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Aquele que nunca teve um momento de ansiedade, que atire a primeira pedra!” Bem, apesar da citação não ser exatamente essa, ela ilustra muito bem nosso tema de hoje: a ansiedade. Praticamente todos ficam, ou já ficaram ansiosos em algumas situações cotidianas: seja na realização daquela prova difícil, num novo emprego, num encontro…, é uma situação absolutamente normal. Mas, e quando essa ansiedade começa a ficar cada vez mais frequente e impactar nossa rotina? Quando simples situações do dia a dia começam a se tornar “aterrorizantes”? Como identificar e, mais importante, o que fazer nessas situações? É justamente isso que iremos tratar aqui hoje (além de um crossover imperdível com a Cardiologia). Here we go!
Epidemiologia dos transtornos de ansiedade
Estima-se que a prevalência global de transtornos de ansiedade (TAs) seja de aproximadamente 7,3%, tendo alta prevalência ao longo da vida e sendo mais frequentes em adolescentes e adultos jovens, principalmente do sexo feminino. Também é bastante associado a fatores como: a condição econômica e o contexto social, educacional e trabalhista no qual se está inserido (falta de aprovação social, acesso difícil aos serviços de saúde e educação, situações de desaprovação ou rechaço, entre outras); o uso de substâncias como álcool e tabaco; e acometimento por doenças crônicas e/ou incapacitantes. Tais fatores são importantes características que podem (e devem) ser levadas em consideração pelos profissionais da saúde, tanto em situações de atendimento a pessoas afetadas por esses transtornos, quanto para que possa haver a implementação de estratégias efetivas de tratamento e prevenção dos mesmos.
Fisiopatologia das crises
Antes de elencarmos as características sintomatológicas dos TAs, é importante entender como estes se desenvolvem e como se dá o seu funcionamento. Imagine a seguinte situação:
Um cervo encontra-se tranquilamente a beira de um lago, alimentando-se, quando, de repente, avista um leão já se preparando para lhe atacar. O que acontece? (10 pontos para a Sonserina se você respondeu que o cervo corre). É exatamente isso: com a ativação do seu instintivo sistema de “luta ou fuga”, o cervo reagirá correndo ou lutando. E para que isso aconteça, uma série de eventos também precisarão ocorrer: dilatação de pupilas, inibição da salivação, aceleração dos batimentos cardíacos, expansão pulmonar, inibição da atividade estomacal e sexual (afinal, ninguém precisa digerir alimentos ou se reproduzir se estiver fugindo de um leão). Esta pequena história ilustra bem o que acontece nas crises de ansiedade: há uma resposta do sistema nervoso simpático, causando as mesmas reações que foram causadas no (hipotético) cervo para que ele fugisse do leão. No caso do cervo, a reação foi benéfica para que ele salvasse sua vida. Mas e no caso de nós, seres humanos?

Fonte: https://es.amenajari.org/articles/theories/how-the-fight-or-flight-response-works
A todo momento somos expostos a situações de estresse físico e emocional, como a universidade, contas a pagar, ambientes barulhentos, entre outros, e o mecanismo de defesa do corpo é exatamente igual: ele se prepara para fugir, para “salvar nossa vida”. Infelizmente não podemos realmente fugir dessas situações, o que pode nos gerar as temidas crises de pânico, trazendo consigo: taquicardia, boca seca, respiração ofegante, dor de estômago, diminuição drástica da libido… Parece familiar, não?
TAs – Quadro clínico
A ansiedade, quando em transtorno, apresenta diversos sinais e sintomas que atrapalham o dia a dia das pessoas afetadas, das mais diversas formas. As causas dessa condição ainda não são totalmente conhecidas; porém, vários estudos apontam como principais fatores as causas ambientais, genéticas e físicas (como doenças incapacitantes). Os principais sintomas (e/ou sinais) podem ser divididos em físicos e psicológicos, e são eles:

Situações mais graves, porém, podem gerar o que nós conhecemos popularmente como “crises de pânico”. Estas podem ter, como principais sintomas: Pânico e nervosismo incontroláveis, sensação de morte iminente, taquicardia e taquipneia, tonturas, vertigens, distúrbios gastrointestinais, e rigidez muscular, principalmente nos membros inferiores e superiores. A observação desses sinais e sintomas, além de fatores de risco (abordados no próximo tópico) são fundamentais para o controle dos quadros de ansiedade e prevenção de crises mais graves. E, em casos de crise, algumas medidas podem ser tomadas a fim de reduzir os seus efeitos, tais quais: não tentar lutar contra o pânico (ou orientar a pessoa que não o faça), isso só fará piorar o sentimento de medo; recorrer às técnicas de relaxamento, como uma música que goste, meditação, ou qualquer outra que realmente tenha efeito; técnicas que podem ser usadas por alguém que esteja próximo, como uma conversa suave, uma massagem relaxante, e o controle da respiração (muito importante): profundamente, demorando aproximadamente 3 segundos a cada movimento de inspiração ou expiração (essa, inclusive, já foi testada pessoalmente várias vezes por mim).
Há também sinais bastante leves e sucintos do que o corpo pode produzir em situações de estresse e que, se bem observados, podem ser valiosíssimos na prevenção. Alguns dos sinais já relatados pela maioria das pessoas que vivenciaram situações de estresse ou crise são: tremores leves de membros ou pequenos locais no corpo (como pálpebras e lábios), dificuldade de concentração que perdura por vários dias, cansaço e sonolência excessiva, além de irritabilidade constante. Se você apresenta um ou mais desses sinais, fique atento! Talvez seja hora de parar um pouco e diminuir o ritmo.
TAs – Abordagem terapêutica
Os transtornos de ansiedade, infelizmente, não possuem cura, mas há uma série de tratamentos e técnicas que podem possibilitar uma vida completamente normal a quem sofre com esta condição.
Dentre as abordagens terapêuticas mais recomendadas, temos a Psicoterapia, que consiste na ajuda de um psicólogo para entender os fatores que desencadeiam essa ansiedade, reduzir seus sintomas e trabalhar um controle sobre os eventos que levaram a desenvolver esse problema. Há também, na mesma linha de tratamento, a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), que tem seu foco apontado para problemas específicos, como traumas, fobias, manias…, e busca resolvê-los geralmente através da técnica de exposição, onde o paciente é exposto àquela situação que lhe causa ansiedade ou medo, de modo que compreenda que é uma situação inofensiva, que não pode lhe causar mal algum.
Há também, como na maioria das outras afecções, a terapia medicamentosa que é baseada em antidepressivos, ansiolíticos ou antipsicóticos. Esses medicamentos atuam em receptores cerebrais ou neurotransmissores específicos, como a serotonina e GABA, e são recomendados para tratamentos sintomáticos, por seu bom desempenho no alívio dos sintomas; não tratam, porém, a causa dos transtornos.

Fonte: https://www.vecteezy.com
Por fim, há meios “naturais” para prevenção e tratamento das crises de ansiedade. É de extrema importância que se conheçam os fatores de risco que levam a essas crises (como excessivas jornadas de trabalho, o sedentarismo, isolamento social, abuso de substâncias como álcool, cigarro ou drogas ilícitas, ou mesmo eventos traumáticos) e os evite ao máximo. A mudança no estilo de vida é fundamental para uma boa recuperação: medidas como o controle da jornada de trabalho, a dedicação de tempo para momentos de lazer (sejam eles com a família, um novo hobbie ou até mesmo maratonar aquela série que está na lista há meses), e também a prática de atividades físicas (principalmente ao ar livre, como ciclismo ou caminhada), pois são extremamente eficazes e se apresentam como fatores de melhora significativa para todos aqueles que as praticam. Uma mudança na dieta também pode ser bastante eficaz: invista em frutas (cítricas ou banana), verduras (como o espinafre) e cereais. Esses alimentos, além de ricos em nutrientes, podem atuar diretamente nos neurotransmissores cerebrais, diminuindo os níveis de estresse e ansiedade. Outros alimentos, como peixe, leite e chocolate, também são muito úteis para reduzir os sintomas de crises.
Crossover: Como diferenciar uma crise de ansiedade de um ataque cardíaco
Antes de tudo, é importante entender o que são as arritmias cardíacas: Variações “drásticas” e sem justificativa no ritmo cardíaco, seja por variações na regularidade ou na frequência (> 100 bpm ou < 60 bpm). Essas arritmias são, geralmente, causadas por alterações dos impulsos elétricos do coração, podendo ser detectadas por exames específicos como: ECG, ecocardiograma e holter (em arritmias paroxísticas, esse diagnóstico torna-se bem mais difícil pois essas arritmias “aparecerem e desaparecerem”, não sendo detectáveis nos exames feitos quando o paciente já está bem). Alguns sintomas podem vir associados a essas arritmias, como desmaios, tonturas, parada cardíaca e até a morte. Mas, é nesse momento que vem a pergunta principal: “Ok, disso nós já sabemos. Como, então, diferenciar uma arritmia de uma crise de ansiedade?”
Para a diferenciação diagnóstica, devem ser observados “sintomas chave”, presentes com maior intensidade nos casos de ataque de pânico. São esses: dores abdominais, dores de cabeça e, o mais importante, que é a alteração de humor, o pânico, uma sensação de morte e de irrealidade. As crises de pânico geralmente têm durações entre 10 e 20 minutos, e devem sempre, em caso de dúvida, ser considerado como diagnóstico de exclusão – podendo ser realizados exames que ratifiquem a suspeita clínica, como o próprio ECG.
Conclusão
A ansiedade é uma condição normal, até que comece a afetar nosso bem estar físico e social. Com maior prevalência em jovens e adultos, preferencialmente do sexo feminino, e atrelada a diversos fatores. Dentre os seus principais sintomas estão a sensação de medo constante, taquicardia e taquipneia, distúrbios gastrointestinais e irritabilidade.
Para essa condição, várias causas são possíveis, como ambientais e genéticas, além dos fatores de risco que a desencadeiam. É necessário, portanto, que se evite a exposição a esses fatores e se busque uma mudança no estilo de vida. A ansiedade pode ser prevenida com a adoção de diversas medidas, tais quais: prática diária de exercícios físicos, uma boa qualidade de sono, terapia, lazer, técnicas de meditação e relaxamento (há diversos aplicativos muito úteis na AppStore do seu aparelho celular), além de uma alimentação balanceada e de qualidade.
Em todos os casos, busque sempre ajuda profissional qualificada, com médicos ou psicólogos, para que se possa fazer um diagnóstico correto e elaborar a melhor estratégia terapêutica. E nunca, sob hipótese alguma, realize automedicação com nenhuma das classes de medicamentos citadas nesta coluna.
E lembre-se sempre: a vida é uma série de ciclos. Nada dura pra sempre, tudo passa. Se, por vezes, nos sentimos tristes, é para que momentos de felicidade possam surgir no futuro. Você não está sozinho.
O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.
Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.
Referências
COSTA, Camilla Oleiro da et al. Prevalência de ansiedade e fatores associados em adultos. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0047-20852019000200092&lng=en&nrm=iso.
DE DEUS, Persio Ribeiro Gomes. Ansiedade: Como controlar uma crise, o que é e 25 sintomas. Disponível em: https://www.minhavida.com.br/saude/temas/ansiedade.
VALDIGEM, Bruno. Como diferenciar um ataque de ansiedade de doenças cardiovasculares. Disponível em: https://www.minhavida.com.br/saude/materias/18776-como-diferenciar-um-ataque-de-ansiedade-de-doencas-cardiovasculares.