Ciclo Clínico

Tuberculose latente: Quais consequências e como investigar | Colunistas

Tuberculose latente: Quais consequências e como investigar | Colunistas

Compartilhar
Imagem de perfil de Comunidade Sanar

Você sabia que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 1/3 da população mundial está infectada com o bacilo da tuberculose (TB) ou bacilo de Koch (BK) e não apresenta nenhuma sintomatologia?

Sim, mas quais as consequências disso?

Indivíduos infectados são reservatórios deste patógeno e liberam 3,5 milhões de bacilos por dia. As partículas contaminadas são invisíveis e flutuam no meio ambiente por até 8 horas, podendo contaminar as pessoas que as inalarem. A partir disso o que pode ocorrer será: (1) a resposta imune do hospedeiro elimina completamente o agente; (2) o sistema imune não consegue controlar a replicação dos bacilos, causando a tuberculose primária; ou (3) o sistema imune consegue conter as bactérias em granulomas de forma latente, sendo que 15% destes indivíduos poderão desenvolver a doença sintomática durante a sua vida.

Como acontece a eliminação do patógeno e a cura?

Os bacilos são transmitidos através da rota respiratória, reconhecidos por macrófagos alveolares nas vias aéreas através de receptores transmembrânicos, que ativam vias de internalização deste patógeno (fagocitose). Paralelamente a isso, estas células estimulam o desencadeamento da resposta inflamatória através da  produção de várias citocinas como: fator de necrose tumoral alfa (TNF alfa), interleucina 12 (IL-12), interleucina 1 (IL-1), interleucina 6 (IL-6), dentre outros.

O TNF alfa regula a expressão de moléculas de adesão do endotélio vascular e produção de quimiocinas, garantindo o recrutamento de leucócitos, como neutrófilos e monócitos. Estas e outras células do sangue migram de dentro dos vasos sanguíneos para o local de penetração do patógeno (diapedese). Também estimula a produção de radicais livres (bactericidas) pelos fagócitos mononucleares e aumenta a produção de interferon gama (INF gama) pelas células matadoras naturais (NK).

Posteriormente os bacilos da tuberculose (BK) são transportados por células dendriticas pulmonares (APCs) aos linfonodos hilares e apresentados aos LTCD4+ via MHCII. No momento da apresentação, IL-12 produzida por APCs induzem os LTCD4+ à produção de citocinas do tipo 1 (TH1) que amplificam a resposta ao patógeno. São elas:

  1. A interleucina 2 (IL-2) que estimula a proliferação de LTCD4+, aumenta a capacidade citotóxica e também ativa proliferação de LTCD8+;
  2. O INF gama aumenta os mecanismos microbicidas dos macrófagos estimulando-os a serem mais letais ao patógeno e ativam células NK a combaterem as células infectadas;

Antígenos microbianos também são apresentados aos LTCD8+ por CDs em um mecanismo chamado apresentação cruzada, quando antígenos exógenos classicamente apresentados em associação à molécula de MHC de classe II, passam a ser apresentados por moléculas de MHC de classe I, ativando LT CD8+ a destruir os macrófagos infectados e secretar INF gama que ativa células NK. Todos estes mecanismos imunológicos estão envolvidos na eliminação destes bacilos.

Quando acontece a tuberculose primária ou a formação do granuloma?

Isto dependerá da quantidade de patógeno inalado (inóquo) e virulência do microrganismo, além da capacidade genética que rege as condições imunológicas do indivíduo (resposta inata e adquirida).

Esta bactéria pode se proliferar dentro do macrófago de alvéolos pulmonares, após ser internalizada. Isto se deve ao fato dela possuir mecanismos de escape sofisticados que impedem a atividade destrutiva dos macrófagos. Estes mecanismos incluem: inibição da fusão do fagossomo com lisossomo, inibição da acidificação do fagolisossomo, recrutamento e retenção da proteína de revestimento (membrana) do fagossomo (TACO) que coordena a distribuição do conteúdo fagocitado, resultando no escape do patógeno dentro da organela pela inibição da ação bactericida, dentre outros.

Também uma proteína bacteriana (antígeno) denominado ESAT-6, contribui para a virulência inibindo a produção de IL-12 por macrófagos resultando na alteração da sinalização nos receptores de células TCD4+ e TCD8+ (TCR) e diminuindo a secreção de IFN-γ.

Macrófagos infectados com o Mycobacteriun tuberculosis ou o Bacilo de Calmet Guéring (BCG) também podem expressar baixos níveis de complexo histocompatibilidade principal tipo II (MHC II) evitando a ativação efetiva da resposta imunológica adquirida contra as células infectadas. Tudo leva a crer que o próprio patógeno impede a expressão destas moléculas através de mecanismos ainda não totalmente elucidados.

Também verificou-se um aumento na produção de interleucina 10 (IL-10) pelos macrófagos. Esta citocina é regulatória da resposta imune, pois inibe a apoptose das células infectadas, o que permitiria a sobrevivência do patógeno dentro dos macrófagos. Cogita-se a possibilidade da bactéria induzir a produção de IL-10 devido a sua rota de entrada que ativaria a rede sinalizadora que regula a produção da proteína.

O granuloma tuberculoso (reação de hipersensibilidade tardia) é tipicamente composto de macrófagos epitelioides multinucleados que sofreram modificações estruturais e funcionais para aumentar a eficiência da fagocitose. Também células gigantes (resultante da fusão de macrófagos), linfócitos T (CD4+/CD8+), NK, LB, neutrófilos e fibroblastos estão presentes. No centro da lesão, verifica-se necrose caseosa onde as bactérias sobrevivem e proliferam com dificuldade pela carência de oxigênio. O recrutamento e estimulação constante das atividades das células do sistema imunológico, mediado por citocinas liberadas por macrófagos infectados e LT posteriormente à apresentação de antígeno, leva à formação do granuloma que funciona como um microambiente imunitário para conter o bacilo em sítios inflamatórios poupando outras áreas do pulmão.

Nos pacientes com bom estado imunológico, a regressão desta lesão leva à cicatrização da área comprometida e posterior calcificação.  As condições que alteram esta evolução permitindo o desenvolvimento sintomático durante a vida do indivíduo, está principalmente associada à imunodeficiências adquiridas, como HIV ou tratamento com imunobiológicos, como inibidores do fator de necrose tumoral (TNF alfa) indicados para portadores de Artrite Reumatóide (AR) e Psoríase.

E a vacina? Não nos “protege” desta infecção?

A vacinação com BCG é eficaz na prevenção da meningite por TB e TB extrapulmonar. Porém a eficácia contra a tuberculose pulmonar em diferentes populações humanas (crianças, jovens, adultos e idosos) mostrou-se heterogênea variando de 0 a 80% em diferentes estudos. A diversidade na proteção da vacina BCG tem sido atribuída a diversos fatores, como características genéticas dos seres humanos e do patógeno, diferenças nas cepas de BCG, confecções, aspectos nutricionais e socioeconômicos, dentre outros. No Brasil o efeito protetor foi satisfatório após a aplicação da primeira dose no período neonatal. Porém nos adolescentes, foi demonstrado uma variação de 9% a 58% na eficácia o que resultou na suspensão da revacinação.

Como é a resposta imunológica à vacina? O que pode justificar a diminuição da resposta à vacina nos casos de TB pulmonar?

O desenvolvimento de uma vacina com boa eficácia está diretamente relacionado a total compreensão de como o sistema imune é ativado após a vacinação. Também é necessário reconhecer os problemas que impedem a imunidade protetora prolongada.

Quando o BCG é inoculado intradermicamente, os macrófagos epidérmicos reconhecem o material vacinal através de receptores de reconhecimento padrão (PPRs) como receptores toll-like 2 e 4 (TLR2/4), além de receptores do terceiro componente do sistema complemento (CR3). Porém na infecção pulmonar, são os macrófagos alveolares que entram em ação sugerindo diferenças, não totalmente elucidadas, nas respostas destes fagócitos. Isto poderia indicar o porquê da vacina não ser totalmente protetora.

Outro fator a ser considerado, é o agente opsonizador (facilitador da fagocitose) que se liga ao BCG após sua aplicação. Este poderá ativar uma destruição rápida do material vacinal prejudicando uma resposta duradoura (sem apresentação de antígeno). Temos como exemplo disto o fator H do sistema complemento que poderá ativar o macrófago a uma forte resposta aguda inflamatória com liberação intensa de interleucina 6 (IL-6) e fator de necrose tumoral (TNF).

A composição lipídica da parede celular do patógeno que resulta no reconhecimento diferenciado pelos receptores toll like, pode resultar na diminuição da expressão de MHC II desfavorecendo a apresentação do antígeno e consequente ineficácia da resposta imune.

Assim, múltiplas vacinas estão sendo testadas para substituir a BCG e melhorar a eficiência da resposta imune duradoura.

Quais os métodos de investigação e como interpretá-los?

A tuberculose é a maior causa de morte por doença infeciosa em adultos no mundo, com letalidade de 7,8% e persiste como um grave problema de saúde pública no Brasil, e vários são os agentes etiológicos envolvidos neste processo. Os mais importantes fazem parte do Complexo Mycobacteriun tuberculosis (M. tuberculosis, M. bovis, M. africanum, M. microti) e do Complexo Mycobacteriun avium (M. avium, M. kansasii, M. xenopi, M.malmoense). O diagnóstico rápido e seguro são fundamentais para um tratamento eficaz e consequentemente quebra da cadeia de transmissibilidade.

1) O método laboratorial fundamental que contribui para o diagnóstico é a baciloscopia direta de escarro (pesquisa de BAAAR) cujas vantagens e desvantagens são:

  • Quando realizado corretamente, detecta de 70 a 80% dos casos de tuberculose em uma comunidade;
  • É rápido e econômico e o material e equipamento a serem utilizados é de fácil transporte;
  • A contagem dos bacilos informa a extensão da lesão;
  • É o método de escolha para monitorar eficácia de tratamento, sendo indispensável sua execução pelo menos ao final do 2º, do 4º e do 6º mês de tratamento;
  • Não define qual o agente etiológico causador da doença (espécie de Micobactéria) e não permite realizar o teste de sensibilidade aos antibióticos;
  • Este método possui baixa sensibilidade e especificidade;
  • Necessidade de pessoal capacitado e dificuldade na coleta do material.

IMPORTANTE: Este método é indicado para todos os sintomáticos respiratórios (indivíduo com tosse e expectoração por três semanas a mais), pacientes que apresentem alterações pulmonares na radiografia de tórax e os contatos de tuberculose pulmonar bacilíferos.

2) O método padrão ouro é a cultura de escarro, pois nos casos de baciloscopia negativa, pode aumentar em até 30% o número de amostras positivas. Possui como vantagens e desvantagens:

  • Elevada especificidade e sensibilidade;
  • Tempo de crescimento que varia de 15 a 30 dias em cultivo sólido, podendo chegar até a oito semanas;
  • No cultivo líquido o tempo é menor e varia de 5 a 13 dias;
  • Método que identifica a espécie do agente e analisa a sensibilidade aos antibióticos.

IMPORTANTE: Este método é indicado para suspeitos de tuberculose pulmonar com baciloscopia repetidamente negativa, diagnóstico de formas extrapulmonares, como meníngea, renal, pleural, óssea e ganglionar e também para o diagnóstico de todas as formas de tuberculose em pacientes HIV positivo. Também está indicada para os casos de tuberculose com suspeita de falência de tratamento e em casos de retratamento para verificação da farmacorresistência nos testes de sensibilidade. 

3) O método molecular de vanguarda Xpert MTB/RIF, detecta o DNA do Complexo Mycobacteriun tuberculosis assim como o gene rpoB responsável pela resistência à Rifampicina, que é o tratamento de escolha. Deve ser utilizado em pacientes não tratados suspeitos de serem portadores de tuberculose.

IMPORTANTE: O teste está preconizado para o diagnóstico dos casos de TB e para pacientes com suspeita de multirresistência ou portadores do HIV. Por ser um método sensível não é indicado para pacientes que já tiveram a TB, pois esses indivíduos ainda podem apresentar resíduos de DNA do bacilo, resultando em um falso-positivo.

É possível uma pesquisa de BAAR positiva com teste molecular negativo?

Sim, é possível, pois os testes moleculares detectam somente patógenos do Complexo Mycobacteriun tuberculosis. Caso o agente etiológico da tuberculose seja uma bactéria do Complexo Mycobacterin avium, o teste será negativo.

E a prova tuberculínica (PPD ou Mantoux)? Quando utilizar?

Auxilia no diagnóstico de pessoas não vacinadas com BCG. Indica apenas a presença da infecção e não é suficiente para diagnóstico da doença, porém desempenha um valioso papel no programa de controle à tuberculose, pois avalia risco de infecção (teste negativo) e também localização de casos de infecção recente. A interpretação dos resultados é a seguinte:

  • 0 a 4mm indica não reator, ou indivíduo não infectado pelo Mycobacteriun tuberculosisou hipersensibilidade reduzida, nos casos de pacientes em tratamento com anti-TNF ou imunossuprimidos;
  • 5 a 9mm indica reator fraco e pode ser um indivíduo vacinado com BCG, infectado pelo Mycobacteriun tuberculosisou por outra espécie de micobactéria;
  • 10mm ou mais indica forte reator, presente em vacinados com BCG recentemente, infectados pelo bacilo da tuberculose que pode estar doente ou não;

IMPORTANTE!

Drogas que inibem o TNF-α vêm sendo desenvolvidas e utilizadas em pacientes com AR para neutralizar os efeitos deletérios dessa citocina inflamatória. Desde o início de seu uso, centenas de casos de tuberculose pulmonar e extrapulmonar já foram notificados. Pacientes candidatos à utilização dos agentes anti-TNF devem ser considerados de risco para a progressão de tuberculose ativa recentemente adquirida ou para a reativação da infecção remotamente adquirida. Assim o rastreamento onde TB latente deverá ser realizado, antes da introdução da terapia, através do teste tuberculínico (Mantoux), RX de tórax e história de exposição prévia.

Todo paciente candidato a receber um anti-TNF deveria ser avaliado para tuberculose latente antes do início de seu uso.

Um grande complicador para o diagnóstico de tuberculose latente em portadores de AR é a anormalidade da função imune celular observada nesses doentes. Pacientes com AR apresentariam uma incapacidade de produção de resposta adequada ao material inoculado, mesmo se infectados pelo bacilo da tuberculose.

Para verificar o protocolo de investigação de TB em candidatos à terapia com anti-TNF, acessar o site da Sociedade Brasileira de Reumatologia (www.reumatologia.org.br).

Autora: Prof. Dra Maristela Adamovski

Instagram: @maris_imuno

Confira o vídeo: