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Caso Clínico de Neurologia sobre Encefalite Herpética

Caso Clínico de Neurologia sobre Encefalite Herpética

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Confira um caso clínico de Neurologia completo sobre Encefalite Herpética e entenda como identificar sintomas, realizar exames, diagnosticar e tratar pacientes que chegam ao hospital com essa doença.

Bons estudos!

Identificação do paciente

NTS, sexo masculino, 55 anos, pardo, autônomo.

Queixa principal

“Cefaleia há dois dias”.

História da doença Atual (HDA)

Paciente há duas semanas iniciou quadro de desorientação têmporo-espacial, agitação, alucinações visuais, evoluindo há dois dias com cefaleia de forte intensidade que o fez acordar à noite, vômitos de restos alimentares, febre aferida (38 a 40°C) e apatia.

Negou alterações de força, crise convulsiva, disartria, ou eventos prévios semelhantes.

Antecedentes pessoais, familiares e sociais

ANTECEDENTES PATOLÓGICOS: Hipertensão arterial sistêmica e Diabetes Mellitus

MEDICAÇÕES EM USO: Insulina NPH, Losartana, Anlodipino e Hidroclorotiaziada.

HÁBITOS DE VIDA: Negou etilismo e tabagismo.

Exame físico

GERAL: Paciente em bom estado geral, consciente, afebril, acianótico, hidratado, corado, sem edemas.

DADOS VITAIS: PA 120×60 mmHg  FC: 72 bpm   FR: 18 ipm   SatO2: 98%   Temperatura: 37°C

AR: MVBD em ambos HT, sem ruídos adventícios.

ACV: Ritmo cardíaco regular em 2 tempos, bulhas normofonéticas, sem sopros.

ABD: Plano, simétrico, RHA+, flácido, indolor a palpação, ausência de visceromegalias. 

EXT: Bem perfundidas, pulsos cheios e simétricos, sem edemas.

NEUROLÓGICO:

                • Estado Mental: Paciente vigil e contactante, desorientado têmporo-espacialmente, perda de memória imediata, fazendo as mesmas perguntas frequentemente e com exacerbação de crença religiosa.

                • Pares Cranianos: Pupilas isocóricas e fotorreagentes, motricidade ocular extrínseca preservada. Nistagmo horizontal discreto.

                • Sensibilidade, Coordenação, Equilíbrio e Marcha : Sem alterações.

                • Motricidade: Força muscular preservada globalmente, reflexos osteotendinosos preservados.

                • Sinais meníngeos: Ausentes.

Exames complementares

Estudo do Líquor: Aspecto límpido, incolor. 290 células (90% linfócitos, 5% neutrófilos, 5% monócitos), 70 proteínas, 12 hemácias, glicorraquia normal.

Ressonância Magnética de Encéfalo: Áreas hiperintensas em T2/FLAIR com discreta restrição difusional e algumas zonas de realce pós-gadolínio de permeio, acometendo principalmente o córtex das regiões mesiais dos lobos temporais, em grau mais acentuado à esquerda.

Imagem de Ressonância Magnética de Encéfalo

Discussão do caso de Encefalite Herpética

Qual o diagnóstico provável para o caso?

Dividimos o diagnóstico em 3 categorias:

Diagnóstico Sindrômico

Trata-se de um paciente com uma síndrome cognitiva à custa de alteração de comportamento (agitação, apatia) e desorientação têmporo-espacial; associada a uma síndrome álgica craniana (cefaleia de forte intensidade), com a presença também de uma síndrome febril.

Diagnóstico Topográfico

A topografia onde os sinais clínicos do paciente melhor se encaixam é no encéfalo, mais especificamente nas regiões corticais associadas ao sistema límbico, como o lobo temporal ou os lobos frontais.

Diagnóstico Etiológico

O provável diagnóstico etiológico é de Encefalite Herpética (EHS). As encefalites se diferenciam das meningites por caracterizarem alterações funcionais do sistema nervoso central e são em sua maioria de etiologia viral e devem ser suspeitadas na presença de febre com alterações neurológicas e/ou cognitivas agudas, em especial se houver pródromos virais recentes.

A encefalite viral mais proeminente é aquela causada pelo Vírus do herpes simples, dada sua rica apresentação clínica, sua elevada morbimortalidade e o seu potencial de tratamento específico. 

Mais sobre Encefalite Herpética

A encefalite herpética é uma doença de alta mortalidade (70%) que se expressa clinicamente por início agudo de febre e sintomas neurológicos focais, principalmente secundários ao acometimento do lobo temporal.

A tríade clássica de sintomas da EHS é: febre, cefaleia e alterações de comportamento. O vírus herpes simples (HSV) é o causador da EHS, sendo esta a principal encefalite esporádica (não sazonal) no mundo ocidental.

Aproximadamente 90% dos casos de EHS em adultos e crianças são causados pelo HSV-1, enquanto que em neonatos o HSV-2 é o responsável.

Os vírus HSV-1 e HSV-2 são classificados como alfa-herpesvírus. Uma característica importante desta subfamília é a capacidade de estabelecer infecção latente em células do sistema nervoso.

A patogênese da EHS não é totalmente esclarecida. A principal hipótese é a reativação de infecção latente pelo HSV-1 no gânglio trigeminal, que atinge o sistema nervoso central (SNC) por esta via, acometendo principalmente córtex frontal e temporal. Outra gênese, menos comum, seria a primo-infecção, em que o HSV-1 atingiria o SNC, principalmente o lobo temporal e estruturas do sistema límbico, através da mucosa nasal e bulbo olfatório.

O método de escolha para o diagnóstico consiste na demonstração do DNA do herpes simples vírus no líquor (LCR) por reação de polimerase em cadeia (PCR). Outros exames corroboram para o diagnóstico, tais como tomografia computadorizada (TC), ressonância nuclear magnética cerebral (RNM), eletroencefalograma (EEG) e análise do líquor.

O exame do LCR tem grande valor no diagnóstico de EHS, apresentando-se classicamente com pleocitose (10-200 cel/ mm³) com predomínio de mononucleares, glicose normal ou elevada e proteínas aumentadas ou levemente aumentadas, porém há casos que não obedecem estes parâmetros.

Quais importantes diagnósticos diferenciais?

Este quadro é de difícil diferenciação com as demais encefalites, tendo como diagnóstico diferencial:

  • Infecções do SNC: meningite e abcessos cerebrais;
  • Doenças cerebrovasculares: hemorragia subaracnóidea ou parenquimatosa (por ruptura de aneurisma ou malformação arteriovenosa);
  • Encefalopatias metabólicas;
  • Intoxicações;
  • Doenças inflamatórias do SNC: doenças desmielinizantes (esclerose múltipla, encefalomielite aguda disseminada);
  • Encefalites autoimunes (anti NMDAR, anti VGKC, antiGAD, anti GluR, encefalopatia da tireoidite de Hashimoto, neurolupus);
  • Encefalopatias para infecciosas (síndrome de Reye, síndrome hemolitico-urémico, síndrome de choque tóxico, doença de Kawasaki);
  • Encefalopatia aguda associada com vasculites;
  • Enxaqueca aguda confusional.

Qual o tratamento mais adequado para o paciente?

A EHS requer tratamento precoce e agressivo. Diante de uma hipótese diagnóstica de EHS, deve-se iniciar o tratamento empírico com Aciclovir até a confirmação ou não do diagnóstico, tendo em vista sua baixa toxicidade e alta eficácia no tratamento, quando iniciado precocemente.

Recomenta-se a utilização de Aciclovir de 10 mg/kg por via intravenosa a cada 8 h por 10-14 dias , sendo que em casos de imunossupressão comprovada deve-se estender o tratamento por até 21 dias, diminuindo assim a chance de recidiva.

A concentração no LCR é aproximadamente a metade encontrada no plasma. Aconselha-se boa hidratação e monitoramento da função renal. A baixa disponibilidade do Aciclovir oral contraindica o seu uso por esta via no tratamento da EHS.

O prognóstico desta infecção depende principalmente da precocidade do tratamento (melhor prognóstico se iniciado nos primeiros quatro dias), da idade (pior nos maiores de 60 anos) e da gravidade inicial do quadro, sendo padronizado pela escala de Glasgow ( ≤6, pior prognóstico)

 
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