Farmacologia

Uso de isotretinoína e depressão: existe relação? | Colunista

Uso de isotretinoína e depressão: existe relação? | Colunista

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Introdução

A acne vulgaris é uma doença genético-hormonal que se caracteriza por inflamação crônica pilossebácea e afeta entre 85 e 100% da população geral. É a doença dermatológica mais prevalente no mundo inteiro e pode causar grande impacto na qualidade de vida (depressão, ansiedade, baixa autoestima, fobia social e até tentativas de suicídio) e no sistema socioeconômico do país.

A doença pode se apresentar como comedões, pápulas, pústulas e lesões nodulocísticas com possibilidade de evoluir com abscessos e cistos intercomunicantes, com frequente formação de cicatrizes, principalmente em face, pescoço, tórax e costas.

A maior incidência ocorre em uma população jovem, que costuma ser emocionalmente mais fragilizada (sugestão: citar que a incidência em jovens entre 12 e 14 anos é por volta de 85% no início da discussão).

O tratamento mais efetivo para os casos graves ou refratários de acne é a isotretinoína, um ácido derivado da vitamina A, que interrompe todos os processos de formação das lesões (sugestão: dizer quais são os processos na discussão: redução da produção de sebo, normalização da descamação do folículo, inibição da proliferação de microrganismos e ação anti-inflamatória ).

Entretanto, além dos efeitos adversos do fármaco, tem sido observada uma relação entre o uso de isotretinoína e o aumento do risco de depressão, ideação suicida e suicídio, apesar desse assunto ainda ser controverso.
O objetivo deste artigo é investigar a relação entre a isotretinoína e os distúrbios psiquiátricos por meio da revisão da literatura internacional, haja vista a quantidade restrita de artigos sobre este tema na literatura brasileira.

Métodos

Para a construção deste artigo, pesquisas foram realizadas nas plataformas PubMed, Capes e Google Scholar. Utilizou-se filtro temporal para até 15 anos anteriores em língua inglesa e portuguesa. As palavras-chave usadas foram: isotretinoin, depression, isotretinoína e depressão.

Os critérios de inclusão estabelecidos foram metanálises, revisões, estudos transversais e longitudinais, e comentários com foco na relação entre o uso de isotretinoína e transtorno depressivo. Como critérios de exclusão, utilizou-se: artigos com foco em outras consequências ou complicações relacionadas com o uso da isotretinoína e relatos de caso

Discussão

Definição e fisiopatologia da acne (AZULAY):

As lesões da acne se instalam nos folículos pilossebáceo e a origem dessas lesões está relacionada a quatro fenômenos:

  • Aumento da secreção sebácea (devido ao estímulo à lipogênese e consequente hiperplasia das glândulas sebáceas);
  • Ceratose do canal folicular, com estreitamento do canal e retenção do sebo (comedogênese);
  • Colonização do ducto sebáceo por bactérias;
  • Inflamação local.

As glândulas sebáceas têm maior atividade na época da puberdade, devido à ação hormonal androgênica. A testosterona é transformada, na célula sebácea, em diidrotestosterona (por intermédio da enzima 5 alfa redutase), que se liga a determinados receptores proteicos e estimula a lipogênese nas glândulas sebáceas, o que causa a hipertrofia da glândula.

O produto das glândulas sebáceas é o sebo, que lubrifica a parte externa da pele e forma o manto lipídico que a protege física e quimicamente. O processo da formação de lesões acneicas começa com a hiperssecreção do sebo, por efeito hormonal (principalmente da testosterona).

A metabolização da testosterona pela célula sebácea parece ser geneticamente determinada, o que explica o fato de que, na maioria das vezes, os níveis plasmáticos de testosterona estejam dentro dos parâmetros da normalidade. A comedogênese ocorre devido à retenção do sebo produzido em maior quantidade pela glândula sebácea.

Essa retenção de sebo favorece a proliferação de cocos aeróbios, leveduras e bactérias gram-positivas (stafilococcus). Tais microrganismos produzem lipases que agem sobre os triglicerídeos do sebo e formam os ácidos graxos livres, que são irritativos para a pele. A reação inflamatória se instala, então, com recrutamento de células imunológicas a partir do reconhecimento de patógenos no interior do ducto sebáceo.

O risco de desenvolvimento de depressão com o uso de isotretinoína em pacientes com acne tem sido um tema de debate há muito tempo. Tal associação ainda é controversa, embora já tenha sido fortemente evidenciada em diversos estudos.

Alguns autores referem que a acne em si é um fator de risco independente para a depressão e que o tratamento com a isotretinoína poderia reduzir os sintomas depressivos causados pelo quadro acneico. Já outros autores defendem que a prescrição de isotretinoína esteja relacionada a um aumento dos casos de depressão e de suicídio, principalmente devido às alterações dopaminérgicas e serotoninérgicas que esse medicamento pode causar no sistema nervoso central.

No entanto, os estudos mostram resultados divergentes, tanto devido às diferentes características do estudo (prospectivo, retrospectivo) quanto às variáveis de duração do tratamento, dose de isotretinoína e escalas de depressão utilizadas em cada caso.

A isotretinoína é um retinóide sintético derivado da vitamina A. É um isômero do ácido retinóico com meia vida mais longa. Embora a vitamina A seja importante para o desenvolvimento e funcionamento do sistema nervoso central, o excesso de vitamina A tem causado letargia, depressão, ciclotimia, insônia e hipersonia, alterações dermatológicas, queda de cabelo, irritabilidade e psicose.

Tais fatores podem explicar, em um contexto biológico, as influências que a isotretinoína tem no desenvolvimento de depressão. Teoricamente, a isotretinoína pode causar alterações no SNC pois é capaz de ultrapassar a barreira hematoencefálica.

São descritas alterações no funcionamento do hipocampo, corpo estriado, córtex frontal e orbitofrontal (extremamente relacionado com a depressão) com o uso de isotretinoína, embora esses efeitos possam ser causados de forma indireta, ou seja, por meio da alteração de sistemas dopaminérgicos e serotoninérgicos.

Alzoube e colaboradores descreveram que um polimorfismo do alelo rs9303285, responsável pela alteração dos receptores alfa do ácido retinóico, é um fator protetor para o desenvolvimento de depressão em pacientes que utilizam isotretinoína. Bremner et al. descobriram que o uso de isotretinoína esteve associado com a diminuição do metabolismo cerebral principalmente no córtex orbitofrontal, fato relacionado à origem dos sintomas depressivos.

Por fim, O’Reilly et al. provaram que a isotretinoína é capaz de alterar os níveis intracelulares de serotonina e de aumentar a quantidade de bombas de recaptação de serotonina in vitro. Diante dessas descobertas, houve maior suspeita de que a isotretinoína poderia causar depressão e ideação suicida.

Segundo Magin et al. (2015), os índices numéricos de depressão são superiores na população que possui acne, quando comparada à população geral. Grande parte dos pacientes acometidos pela acne vulgar grave são jovens, e algumas metanálises mostram que tais pacientes podem ter melhorado dos sintomas depressivos (causados pelo quadro acneico) após o tratamento da acne, e que o uso da isotretinoína não contribuiu para o desenvolvimento de depressão, ou seja, o fato da acne grave estar associada a transtornos psicológicos faz com que a isotretinoína tenha o potencial de amenizar esses efeitos deletérios, ao invés de causar prejuízo.

É possível que o tratamento da acne severa com isotretinoína melhore os sintomas depressivos causados pelo próprio quadro acneico, porém tal argumento pode obscurecer o fato de que a isotretinoína afeta negativamente uma parcela dos pacientes.

Além disso, muitos estudos foram realizados com adolescentes, um grupo conhecido por sua maior prevalência de depressão; ademais, pacientes com acne severa, aos quais o tratamento com isotretinoína está indicado, possuem risco aumentado de desenvolvimento de depressão devido à acne em si.

Isso dificulta a identificação de pequenos aumentos na incidência de depressão, quando esta ocorre. Os estudos que envolveram a interrupção do tratamento com a isotretinoína e a sua reintrodução destacaram uma possível reação idiossincrática em relação ao fármaco. Além disso, esses estudos reportaram que quanto maior a dose de isotretinoína, maior o risco de desenvolvimento de depressão.

Em contrapartida, a análise de diversos estudos retrospectivos sugeriu que o uso de isotretinoína em pacientes com acne pode ter aumentado rapidamente o risco de desenvolvimento de depressão. Tais estudos mostraram que os quadros de depressão e os episódios de suicídio geralmente ocorreram entre 1 a 2 meses após o início do tratamento, o que sugere que haja envolvimento de mecanismos biológicos secundários, vias metabólicas e bioquímicas ou processos de neuroplasticidade influenciados pela maior concentração de ácido retinóico no organismo.

Tais estudos sugerem que seja feito o aconselhamento e acompanhamento os pacientes que desejam iniciar ou que iniciarão o uso da medicação.
Desde 1982 (ano em que a isotretinoína foi introduzida no mercado), 432 casos de depressão, ideação suicida e tentativas de suicídio associados ao uso de isotretinoína foram reportados ao FDA (Food And Drug Administration).

Trinta e sete pacientes cometeram suicídio e 110 pacientes necessitaram de tratamento imediato para depressão. Os relatos de caso têm mostrado não apenas uma relação temporal entre o início do tratamento com isotretinoína e o desenvolvimento de depressão, mas também a cessação dos sintomas depressivos assim que o tratamento com isotretinoína foi interrompido, e a recidiva dos sintomas quando a isotretinoína foi reinserida.

Estudos retrospectivos e prospectivos mostraram que a associação entre a isotretinoína e a depressão pode ser verdadeira, porém a maioria desses estudos não se encaixa nos critérios ideais para que tal associação seja confirmada. Estudos prospectivos, controlados, randomizado e duplo-cego seriam ideais para que a evidência dessa associação seja estabelecida.

O FDA recomendou que esses estudos fossem feitos dessa maneira, porém constatou, um tempo depois, que seria difícil realizar um estudo duplo cego devido à secura da pele associada ao uso de isotretinoína.

De uma maneira geral, parece que certos pacientes possuem um risco maior de desenvolverem depressão após o uso de isotretinoína, especialmente aqueles com história pessoal ou familiar de distúrbios psiquiátricos, porém mais estudos são necessários para identificar quais pacientes se beneficiariam do encaminhamento a um psiquiatra assim que o uso de isotretinoína for iniciado. É preciso rastrear sintomas depressivos em todos os pacientes em uso de isotretinoína, e encaminhar esses pacientes imediatamente a um psiquiatra quando esses sintomas forem percebidos.

Conclusão

Portanto, está claro que existe uma associação entre o uso de isotretinoína e depressão. Em pacientes com acne severa, parece que a isotretinoína melhora sintomas da depressão causada pelo próprio quadro de acne. No entanto, em um grupo de pacientes, especialmente aqueles com história pessoal ou familiar de depressão, a isotretinoína pode piorar os sintomas da depressão ou até causá-la.

É importante buscar os fatores de risco do paciente para que os pacientes em maior risco de desenvolverem depressão sejam identificamos pelos dermatologistas (possivelmente por meio da realização de questionários sobre sintomas depressivos por parte dos dermatologistas).

Embora atualmente não exista uma conclusão sobre o assunto, dermatologistas que perceberem sintomas de depressão após o início da terapia com isotretinoína em seus pacientes devem encaminhá-los imediatamente a um psiquiatra, e a abordagem deve ser multidisciplinar.

Embora seja de suma importância a investigação de história familiar ou pessoal de depressão, o tratamento com isotretinoína não deve ser negado para aqueles pacientes com fatores de risco para depressão e que apresente acne severa. São necessários mais estudos prospectivos controlados para verificar esses achados.