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Caso clínico de depressão recorrente grave

Caso clínico de depressão recorrente grave

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Neste caso clínico, entenda o que fazer com um paciente com Depressão Recorrente Grave. Bons estudos!

História Clínica do paciente com Depressão Recorrente Grave

M.C.P.G, sexo feminino, 22 anos.

Queixa principal: desânimo com a vida e com os estudos.

História da moléstia atual

Paciente relata que começou a “perder a vontade” (SIC) de realizar atividades corriqueiras, bem como acadêmicas no início de 2016 com o início do semestre acadêmico. M.C.P.G. possuía crises de desânimo e anedonia frequentes, durantes as quais não podia  realizar atividades domésticas simples como varrer a casa, bem como não sentia vontade e tão pouco prazer ao estudar – atividade anteriormente muito prazerosa segundo relata.

Em função destas crises afetarem seus estudos, M.C.P.G. começou a fazer uso de Cloridrato de Metilfenidato por conta própria – conseguiu o medicamento com um amigo (SIC) -, de forma a “ignorar” suas crises e se forçar a continuar estudando.

Apesar de o Metilfenidato fazer com que a paciente estudasse, apesar das crises de anedonia e desânimo, as crises ficavam piores com o uso da droga. Durante a faixa terapêutica desta droga, M.C.P.G. sentia-se muito estressada e, após isto, a paciente sentia-se incapaz de fazer qualquer coisa, novamente, além de profundo sentimento de tristeza. M.C.P.G. conseguiu com dificuldades terminar o semestre letivo.

Durante o término daquele semestre, a paciente começou a ter ideações suicidadas. A paciente pensou em suicidar-se tomando toda a cartela de Metilfenidato. Não consumou o fato, porém os pensamentos suicidadas eram recorrentes.

Sobre o período de férias relatou que foram tranquilas apesar de algumas crises de tristeza,  e pode descansar dos assuntos acadêmicos (sua família não tem ciência sobre o uso do metilfenidato).

No início do semestre acadêmico (2016.2), diferente do que de costume, a paciente já se sentia exausta, “sem forças” (SIC) para estudar, com grande tristeza e sem vontade de viver.

Para a paciente, apenas a morte traria alívio ao sofrimento. No início do mês de agosto, as amigas de M.C.P.G levaram ela à psicóloga da Universidade (cuja psicoterapia não aderiu, foi em apenas uma consulta) e para um psiquiatra amiga delas.

Na primeira consulta já foi receitado o Cloridrato de Escitalopram (10mg) e Remilev, tendo melhora dos sintomas em cerca de 3 semanas após o início do tratamento medicamentoso.

No entanto, 1 mês e meio após o início da farmacopsicoterapia, a paciente voltou a ter crises recorrentes de anedonia e tristeza profunda. Algumas semanas depois a ideação suicida  voltou a acontecer.

Como a paciente já estava se sentido inapta aos estudos novamente e com pensamentos distorcidos em relação à vida, ela resolveu aumentar por conta própria a dosagem do Escitalopram de 10mg para 15mg.

Uma semana depois conseguiu conversar com sua psiquiatra que então elevou a dose do Escitalopram para 20mg. Desde então, as crises de tristeza e anedonia ocorrem com menos frequência sendo cerca de 2 a 3 vezes por mês – anteriormente eram quase diárias – e as ideações suicidas pararam de ocorrer.

A psiquiatra da paciente encaminhou M.C.P.G. à psicoterapia. Ainda aguarda o início do psicoterapia junto ao tratamento farmacológico.

História médica pregressa

Paciente portador de Ambliopia esquerda, hipermetropia e estigmatismo, ambos bioculares.

Fez uso de Metilfenidato há 9 anos para tratar Transtorno de Défcit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) com neurologista. Relata frequentes crises de cefaleia – cerca de 2 por semana. 

Consultou-se com neurologista há 7 anos para investigar sobre as cefaleias. Tomografias da época foram normais. Em julho de 2015 consultou-se com cardiologista para estudar sobre palpitação. O Ecg acusou repolarização ventricular precoce demais exames foram pedidos, aguarda resultado.

Medicações que usa: Escitalopram 20mg, Remilev.

História familiar

Avó paterna faz tratamento de depressão com fluxetina há vários anos, além de ser portadora de hipertensão e diabetes melitus tipo 2. Avô materno trata estresse e crises de raiva com Rivotril, além de possuir hipertensão, hipertrigliceridemia e diminuição da função renal. Avó materna morreu com cerca de 40 anos com Ca de mama. Avô materno morreu de coma cetoacidótico por DM2.

Pai, obeso mórbido, faz tratamento para hipertensão, DM2, hipercolesterolemia e hipertrigliceridemia, ia fazer tratamento para ansiedade com fluxetina, mas recusou-se a tomar o remédio e possuiu artrose nos joelhos – diagnosticado como uma doença laboral e não pela obesidade devida a localização da lesão.

Pai é representante comercial e dirige várias horas por dia durante vários anos -, segundo a paciente, as vezes o pai possui crises de fúria. Sobre a mãe, a paciente não possuiu nada a relatar, somente que as vezes ela está muito estressada.

Sobre o irmão, crê que ele também sofre de depressão pois as vezes percebe que o irmão está muito desanimado.

Nada a declarar sobre os tios paternos. Um tio materno faleceu de parada cardiorrespiratória, sofria de asma, bronquite e enfisema pulmonar e também era portador de esquizofrenia.

Hábitos de vida

Etilismo social – algumas cervejas em festas uma vez por mês – , nega tabagismo ou uso de drogas ilícitas. Faz academia de musculação 2-3 vezes por semana. Boa qualidade do sono antes das crises.

Atualmente têm acordado no meio da noite e não conseguido dormir mais. Relata que a alimentação é relativamente saudável, sem muitas frituras e sem refrigerante. No entanto considera-se viciada em chocolate tendo um consumo de cerca de uma barra e meia por semana. Faz uso de Ginseng comprimido a cada dois dias e omega 3 (2 vezes por dia).

Exame psicopatológico

Atitude geral: Aparenta irritado e exausto, com sinais de desregulação de sono;

Atitude expressa em palavras: Fala rápido e apenas quando solicitada, sem afasias ou disartrias;

Pensamento: Lentificado, porém com conteúdos coerentes;

Consciência: Preservada;

Orientação: Capaz de responder bem questões simples;

Memória: Relata dificuldades de memorização desde o início das crises. Ao exame, apresentou média dificuldade.

Sensopercepção: Paciente não relata alterações;

Inteligência: Dificuldade de compreensão e elaboração de ideias em função memória muito afetada.

Afetividade e Humor: Afetividade diminuída e humor depressivo;

Vontade e Psicomotricidade: Capacidade de expressar seus desejos diminuída e atividade psicomotora diminuida;

Noção do Estado Mórbido: Presente;

Planos para o Futuro: Voltar a estudar.

Hipótese diagnóstica

CID 10 – F33.2  Transtorno depressivo recorrente, episódio atual grave sem sintomas psicóticos

Discussão sobre Depressão Recorrente Grave

Considerando o caso clínico analisado, pode-se afirmar que a paciente possui como diagnóstico sindrômico de depressiva grave com ideações suicidas. Quadros de agudização ao longo de 1 ano ocorrendo retorno das ideações suicidas – apesar dos 10mg de Escitalopram – no último mês.

Para tal, fez-se necessário o aumento de dose do antidepressivo, bem como o encaminhamento da paciente para a psicoterapia, visto que somente o tratamento ideal seria a associação de psicoterapia, farmacoterapia e mudança de estilo de vida – pois o que motivou a paciente a buscar ajuda foi a dificuldade para estudar e não a sua própria saúde mental.

Segundo Fleck et al (2003), a depressão é uma condição médica comum, crônica e recorrente. Está freqüentemente associada a incapacitação funcional e comprometimento da saúde física.

Os pacientes deprimidos apresentam limitação da sua atividade e bem-estar além de uma maior utilização de serviços de saúde. No entanto, a depressão é sub-diagnosticada e sub-tratada. Em torno de 50% a 60% dos casos de depressão não são detectados pelo médico clínico.

Muitas vezes, os pacientes deprimidos também não recebem tratamentos suficientemente adequados e específicos. A morbi-mortalidade associada à depressão pode ser em boa parte prevenida (em torno de 70%) com o tratamento correto.

Fleck et al (2003) também afirma que a depressão foi estimada como a quarta causa específica nos anos 90 de incapacitação através de uma escala global para comparação de várias doenças.

A previsão para o ano 2020 é a de que será a segunda causa em países desenvolvidos e a primeira em países em desenvolvimento. Quando comparada às principais condições médicas crônicas, a depressão só tem equivalência em incapacitação às doenças isquêmicas cardíacas graves.

As diretrizes para a prática clínica recomendam que a duração mínima do tratamento com antidepressivo deve ser de 6 a 12 meses, porém, aproximadamente 30% dos pacientes descontinuam os medicamentos em 30 dias e mais de 40% em 90 dias.

As principais razões mencionadas para a descontinuação precoce são: falta de resposta ao tratamento, estigma associado a doença psiquiátrica, efeitos adversos e ainda muitos pacientes não cumprem as prescrições que são dadas, por isso altas taxas de não aderência têm sido documentadas.

Nesse sentido, devido à falha na resposta medicamentosa, a literatura científica demonstra que o tratamento medicamentoso combinado com intervenções psicossociais tem demonstrado ter mais eficácia.

As abordagens terapêuticas existentes para depressão incluem uma variedade de antidepressivos, terapia eletroconvulsiva, psicoeducação e diversas linhas de psicoterapia.

Além disso, múltiplos aspectos devem ser analisados por profissionais de uma equipe multidisciplinar, visando à compreensão biopsicossocial do indivíduo e uma melhor qualidade do tratamento.

Portanto, o diagnóstico precoce e o tratamento efetivo são vitais para diminuir os prejuízos da depressão na vida do indivíduo, da família e da comunidade JURUEMA, M.F.(2010).

Além do tratamento farmacológico com antidepressivos, pode-se utilizar terapias eletroconvulsivas, psicanalíticas e cognitivas comportamentais ou interpessoais no tratamento da depressão (HUNDT et al., 2013; BLOCK; NEMEROFF, 2014).

Referências

FLECK et. al.. Diretrizes da Associação Médica Brasileira para o tratamento da depressão (versão integral). Revista Brasileira de Psiquiatria 2003;25(2):114-22. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbp/v25n2/v25n02a13.  Acessado em 30 de janeiro de 2017.

HUNT, Stephen P.; MANTYH, Patrick W.. The molecular dynamics of pain control. Nature Reviews Neuroscience, Nova York, v. 2, n. 2, p.83-91, fev. 2001. Nature Publishing Group.  Disponível em:  https://www.nature.com/articles/35053509.  Acessado em: 05 de dez. de 2016.

JUREMA, Mário F.. Depressão: escitalopram – eficácia e tolerabilidade superior frente aos demais antidepressivos.  

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