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Tendo seu nome resultado da união entre “sistema linfático” e “glia”, o sistema glinfático é uma descoberta feita em 2012 pela neurocientista dinamarquesa Maiken Nedergaard e já tem sido amplamente correlacionado aos danos cerebrais pós-AVC, lesões cerebrais traumáticas e doenças neurodegenerativas, entre elas a doença de Alzheimer e outras doenças demenciais. Sua descoberta foi feita a partir da análise do percurso liquórico in vivo, por meio da técnica de microscopia de dois fótons (onde se utiliza marcadores através de injeções intratecais). Esperava-se observar a circulação liquórica clássica que já havia sido descrita, no entanto foi identificado que, além desse percurso, ocorre também a penetração do LCR no parênquima, em seguida, a troca com o líquido intersticial e, por fim, a drenagem do LCR.
O que é?
O sistema glinfático é uma rede perivascular que age drenando resíduos tóxicos e metabólitos do SNC (como a proteína β-amiloide – que, quando acumulada, relaciona-se à fisiopatologia da doença de Alzheimer) e facilita a distribuição cerebral de compostos como aminoácidos, glicose e neuromoduladores.
Circulação liquórica
Via clássica
O LCR é produzido nos plexos coroides, localizados nos ventrículos cerebrais (majoritariamente nos ventrículos laterais) e tem uma produção média de 500ml por dia, sendo seu volume circulante de 100ml a 150ml.
Dos ventrículos laterais, ele alcança o III ventrículo a partir do forame de Monro e, por meio do aqueduto do mesencéfalo (ou aqueduto de Sylvius), chega ao IV ventrículo. Nesse local, ele pode se difundir para o espaço subaracnóideo medular, pelo forame de Magendie (abertura medial), e para o espaço subaracnóideo encefálico pelo forame de Luschka (aberturas laterais).
Ele é reabsorvido pelas granulações (ou vilosidades) aracnoides, que são projeções da membrana aracnoide, e drenam para os seios venosos, principalmente o seio sagital superior.

Nova via
O LCR presente no espaço periarterial acompanha as arteríolas e os capilares conforme ocorrem suas ramificações, penetrando no parênquima cerebral. Nesse local, o líquor se comunica com o líquido intersticial através de poros na estrutura perivascular, permitindo a passagem das moléculas de menores dimensões e sendo favorecidas pela pulsatilidade arterial, que contribui para essa saída do LCR do espaço periarterial.
Além disso, as células da glia também realizam um papel fundamental, sobretudo os astrócitos, pois, nas suas regiões mais periféricas (conhecidas como pés dos astrócitos), está presente a AQP4, uma aquaporina que possibilita a passagem de moléculas d’água. E, a partir das junções comunicantes dos astrócitos, eles se comunicam e mantêm um fluxo convectivo desde o espaço periarterial até o espaço perivenoso.
Mas atenção: o maior detalhe desse mecanismo é que o LCR que penetra no espaço perivenoso não é o mesmo que saiu do espaço periarterial, pois, durante o fluxo convectivo, ele carrega os resíduos e metabólitos que antes estavam situados no interstício e, por isso, se assemelha ao sistema linfático, sendo uma nova descoberta que explica como ocorre a drenagem no SNC.

Envelhecimento
Ao longo do envelhecimento, ocorrem mudanças físicas e metabólicas no corpo humano e algumas dessas alterações podem contribuir para o funcionamento inadequado do sistema glinfático. São exemplos disso o aumento da rigidez arterial em idosos (o que diminui a pulsatilidade e a saída do LCR para o espaço intersticial) e a hipertrofia da GFAP (proteína fibrilar ácida da glia – uma proteína de filamento intermediário expressa no SNC, muito comum em astrócitos, os quais tem a sua comunicação dificultada quando, por ela, sofre alterações estruturais). Além disso, nos estudos de Nedergaard, também se encontrou a perda da polarização perivascular das AQP4 em idosos, alterando a depuração intersticial de solutos e a troca LCR-líquido intersticial.
Uma hipótese que abre novos horizontes para pesquisas em doenças neurodegenerativas é a de que pacientes com essas doenças possam ter os mesmos acometimentos supracitados, no entanto agravados. Dessa maneira, ocorre uma drenagem deficitária que gera acúmulos prejudiciais, como no caso da doença de Alzheimer, em que são encontrados agregados de proteína tau e o acúmulo de β-amiloide.
O sistema glinfático e o sono
O sistema glinfático tem sua maior atuação durante o sono (principalmente no sono profundo, o terceiro estágio do sono não-REM). Imagens feitas a partir da microscopia de dois fótons mostram que, durante o estado de vigília, o influxo de líquor pode ser reduzido em até 90%.
Ainda não se sabe com exatidão o processo fisiológico que gera essa maior atuação durante o sono, mas a noradrenalina já tem se mostrado um importante regulador da atividade glinfática; isso, porque ela age durante a vigília, aumentando o volume intracelular e, consequentemente, diminuindo o espaço intersticial. Dessa maneira, os mecanismos hidrodinâmicos não são favorecidos para a drenagem durante a vigília, enquanto o inverso acontece durante o sono com a diminuição da noradrenalina, o que propicia a saída do LCR do espaço perivascular.
Nesse sentido, além de constatarmos a necessidade de mais estudos nessa área, mais uma vez notamos a importância de boas noites de sono para o melhor funcionamento do SNC.