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2. Matthew TJH, Hussein A. Atypical Cavernous Sinus Thrombosis: A Diagnosis Challenge and Dilemma. Cureus. 2018;10(12):e3685. Published 2018 Dec 4. doi:10.7759/cureus.3685
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