Residência Médica

Vasculites Sistêmicas Primárias

Vasculites Sistêmicas Primárias

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Vasculite é o termo dado ao processo inflamatório que acomete a parede de um vaso sanguíneo. Essa inflamação por sua vez pode ser primária, quando é idiopática, ou secundária, relacionada a outra doença autoimune como Lúpus Eritematoso Sistêmico, Artrite Reumatóide, Síndrome de Sjogren ou doenças infecciosas, neoplásicas e induzida por medicamentos. Uma outra classificação se faz com relação ao acometimento, limitado a um órgão apenas, ou sistêmico.

Neste capítulo abordaremos as vasculites sistêmicas primárias. Pelo seu caráter sistêmico, são doenças que causam muitos sintomas constitucionais como mialgia, febre e perda de peso, além de elevação de provas de atividade inflamatória e sinais laboratoriais de inflamação crônica como anemia e plaquetose.

Já o diagnóstico é desafiador até para os especialistas visto a raridade destas condições e a falta de um exame patognomônico, é como juntar um quebra- -cabeças. Na presença de forte suspeição, o tratamento deve ser realizado o mais precoce possível principalmente em casos graves, mesmo quando não se possui ainda o resultado do anatomopatológico.

Após ler este capítulo, você tenderá a “ver” mais vasculites, mas fique atento, um dos motivos mais comuns de avaliação reumatológica é pela suspeita de vasculite e, na grande maioria das vezes, o reumatologista aponta para um diagnóstico muito mais frequente e plausível como por exemplo aterosclerose, um dos grandes mimetizadores das vasculites.

CLASSIFICAÇÃO

A classificação mais conhecida das vasculites primárias é a da Conferência de Chapel Hill 1994 que classifica de acordo com o tamanho do vaso acometido. Fato que esta classificação é antiga e contempla apenas 10 tipos de vasculites.

Em 2012 a nova Conferência de Chapel Hill atualizou e ampliou a classificação, englobando as de vasos variáveis, acometimento limitado e causas secundárias.

Apesar de ser utilizada para fins didáticos, a classificação de Chapel Hill auxilia pouco na prática clínica e induz a erros no raciocínio diagnóstico, primeiro porque as vasculites não acometem exclusivamente um calibre de vaso e sim preferencialmente, e segundo porque parte do princípio final da sua investigação e não do quadro clínico do paciente.

A melhor maneira de se classificar uma vasculite é do começo, ou seja, a partir do quadro clínico apresentado pelo paciente, conseguimos ter uma noção do calibre preferencial dos vasos acometidos e se inicia o raciocínio diagnóstico.

FISIOPATOLOGIA

A fisiopatologia das vasculites é complexa e algumas delas possuem mais de um mecanismo fisiopatológico envolvido, portanto não é possível raciocinar de forma uniforme. Para fins didáticos dividimos os mecanismos e as principais vasculites relacionadas.

MECANISMO TIPO I: PARTICIPAÇÃO EOSINÓFILO, MASTÓCITO E IGE

GRANULOMATOSE COM POLIANGIÍTE EOSINOFÍLICA

Nessa vasculite a resposta TH2 está exacerbada e a TH1 suprimida. A degranulação do mastócito com liberação de histamina e serotonina, processo que atrai eosinófilos, ocorre após a ligação do antígeno ou alérgeno em sua IgE específica localizada na superfície do mastócito.

MECANISMO TIPO II: ANTICORPO CONTRA ANTÍGENO CELULAR

VASCULITES ANCA

A produção de citocinas inflamatórias leva a ativação de neutrófilos que translocam para a superfície celular seus grânulos azurófilos citoplasmáticos, dentro dos quais estão os antígenos proteinase 3 (PR3) e a mieloperoxidase (MPO).

Paralelamente, o linfócito B produz um autoanticorpo conhecido como ANCA, que reconhece o MPO e PR3 expressados na superfície do neutrófilo. A interação entre ANCA-neutrófilo leva a expressão de moléculas de adesão resultado na ligação neutrófilo-endotélio.

MECANISMO TIPO III: MEDIADO POR IMUNOCOMPLEXOS

POLIARTERITE NODOSA

Ocorre formação de imunocomplexos (antígeno+anticorpo) que se ligam ao receptor da membrana endotelial, ativam complemento pela via clássica e liberam anafilotoxinas, responsáveis pela atração de neutrófilos os quais por sua vez liberam enzimas proteolíticas e cursam com necrose fibrinóide do vaso.

MECANISMO TIPO IV: PARTICIPAÇÃO DO LINFÓCITO T

ARTERITE DE TAKAYASU

Compreende em uma reação autoimune mediada por linfócitos T com ativação macrofágica e produção de citocinas, em que a lesão inicial é granulomatosa e vai desde a adventícia até a camada média, com porta de entrada pelo vaso vasorum. Com a progressão do processo inflamatório ocorre estenose e oclusão arterial, causando os sinais e sintomas da doença. Também são achados frequentes a presença de aneurismas e dilatações vasculares que são decorrentes da ação de proteases. A produção exagerada de citocinas inflamatórias é responsável pelos sintomas constitucionais.

ARTERITE DE CÉLULAS GIGANTES (ARTERITE TEMPORAL)

Assim como a arterite de Takayasu, na arterite de células gigantes (ACG) os linfócitos T e macrófagos penetram pela vaso vasorum. Histopatologicamente existem 2 tipos de lesão típicas da ACG:

Granulomatosa com infiltrado mononuclear e presença de células gigantes, que se extende da camada interna até a camada média.

Pan-arterite com infiltrado misto (macrófago linfócito e alguns eosinóflos).

Possui associação com HLA, o mesmo subtipo da Artrite Reumatóide, DRB1. A idade é o principal fator etiológico na ACG. O nível da enzima DNA metiltransferase 1, responsável pela metilação do DNA, diminui com a idade e, associado a alterações vasculares da senescência e aumento de citocinas inflamatórias cria um ambiente propício para arterite.

VASCULITES DE GRANDES VASOS

ARTERITE DE CÉLULAS GIGANTES (ARTERITE TEMPORAL)

INTRODUÇÃO E EPIDEMIOLOGIA

Trata-se da vasculite primária mais comum. Acomete médios e grandes vasos e afeta preferencialmente mulheres (2 a 3X mais que homens) com mais de 50 anos de idade. Possui predileção pela aorta ascendente e seus ramos vertebral, subclávia e extracraniano da carótida (uma delas é a artéria temporal). O fator de risco mais significativo é a idade acima de 50 anos.

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

Pacientes com ACG geralmente apresentam sintomas constitucionais inicialmente como febre, perda de peso, adinamia, mialgia. A cefaleia é o sintoma mais comum ao passo que o mais específico da ACG é a claudicação de mandíbula. A cefaleia é decorrente de acometimento da artéria temporal, geralmente de forte intensidade, pode ser aguda ou subaguda, localiza-se na região temporal e pode estar associada a um aumento de sensibilidade do couro cabeludo. Já a claudicação mandibular é descrita como uma dor na musculatura masseteriana durante a mastigação.

40 a 50% dos pacientes com ACG possui Polimialgia Reumática (PMR) associada, curiosamente dos pacientes que possuem PMR apenas 10 a 20% estão associados a ACG. A PMR é caracterizada pela presença de dor e rigidez das cinturas escapulares e pélvicas. Os ombros são mais afetados que os quadris e geralmente é bilateral. A rigidez é intensa pela manhã. Associa-se a elevação de provas de atividade inflamatória, porém níveis de cpk e biópsia muscular são normais. Alguns autores acreditam que a PMR seja um espectro mais leve da ACG, porém não é consenso e ainda não está elucidado.

Apesar da ACG acometer preferencialmente ramos extra-cranianos, sua complicação mais temida, a amaurose, é decorrente de arterite da ciliar posterior um ramo da artéria oftálmica (intra-craniano). A amaurose pode ser fugaz ou permanente e deve ser tratada agressivamente pelo seu pontencial de irreversibilidade.

30% dos pacientes pode apresentar acometimento da aorta e seus ramos, fazendo diagnóstico diferencial com Arterite de Takayasu.

EXAME FÍSICO

Deve-se palpar os pulsos periféricos e aferir a pressão arterial dos 4 membros além de palpar a artéria temporal buscando por dor, diminuição de pulso, nodulações, dilatação e tortuosidades. A ausculta precordial, axilar e carotídea é realizada a procura de sopros.

EXAMES COMPLEMENTARES E DIAGNÓSTICO

Encontra-se níveis elevados de VHS e PCR, anemia de doença crônica e plaquetose.

A ressonância magnética e a ultrassonografia de ombros e quadris na PMR evidencia bursite e sinovite. Já para ACG o ultrassom de artéria temporal pode identificar o “sinal do halo” que é a tradução do espessamento do vaso. A angiorresonância e angiotomografia tem seu papel na identificação de acometimento de aorta e seus ramos. Também tem se usado a ultrassonografia de carótidas e axilares.

O padrão-ouro para diagnóstico de ACG é a biópsia de artéria temporal, evidenciando um dos 2 tipos de lesão típicas da ACG:

Granulomatosa com infiltrado mononuclear e presença de células gigantes, que se extende da camada interna até a camada média.

Pan-arterite com infiltrado misto (macrófago linfócito e alguns eosinóflos).

Existem critérios classificatórios de ACG que são utilizados para auxílio diagnóstico na prática clínica.

TRATAMENTO

PMR

Geralmente se usa 10 a 20 mg de prednisona ao dia com melhora dramática dos sintomas. Em caso de recidiva no desmame da corticoterapia pode-se usar Metotrexate como poupador de corticoide.

ACG

Na presença de forte suspeita de ACG deve-se iniciar prednisona 1 mg/kg, exceto casos em que há amaurose, no qual está indicado tratamento mais agressivo com pulsoterapia com metilprednisolona por 3 dias. De maneira alguma devemos retardar o início do tratamento para aguardar a biópsia de artéria temporal. As alterações anatomopatológicas permanecem 2 semanas após o início do corticoide. A resposta ao tratamento é muito favorável e o desmame do corticoide é lento e gradual em 6 meses. Metotrexate é a droga de escolha como poupador de corticoide, recomendado em casos de reicidiva durante o desmame do corticóide. Também pode-se usar leflunomida ou azatioprina. O uso de AAS 100 mg ao dia também é recomendado como terapia adjuvante.

ARTERITE DE TAKAYASU (SÍNDROME DO ARCO AÓRTICO)

INTRODUÇÃO E EPIDEMIOLOGIA

A arterite de takayasu (TA) é uma vasculite de grandes vasos que acomete aorta e seus ramos e artéria pulmonar. É conhecida por acometer mulheres (9 vezes mais que homens) entre 20 e 30 anos, porém pode aparecer em crianças e adolescentes. Trata-se de uma doença com curso oscilável entre períodos de atividade e remissão

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

Pode se iniciar com sintomas constitucionais e inespecíficos o que geralmente atrasa o diagnóstico, uma vez ser confundido com outras doenças e também por remitir espontaneamente durante os períodos de atividade. Conforme a doença progride se iniciam sintomas mais típicos como claudicação de membros, carotidínea e alterações em exame físico como diminuição de pulso e assimetria de pressão arterial, é nesse estágio que a maioria dos pacientes é diagnosticado.

A artéria mais envolvida é a subclávia esquerda que traduz clinicamente a perda de pulso radial. O envolvimento de carótidas e coronárias podem trazer quadros graves e fatais como acidente vascular cerebral e infarto agudo do miocárdio respectivamente. Os ramos da aorta ascendente são mais acometidos que a descendente, neste é particularmente típico a estenose de artérias renais levando a hipertensão renovascular. Uma outra manifestação abdominal que pode ocorrer é a isquemia mesentérica causando dor abdominal claudicante. A injúria da artéria pulmonar pode chegar a 50%, porém o habitual é que seja assintomático. Histopatologicamente trata-se de uma vasculite granulomatosa da adventícia até a camada média causando estenose, oclusão, ectasia e formações aneurismáticas nas artérias envolvidas.

EXAME FÍSICO

O exame físico em pacientes em estágio muito inicial de doença pode ser normal pois ainda não houve estenose com significância clínica, porém pacientes diagnosticados nessa fase são raros. Geralmente o que encontramos é hipertensão, assimetria de pulso e pressão arterial em membros, sopro a ausculta precordial ou em subclávia e carótida.

EXAMES COMPLEMENTARES E DIAGNÓSTICO

Os exames laboratoriais não apresentam nenhuma alteração específica a não ser aumento de provas de atividade inflamatória, anemia de doença crônica e plaquetose na fase aguda, mas podem estar normais caso a doença esteja em remissão no momento da avaliação.

O seguimento do paciente com AT é complexo pois trata-se de uma doença com alto potencial reicidivante e não há um método prático e que seja 100% confiável para avaliação de atividade. As provas de atividade inflamatória apesar de serem usadas de rotina com esta finalidade infelizmente só tem correlação com atividade de doença em 50% dos casos. Um outro parâmetro que levamos em consideração nas consultas é a clínica (aparecimento de claudicação ou piora da mesma, sintomas de baixo débito, piora dos níveis pressóricos) e o exame físico (pulso diminuído novo ou ausência do mesmo).

Os exames de imagem auxiliam tanto no diagnóstico quanto no seguimento dos pacientes. A angiotomografia de aorta e seus ramos geralmente é o primeiro exame a ser solicitado, pela sua praticidade, custo e disponibilidade e mostra estenose, oclusão e dilatação aneurismática de artérias tipicamente acometidas como aorta, subclávia, carótida comum. Já a angiorressonância consegue dar informações adicionais como a presença de edema (arterite) na parede dos vasos em questão. Um exame que vem sendo utilizado com maior frequência é o PET CT e indica-se nos casos em que se quer avaliar atividade metabólica celular, porém trata-se de um método indisponível em muitos serviços e de alto custo. O ecocardiograma transtorácico auxilia no diagnóstico de insuficiência aórtica.

Existem critérios classificatórios para TA que são utilizados na prática para auxílio diagnóstico.

Os principais diagnósticos diferenciais são outras aortites (ACG, síndrome de Cogan, sífilis, AR, LES, doença de Behçet) aterosclerose, doenças do colágeno como Marfan e Ehler Danlos, coarctação de aorta.

TRATAMENTO

O tratamento se inicia com doses de prednisona de 1 mg/kg/dia associado ao metotrexate, este é associado ao corticoide já no início, pois trata-se de uma doença muito reicidivante. Outros imunossupressores que podem ser usados: azatioprina, ciclofosfamida, micofenolato mofetil e leflunomida. Lembrar que o tratamento adjuvante com anti-hipertensivos, AAS e hipolipemiantes é extremamente importante para evitar piores desfechos.

PROGNÓSTICO

Diferente da arterite de células gigantes que tem uma resposta favorável ao tratamento e não tende a recorrência, a AT é reicidivante e não temos uma ferramenta padrão ouro para identificar atividade de doença, portanto o prognóstico não é animador. Muitos pacientes têm impacto em suas vidas diárias decorrente de sequela da doença. As principais causas de morte são insuficiência cardíaca e acidente vascular cerebral.

DICA: A arterite de Takayasu é uma doença sem etiologia definida, mais frequente em mulheres jovens, compromete a aorta e seus ramos, cursando com estenoses e oclusão de troncos supra-aórticos, podendo levar a sintomas isquêmicos no território carotídeo, vertebrobasilar e de membros superiores.

VASCULITES DE MÉDIOS VASOS

POLIARTERITE NODOSA (PAN)

INTRODUÇÃO E EPIDEMIOLOGIA

Trata-se de uma vasculite necrosante mediada por imunocomplexos que acomete preferencialmente vasos de médio calibre, mas pode acometer vasos pequenos com a característica marcante de poupar vênulas, arteríolas e capilares, ou seja, não causa glomerulonefrite nem hemorragia alveolar.

A idade média de acometimento é por volta de 50 anos de idade, preferencialmente homens (1,5 vezes mais que mulheres). A maioria dos casos de PAN é idiopático, porém pode estar associado a vírus da Hepatite B (associação mais comum), Hepatite C, HIV e leucemia de células pilosas.

Além da forma sistêmica, a PAN possui outra variante clínica, que é limitada a pele, chamada de PAN cutânea.

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

A presença de sintomas constitucionais é extremamente comum na PAN (90%) seguido por mononeurite múltipla e neuropatia periférica. Outro sistema muito envolvido em 60% dos casos é o cutâneo através de úlceras, livedo reticular, púrpura palpável, nódulos e necrose de extremidades.

O acometimento renal ocorre em metade dos casos e é decorrente de vasculite de artéria renal e ramos intrarrenais. Não há glomerulonefrite, mas insuficiência renal e hipertensão. Angina intestinal é comum por arterite de mesentérica. Apesar de descreverem a dor testicular (orquite) como característico de PAN, ela está presente apenas em 20% dos casos.

Ocorre mialgia com miosite e elevação dos níveis de CPK porém que não chegam aos níveis das miopatias inflamatórias.

EXAME FÍSICO

Ao exame físico pode ser encontrado hipertensão arterial, mão ou pé caídos decorrente de mononeurite múltipla, fraqueza muscular, púrpura palpável, nódulos e úlceras cutâneas. Os pulsos periféricos encontram-se preservados.

EXAMES COMPLEMENTARES E DIAGNÓSTICO

É muito comum o aumento de provas de atividade inflamatória na PAN e por poder ter associação com etiologia infecciosa é mandatório sorologias para hepatite B, hepatite C e HIV. Também pode encontrar consumo de complemento por ativação da via clássica pelos imunocomplexos. Alterações leves no exame de urina I pode ser encontrado como proteinúria e hematúria, mas não cilindros hemáticos (forte evidência de glomerulonefrite).

Na presença de mononeurite múltipla deve-se realizar eletroneuromiografia e biópsia de nervo sural. Já no caso de miosite os níveis de CPK auxiliam e pode-se realizar biópsia muscular. Os locais mais habitualmente biopsiados na PAN são: nervo sural, muscular e cutâneo. Lembrar que devemos biopsiar locais clinicamente sintomáticos. Histopatologicamente a alteração encontrade é de necrose fibrinóide vascular.

Para investigação de acometimento vascular abdominal pode-se utilizar arteriografia (melhor para evidenciar microaneurismas) ou angiotomografia.

TRATAMENTO

A escolha do melhor esquema terapêutico na PAN depende de dois aspectos:

1. Quadro clínico apresentado pelo paciente: caso apresente pelo menos 1 dos aspectos seguintes é considerado fator preditor de aumento da mortalidade ou acometimento de órgão nobre (PAN grave).

  • Insuficiência renal
  • Mononeurite múltipla
  • Envolvimento gastrointestinal
  • Sintomas cardíacos
  • Idade > 65 anos

2. Presença de Hepatite B.

  • PAN leve (ausência de fator preditor de mortalidade e acometimento de órgão nobre): prednisona 1 mg/kg/dia associado a Metotrexate.
  • PAN grave: pulsoterapia com metilprednisolona por 3 dias associado a ciclofosfamida 1 vez ao mês por 6 a 12 meses.
  • PAN associada ao vírus da hepatite B: iniciar prednisona 1 mg/kg/dia seguido por plamáferese e tratamento antiviral com lamivudina ou interferon.

DOENÇA DE KAWASAKI (DK)

INTRODUÇÃO E EPIDEMIOLOGIA

É uma vasculite necrosante de médios vasos de caráter auto-limitado com predileção pelas artérias coronárias. A principal causa de óbito decorre de aneurismas coronarianos gigantes, complicação mais grave da doença. Trata-se da segunda síndrome vasculítica mais comum da infância, acomete preferencialmente o sexo masculino (2:1) abaixo dos 5 anos de idade.

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

O quadro febril está presente em 100% dos casos nos primeiros 10 dias e ocorre por no mínimo 5 dias e resolve espontaneamente mesmo sem tratamento em 20 dias. A febre geralmente é alta e cessa por curto período com uso de antipiréticos.

As outras manifestações clássicas da DK incluem o exantema polimorfo em tronco e membros, alterações nos lábios e cavidade oral (fissuras, língua em framboesa, lábios edemaciados e avermelhados), hiperemia conjuntival bilateral e não purulenta, adenomegalia cervical e edema doloroso de mãos e pés com ou sem eritema pupúrico de palmas e plantas.

EXAMES COMPLEMENTARES E DIAGNÓSTICO O

diagnóstico é clínico e realizado por meio dos critérios diagnósticos da Associação Americana de Cardiologia (AHA). A presença de febre é obrigatória, por mais de 5 dias, associada a 4 dos 5 critérios.

Em lactentes pode ocorrer DK incompleta a qual não preenche os critérios diagnósticos e, nesses casos, para que não haja retardo no tratamento, usamos as alterações encontradas nos exames laboratoriais para reforçar o diagnóstico.

Exames laboratoriais mostram elevação de provas de atividade inflamatória, AST e ALT, anemia de doença crônica, leucocitose com predomínio de neutrófilos, plaquetose, piúria estéril. A presença de hiponatremia está associada a presença de aneurisma coronariano.

O ecocardiograma deve ser realizado para rastreio de aneurisma coronariano no diagnóstico, 2 semanas após e 6 semanas.

TRATAMENTO

Uma a cada 5 crianças desenvolve aneurisma de coronária e este risco reduz drasticamente quando usado imunoglobulina endovenosa em até 10 dias do início da febre. O uso de AAS e corticoide não impacta no desenvolvimento dessa complicação.

O tratamento inicial é feito com gamaglobulina 2g/ kg em infusão contínua por 10 horas. O alvo do tratamento é a cessação da febre. O AAS é usado como adjuvante, em altas doses, 80 a 100 mg/kg/dia até resolução da febre, comprovação de ausência de aneurisma, normalização de VHS e PCR e plaquetas. O uso de corticoides é feito nos casos refratários.

VASCULITE DE VASOS VARIÁVEIS

SÍNDROME DE BEHÇET

INTRODUÇÃO, EPIDEMIOLOGIA E ETIOLOGIA

A Síndrome de Behçet (SB) é uma doença sistêmica caracterizada por ulcerações orais e genitais recorrentes associados a fenômenos de vasculite neutrofílica de vasos variáveis arteriais e venosos. Afeta adultos jovens entre 25-35 anos, sem predileção pelo sexo, apesar de homens terem manifestações mais graves da doença.

Possui distribuição endêmica na antiga Rota da Seda, variando de 30 a 370 casos a cada 100 mil indivíduos na Turquia. Em torno de 80% desses indivíduos mostraram prevalência de HLA B51.

Apesar da associação HLA, a etiologia da SB ainda é desconhecida.

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

As manifestações cutâneo-mucosas são as mais comuns, com aparecimento de úlceras bipolares (genitais e orais) recorrentes e duração de 2 a 6 semanas. As úlceras orais podem se localizar em qualquer local da orofaringe, exceto parte externa dos lábios. Já as genitais são classicamente descritas no homem na bolsa escrotal (ajuda a diferenciar de DST) e em mulheres em pequenos e grandes lábios e parede vaginal. A lesão ulcerosa característica tem mais de 0,5 cm, formato elípitico, bordas eritematosas bem delimitadas e fundo amarelo-citrino. As ulcerações podem ocorrer em qualquer local do trato gastrointestinal e fazem diagnóstico diferencial com Doença de Chron.

Síndrome MAGIC: associação de Behçet com Policondrite Reicidivante.

As lesões cutâneas características são eritema nodoso (nódulos dolorosos eritemato-violáceos em face pré tibial), pseudofoliculite e pioderma gangrenoso.

O envolvimento ocular é frequente, grave e com alto potencial de perda da funcionalidade, é mais comum em homens. Manifesta-se principalmente como uveíte posterior ou pan-uveíte ou vasculite retiniana, mas pode ocorrer a uveíte anterior. A uveíte anterior pode gerar o hipópio, pus visível a olho nu na câmara anterior.

O acometimento de sistema nervoso central geralmente ocorre em homens nos primeiros 5 anos de doença, as mais comuns são meningite asséptica reicidivante e romboencefalite com imagens focais em tronco e núcleos da base, porém pode ocorrer mielite transversa, acidente vascular cerebral, trombose venosa central.

Manifestações articulares podem ocorrer na SB, porém não tem caráter crônico, trata-se um quadro agudo de mono ou oligoartrite assimétrica em membros inferiores associado a atividade muco-cutânea.

Trombose venosa é o envolvimento vascular mais comum, com predileção pelos membros inferiores e veias supra-hepáticas. Trombose arterial também pode ocorrer com formação de aneurismas.

A mortalidade no Behçet se dá pelo acometimento de sistema nervoso central, aneurisma de artéria pulmonar e perfuração intestinal.

DICA: Uma paciente de 21 anos, branca, sem comorbidades, há 3 meses apresenta de maneira recorrente afltas dolorosas na boca e, nas duas últimas semanas, ulcerações de vulva bem mais dolorosas que as da boca. Acompanhando o quadro, notou perda de acuidade visual à direita, sendo diagnosticada recentemente com vasculite retiniana. Seu diagnóstico é doença de Behçet.

EXAMES COMPLEMENTARES E DIAGNÓSTICO

O diagnóstico de SB é clínico e os exames complementares são inespecíficos. As provas de atividade inflamatória auxiliam no acompanhamento da doença, pode haver leucocitose com neutrofilia.

Os critérios classificatórios têm sido usados para auxílio no diagnóstico clínico. O teste de patergia é opcional e consiste em avaliação de hiperreatividade cutânea com a introdução oblíqua de uma agulha estéril de grosso calibre (20 gauge) na pele e tecido subcutâneo (profundidade de 5 mm) e leitura em 24 a 48 horas. O teste é positivo caso apareça um nódulo ou pústula.

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

Os principais diagnósticos diferenciais são: doenças sexualmente transmissíveis, ulceração herpética, aftose oral recorrente, pênfigo, farmacodermia e doença de Chron.

TRATAMENTO

O tratamento da SB é direcionado para a manifestação mais grave que o indivíduo apresentar:

  • Muco-cutâneo: medicações tópicas a base de corticoide e colchicina na dose de 1 a 3 mg/ dia. Em quadros muco-cutâneos graves ou refratários pode-se usar dapsona, talidomida ou azatioprina.
  • Ocular: prednisona 1 mg/kg associado a azatioprina.
  • Neurológico ou vascular: pulsoterapia com metilprednisolona 1 grama ao dia por 3 dias e depois ciclofosfamida 1 vez ao mês por 12 meses.

Destaque: na SB os fenômenos trombóticos não devem ser tratados com anticoagulação plena isoladamente. O que realmente impacta é a imunossupressão. A anticoagulação só será feita na fase aguda e suspensa assim que controle inflamatório, tomar o cuidado em não anticoagular portadores de aneurisma de artéria pulmonar.

DICA: Um médico legista faz uma necropsia em mulher não identificada, com óbito secundário à hemoptise secundária. Ela aparenta ter entre 35 a 40 anos. Ao exame do tórax, observam-se aneurismas de artérias pulmonares, com rotura. O provável diagnóstico é doença de Behçet ou arterite de Takayasu.

SÍNDROME DE COGAN

A síndrome de Cogan (SC) é uma doença inflamatória rara caracterizada por acometimento ocular e audiovestibular. Apenas 10% desses pacientes apresentam manifestação vasculítica com aortite (aneurisma ou insuficiência aórtica).

Acomete indivíduos ao redor dos 25 anos de idade e 75% dos pacientes nos primeiros 4 meses de doença, apresentam quadro ocular associado a audiovestibular. O envolvimento ocular mais característico é a ceratite intersticial, mas pode ocorrer uveíte, esclerite e vasculite retiniana. A manifestação audiovestibular compreende em surdez neurossensorial associada a ataxia e vertigem.

O tratamento é feito com corticoide (prednisona 1 mg/kg) associado a imunossupressão (azatioprina, ciclosporina, metotrexate).

VASCULITE DE PEQUENOS VASOS

VASCULITES ANCA ASSOCIADAS

As vasculites ANCA, predominantemente acometem pequeno vasos, são necrosantes e se caracterizam pelo papel fisiotapatológico do ANCA (anticorpo anti-citoplasma de neutrófilo) e a ausência de depósito imune na parede do vaso (pauci-imune) quando realizado a imunofluorescência.

Apresentam manifestações clínicas em comum, como a glomerulonefrite e a capilarite pulmonar, que manifesta-se desde hemoptise leve até hemorragia alveolar. Por este motivo também são causas conhecidas de síndrome pulmão-rim.

Histopatologicamente, GEPA e GPA possuem, além da falta de depósitos de imunocomplexos, inflamação granulomatosa e formação de granulomas, o que as diferencia da PAM.

Como veremos adiante, as vasculites ANCA, apesar de apresentarem manifestações em comum, tem comportamentos distintos com predileção por determinado órgão e Características únicas.

VASCULITE GRANULOMATOSA COM POLIANGIÍTE (GPA)

Vasculite granulomatosa necrosante pauci-imune de pequenos e médios vasos, uma das vasculites sistêmicas mais comuns, antigamente chamada de granulomatose de Wegener. Pode ocorrer em crianças, mas é muito mais comum em adultos ao redor dos 50 anos

Cursa com ulcerações orais e nasais com descarga nasal purulenta, além de infecção recorrente de ouvido e vias aéreas superiores que não responde a antibioticoterapia. Conforme a lesão progride ocorre colapso da linha média nasal e perfuração de septo. Pode causar déficit auditivo, de condução e neurossensorial. Na boca além das úlceras orais ocorre inflamação gengival (gengiva em morango).

É uma das causas de pseudotumor retro-orbitário e paquimeningite hipertrófica. Também envolve pulmão, com formação de granulomas e cavitações ou até hemorragia alveolar, e os rins, com glomerulonefrite rapidamente progressiva. Apesar de se tratar de uma vasculite granulomatosa, o achado de granuloma no rim é raro, porém caso esteja presente é altamente provável o diagnóstico.

VASCULITE GRANULOMATOSA COM POLIANGIÍTE EOSINOFÍLICA (GEPA)

Vasculite granulomatosa necrosante de pequenos e médios vasos, rara, antigamente chamada de Churg-Strauss. Ocorre em ambos os sexos ao redor de 40 anos de idade.

As manifestações clínicas se assemelham a poliarterite nodosa, porém o que diferencia a GEPA é a marcada eosinofilia, história de atopia (asma de início ou piora recente, rinite alérgica e pólipos nasais), envolvimento pulmonar e glomerulonefrite. A presença de neuropatia periférica, mononeurite múltipla e miocardite eosinofílica (principal causa de óbito) é mais frequente do que na GPA e PAM. O infiltrado pulmonar é transitório e migratório, hemorragia alveolar não é comum. Das síndromes pulmão rim é a que menos causa glomerulonefrite.

São fatores de mau prognóstico da GEPA: início de doença com > 65 anos, sintomas cardíacos, envolvimento gastrointestinal, insuficiência renal e ausência de envolvimento de orelha, nariz e traquéia.

POLIANGIÍTE MICROSCÓPICA (PAM)

Vasculite necrosante pauci-imune de pequenos e médios vasos com ausência de inflamação granulomatosa, é a causa mais comum de síndrome pulmão-rim. Não possui predileção por sexo e acomete indivíduos entre 50 e 60 anos.

A glomerulonefrite está presente em até 100% dos casos, do tipo rapidamente progressiva, já a capilarite pulmonar em 55%. Não cursa com a formação de granulomas e além da hemorragia alveolar pode ser encontrado fibrose pulmonar e pneumopatia intersticial. Também pode ser encontrado púrpura, mononeurite múltipla e vasculite mesentérica.

EXAMES COMPLEMENTARES E DIAGNÓSTICO DAS VASCULITES ANCA

O diagnóstico das vasculites ANCA é clínico e histopatológico. Rins, pulmão, seios da face, pele e nervo periférico são locais passíveis de biópsia. Os achados histopatológicos incluem: glomerulonefrite necrosante segmentar e focal com ou sem crescentes (imunofluorescência negativa); vasculite neutrofílica com necrose fibrinóide; inflamação granulomatosa ou granuloma.

O ANCA é um dos exames que auxilia no diagnóstico das vasculites ANCA, porém se ausente não afasta o diagnóstico. Na GPA o mais comum é o C- ANCA e o mesmo está mais presente nas formas de doença generalizada chegando a 90%. Em 60% dos pacientes com GPA o C-ANCA tem relação com atividade de doença e deve ser dosado no acompanhamento. Já 40% dos pacientes com GEPA tem positividade do P-ANCA, porém não tem relação com atividade de doença, o mesmo ocorre com a PAM, em que o P-ANCA está presente em 70%. Importante lembrar que após a positivação do ANCA é válido a confirmação pelo método ELISA da presença dos auto-anticorpos anti-proteinase 3 (anti PR3) e anti-mieloperoxidase (anti-MPO) para o C-ANCA e P-ANCA respectivamente.

Na síndrome pulmão-rim a pesquisa do anticorpo antimembrana basal deve ser solicitada para auxiliar nos diagnósticos diferenciais.

Para seguimento e avaliação de atividade utiliza-se: sumário de urina com pesquisa de dismorfismo eritrocitário e relação proteína/creatinina, provas de atividade inflamatória, eosinófilos periféricos (GEPA) e C-ANCA (GPA).

TRATAMENTO DAS VASCULITES ANCA

GPA e PAM

O tratamento se divide em fase de indução (primeiros 6 meses) e manutenção (pelo menos 2 anos), já o melhor esquema terapêutico depende se doença é limitada ou sistêmica e se há acometimento de órgão nobre.

Fase de indução

  • Doença grave (órgão nobre ou sistêmica): deve-se realizar na fase de indução pulsoterapia com metilprednisolona por 3 dias associado a ciclofosfamida 1 vez ao mês por 6 meses.
  • Doença limitada, o tratamento é feito com prednisona 1mg/kg/dia associado ao metotrexate.

Fase de manutenção

  • Azatioprina ou metotrexate

Na GPA com acometimento de via aérea superior é recomendado o uso de Sulfametoxazol + Trimetoprima 1600/320 mg ao dia para reduzir taxa de reicidiva.

Casos refratários está indicado Rituximabe, uma medicação biológica anti-CD20.

GEPA

O tratamento da GEPA é semelhante ao da PAN (poliarterite nodosa).

A escolha do melhor esquema terapêutico na GEPA depende do quadro clínico apresentado pelo paciente: caso apresente pelo menos 1 dos aspectos seguintes é considerado fator preditor de aumento da mortalidade ou acometimento de órgão nobre é classificado como GEPA grave e deve receber pulsoterapia com metilprednisolona por 3 dias associado a ciclofosfamida mensal por 6 a 12 meses.

  • Insuficiência renal
  • Mononeurite múltipla
  • Envolvimento gastrointestinal
  • Sintomas cardíacos
  • Idade > 65 anos

GEPA leve (ausência de fator preditor de mortalidade e acometimento de órgão nobre): prednisona 1 mg/ kg/dia associado a Metotrexate ou Azatioprina.

Casos refratários está indicado Rituximabe, uma medicação biológica anti-CD20.

VASCULITE CRIOGLOBULINÊMICA

INTRODUÇÃO E EPIDEMIOLOGIA

Vasculite desencadeada pelo depósito de crioglobulinas, acomete vasos de pequeno e médio calibre. Quase todos os pacientes possuem fator reumatoide positivo (FR) e a pele é o órgão mais acometido, antigamente recebia o nome de crioglobulinemia mista.

O principal agente etiológico é o vírus da hepatite C, mas pode ocorrer secundário a hepatite B, HIV; auto-imunidade (principalmente LES e Sjogren) e malignidades hematológicas.

A VC predomina no sexo feminino (3:1) entre 40 e 50 anos. Estima-se que metade dos portadores de Hepatite C possuem dosagem de crioglobulinas positiva, porém desses pacientes apenas 10 % desenvolverão VC.

CRIOGLOBULINAS E ETIOPATOGENIA

Antes de falarmos de vasculite crioglobulinêmica (VC) precisamos entender o que são as crioglobulinas e quais os tipos implicados na síndrome vasculítica. Temos que ter em mente que a simples positividade das crioglobulinas não implica na vasculite crioglobulinêmica, por este motivo a nomenclatura crioglobulinemia caiu em desuso.

As crioglobulinas são imunoglobulinas que se precipitam em baixas temperaturas e voltam a se dissolver quando reaquecidas. São classificadas em três grupos de acordo com a presença ou não de FR e a clonalidade das imunoglobulinas. As do tipo I são geralmente causadas por doenças linfoproliferativas e cursam com clínica de síndrome de hiperviscosidade (fenômeno de Raynaud, isquemia de extremidades, acrocianose, cefaléia, tontura, vertigem, nistagmo, perda da audição, borramento visual, sonolência e coma). Já as do tipo II e III são mistas (mais de um tipo de imunoglobulina) com FR presente e associadas ao vírus da hepatite C, infecções crônicas e auto imunidade (Sjogren e LES). O FR é uma imunoglobulina IgM contra a fração Fc de uma IgG, sendo assim é classificado como um auto-anticorpo e potencial de formação de imunocomplexos, essenciais na fisiopatologia da VC.

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

A principal manifestação clínica da VC é a púrpura palpável, mas pode ocorrer úlceras cutâneas e isquemia de extremidades. Artralgia é a segunda manifestação mais comum, geralmente de grandes articulações e membros inferiores. Polineuropatia sensitiva ocorre em metade dos pacientes (mononeurite é menos comum) e até 20% apresentam glomerulonefrite. Tambem pode cursar com hemorragia alveolar.

A VC é vista como uma condição pré neoplásica e pacientes portadores tem risco aumentado em evoluir com linfoma.

EXAMES COMPLEMENTARES E DIAGNÓSTICO

Diante de quadro clínico suspeito deve-se realizar a dosagem de crioglobulinas e determinação do subtipo. Uma vez confirmada a presença é mandatório a solicitação de sorologias de hepatites virais (principalmente C) e HIV. A presença do FR na VC varia de 40 até 100% dependendo da casuística. Hipocomplementemia ocorre em 90% dos casos, principalmente de C4 (via clássica). O sumário de urina I com pesquisa de dismorfismo eritrocitário e proteinúria auxilia no rastreio de glomerulonefrite.

A biópsia cutânea mostra vasculite leucocitoclástica, já nos rins é visualizado glomerulonefrite membranoproliferativa com imunofluorescência positiva e depósitos granulares (semelhante a nefrite lúpica).

TRATAMENTO

O tratamento da VC deve ser direcionado para a causa base. Em casos leves de VC associados ao vírus C realiza-se apenas tratamento antiviral. Em caso de glomerulonefrite, neuropatia, ulceração cutânea, associa-se rituximabe e corticoide à terapia antiviral. Se quadros muito graves com disfunção renal importante, hemorragia alveolar, adiciona-se ao esquema plasmaférese.

Casos de VC essencial (sem causa associada) ou associado a auto-imunidade utiliza-se corticoide via oral associado a imunossupressor (azatioprina, micofenolato mofetil). Casos muito graves recebem pulsoterapia de corticóide e ciclofosfamida.

DOENÇA ANTIMEMBRANA BASAL GLOMERULAR (DAMBG)

Também conhecida como Síndrome de Goodpasture, é uma vasculite de pequenos vasos mediada por imunocomplexos, que cursa com síndrome pulmão-rim (hemorragia alveolar e glomerulonefrite). É diferenciada pela presença do anticorpo anti membrana basal e depósitos lineares a imunofluorescência da biópsia renal. Diferente das vasculites ANCA, o curso da DAMBG é monofásico.

A distribuição tem 2 picos de incidência: dos 20 aos 30 anos (homens mais acometidos que mulheres) e dos 60 aos 70 anos (mulheres mais acometidas que homens).

O alvo da DAMBG costuma ser o domínio não colágeno da cadeia α-3 do colágeno tipo IV.

Além da síndrome pulmão-rim, causa sintomas constitucionais.

O diagnóstico é feito baseado no quadro clínico, pesquisa do anticorpo antimembrana basal e biópsia renal.

O tratamento consiste em plasmaférese associado a corticoterapia e imunossupressores.

VASCULITE POR IGA

Também conhecida como Púrpura de Henoch-Scholein, a vasculite por IgA é a vasculite mais comum da infância, acomete mais meninos (1,5:1) na faixa de 3 a 8 anos.

Costuma envolver pele, articulações, rins e trato gastrointestinal. Tem curso auto-limitado em 8 semanas, porém em adultos além de prolongamento desse período, apresentam doença mais grave com complicações renais e gastrointestinais.

Metade dos casos é antecedido por infecção de vias aéreas superiores, mas existem relatos de outros triggers como medicamentos, alimentos, picadas de inseto e exposição ao frio.

As manifestações clínicas incluem em 100% dos casos o aparecimento de púrpuras palpáveis não trombocitopênicas em membros inferiores e região glútea. É comum artralgia.

Pode ocorrer dor abdominal em consequência a vasculite trato gastrointestinal, assim como melena e hemorragia retal. Os rins são acometidos através da nefropatia por IgA, com sedimento urinário sugestivo de glomerulonefrite.

O anatomopatológico evidencia vasculite leucocitoclástica com depósitos de C3 e IgA.

O tratamento em casos leves é sintomático uma vez ter curso auto-limitado. Em adultos é comum a glomerulonefrite e sinais de vasculite gastrointestinal, nesses casos potencialmente grave é indicado pulsoterapia com metilprednisolona associado a imunossupressores.

Vasculite urticariforme hipocomplementêmica

Vasculite urticariforme é o nome dado a um quadro vasculítico cutâneo que se manifesta através de urticária não pruriginosa, mas dolorosa, que permanece no mesmo local por 24 horas, podem deixar uma hipercromia ou púrpura residual e na biópsia apresenta vasculite leucocitoclástica (aspectos que permitem diferenciar da urticária comum).

A vasculite urticariforme pode ser normocomplementêmica ou hipocomplementêmica (sistema complemento consumido). A diferença é que a vasculite urticariforme normocomplementêmica não é uma vasculite sistêmica, e sim uma vasculite limitada a pele. Já a vasculite urticariforme hipocomplementemica (VUH) é sistêmica e potencialmente grave, além do acometimento cutâneo pode causar artralgia, artrite, DPOC, asma, uveíte, esclerite e glomerulonefrite. Pode ser idiopática ou associada a outras doenças como LES, Sogren, crioglobulinemia, gamopatia monoclonal, hipersensibilidade a drogas.

Na VUH acredita-se que um complexo autoanticorpo -C1q – antígeno seja responsável pela ativação do sistema complemento via clássica levando a degranulação de mastócitos pelas anafilotoxinas.

As alterações laboratoriais mostrarão consumo de C3 e C4 e aumento de provas de atividade inflamatória. Também para fins de pesquisa de doenças associadas, solicita-se auto-anticorpos como FAN, anti Dna, anti-Ro, anti-Sm, sorologias virais, eletroforese de proteínas e pesquisa de crioglobulinas. A biópsia cutânea é descrita como vasculite leucocitoclástica.

O tratamento é dirigido a doença de base e gravidade da doença. Geralmente são utilizados anti-histamínicos, corticoide e imunossupressores.

VASCULITE PRIMÁRIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL

Vasculite primária restrita ao sistema nervoso central (VPSN) que acomete pequenos e médios vasos do encéfalo e medula espinhal. O diagnóstico é desafiador uma vez que o quadro clínico não é específico, pode ser agudo ou crônico, e os exames de imagem mesmo normais não afastam o diagnóstico, o padrão-ouro é a biópsia cerebral. Pode acometer jovens a idosos.

Pode ser divida em 2 tipos: doença de vasos distais/ pequenos (angiite granulomatosa sistema nervoso central) ou vasos proximais/grandes (angiite benigna do sistema nervoso central).

A angiite granulomatosa ou primária clássica atinge mais as meninges e tem apresentação clínica crônica com cefaleia com duração de mais de 3 meses e alterações focais, cognitiva e parestesias. Nesse caso a arteriografia pode ser normal e o liquor terá pleocitose e proteinorraquia. Já a ressonância magnética mostra realce leptomeníngeo com ausência de infartos cerebrais.

A angiite benigna tem predileção pelo parênquima encefálico, um curso mais agudo, febre, cefaleia e alterações focais. A arteriografia mostra dilatações, aneurismas e estenoses. No exame de ressonância evidencia-se infartos cerebrais.

A biópsia é o padrão-ouro para VPSN e pode apresentar 3 padrões: granulomatoso, linfocítico e necrosante.

A síndrome de vasoconstrição cerebral reversível (SVCR) é o diagnóstico diferencial mais comum e a única maneira de diferenciar as duas é repetindo a arteriografia em 12 semanas, no caso da VPSN as alterações não terão revertido e na SVCR haverá reversibilidade.

O tratamento é feito com corticoterapia na forma de pulso e depois manutenção via oral, associado a imunossupressão com ciclofosfamida.

DOENÇA DE BUERGER (TROMBOANGEÍTE OBLITERANTE)

Apesar da Doença de Buerger (DB) estar no capítulo de vasculites, essa entidade não é considerada uma vasculite propriamente dita, isso porque a lesão histopatológica consiste em trombo com intenso infiltrado inflamatório e pouco infiltrado no vaso, no entanto foi por essa pouca inflamação no vaso que acabou fazendo parte do grupo das vasculites. Veremos que manifestações vasculíticas sistêmicas não ocorrem nessa doença, e a isquemia e gangrena digitais são decorrentes de oclusão trombótica.

A DB é mais comum em homens ao redor de 40 anos. O tabagismo é o fator relacionado em 100% dos casos e atua como um agente causal na doença. Pacientes que cessam o tabagismo não desenvolvem DB.

Acomete vasos de médio calibre no nível dos punhos e tornozelos, sem envolvimento de outros órgãos. Manifesta-se clinicamente com isquemia e gangrena digital de mãos e pés. A manifestação mais inicial, e que antecede a isquemia, é a tromboflebite, mas geralmente passa despercebida ou não é relatada ao médico pelo paciente.

Ao exame físico o teste de Allen palmer está alterado em 60% dos casos, indicando alteração circulatória das mãos.

Dos exames complementares, o ecocardiograma é solicitado para se afastar fenômenos cardioembólicos. A arteriografia é um método de grande auxílio e evidencia obstruções vasculares agudas intercaladas por trechos normais. Em caso de biópsia o achado é de tromboangeíte, ou seja, trombo com intenso infiltrado inflamatório e microabscessos e o vaso com pouco infiltrado.

A única intervenção eficaz do tratamento da DB é cessar tabagismo. Outras medidas com muito menos eficácia e adjuvantes que podem ser utilizadas são: ácido acetilsalicílico, bloqueadores de canal de cálcio (vasodilatação) e hipolipemiantes.