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A depressão no idoso é um tema muito importante dentro dos transtornos mentais e impacta diretamente a qualidade de vida do indivíduo. Com o envelhecimento da população é preciso estar atento tanto ao envelhecimento de indivíduos portadores, como na prevalência de transtornos entre idosos. A depressão é avaliada como a causa mais importante de anos de vida com incapacidade, independente de idade ou sexo para a Organização Mundial da Saúde, podendo retirar dias de gozo de saúde e perda de vidas de vida por morte prematura. Esse cenário impacta em custo econômico para o indivíduo, família e sociedade com serviços sociais e de saúde, perda de produtividade e mortalidade prematura desses indivíduos.
Nos idosos que vivem na comunidade, os transtornos depressivos têm prevalência de 4,8 a 14,6%, enquanto em idosos hospitalizados ou institucionalizados podem alcançar até 22%. Quando avaliados sintomas depressivos, a prevalência entre a população é de 17,1% em maiores de 75 anos, 20 a 25% em maiores de 85 anos e 30 a 50% em maiores de 90 anos. Os fatores etiológicos são variados e estão envolvidos fatores genéticos, biológicos, epigenéticos e ambientais.
A depressão é dita de início tardio quando começa após os 60-55 anos de idade com fatores estressores que podem desencadear e manter o quadro. Lesões vasculares cerebrais são fatores de risco importantes e de pior prognóstico. Além disso, a depressão pode se apresentar como pródromo de quadros demenciais. Em pacientes com demência, a depressão acelera o declínio cognitivo, independente do estágio da demência e condições do indíviduo como escolaridade e sexo. No entanto, o tratamento da depressão pode repercutir com melhora funcional nesses pacientes.
Critérios diagnósticos
Para o estabelecimento do diagnóstico de episódio depressivo ou transtorno depressivo (quando já aconteceram dois ou mais episódios) são necessários alguns sintomas que compõem critérios diagnósticos estabelecidos e revisados. Aqui revisaremos os critérios diagnósticos do DSM-5 que não possui distinção por faixa etária para realização.
Como o luto é um importante estressor que pode precipitar um episódio depressivo maior em indivíduos vulneráveis, pelo DSM-V não é mais necessária a espera de 60 dias para estabelecimento do diagnóstico. Os critérios são:
A. Cinco (ou mais) dos seguintes sintomas estiveram presentes durante o mesmo período de duas semanas e representam uma mudança em relação ao funcionamento anterior; pelo menos um dos sintomas é (1) humor deprimido ou (2) perda de interesse ou prazer. Transtorno Depressivo Maior Nota: Não incluir sintomas nitidamente devidos a outra condição médica.
- Humor deprimido na maior parte do dia, quase todos os dias, conforme indicado por relato subjetivo (p. ex., sente-se triste, vazio, sem esperança) ou por observação feita por outras pessoas (p. ex., parece choroso). (Nota: Em crianças e adolescentes, pode ser humor irritável.)
- Acentuada diminuição do interesse ou prazer em todas ou quase todas as atividades na maior parte do dia, quase todos os dias (indicada por relato subjetivo ou observação feita por outras pessoas).
- Perda ou ganho significativo de peso sem estar fazendo dieta (p. ex., uma alteração de mais de 5% do peso corporal em um mês), ou redução ou aumento do apetite quase todos os dias. (Nota: Em crianças, considerar o insucesso em obter o ganho de peso esperado.)
- Insônia ou hipersonia quase todos os dias.
- Agitação ou retardo psicomotor quase todos os dias (observáveis por outras pessoas, não meramente sensações subjetivas de inquietação ou de estar mais lento).
- Fadiga ou perda de energia quase todos os dias.
- Sentimentos de inutilidade ou culpa excessiva ou inapropriada (que podem ser delirantes) quase todos os dias (não meramente autorrecriminação ou culpa por estar doente).
- Capacidade diminuída para pensar ou se concentrar, ou indecisão, quase todos os dias (por relato subjetivo ou observação feita por outras pessoas).
Pensamentos recorrentes de morte (não somente medo de morrer), ideação suicida recorrente sem um plano específico, uma tentativa de suicídio ou plano específico para cometer suicídio. B. Os sintomas causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. C. O episódio não é atribuível aos efeitos fisiológicos de uma substância ou a outra condição médica.

Manifestação clínica
A manifestação sintomática da depressão em idosos é a mesma presente em adultos jovens, embora de forma geral a população idosa apresente menos humor depressivo, mais enedonia, mais sintomas somáticos, déficit cognitivo e funcional, além de maior associação com doença física. Os impactos funcionais no idoso costuma estar presente em 80% dos que apresentam depressão.
A depressão pode ser dificilmente diferenciada da demência quando há sintomas como apatia, perda ponderal, retardo psicomotor, redução de concentração e memória a curto prazo, falta de iniciativa e volição. Os domínios cognitivos mais afetados com a depressão são a função executiva e a velocidade de processamento.
Sintomas de outras doenças clínicas podem mimetizar ou mascarar uma depressão. Entre eles podemos citar: anemia, uremia, neoplasia, hipotireoidismo, entre outros. Porém, os sintomas costumam estar aumentados de maneira geral e não em itens específicos, como o esperado na depressão.
Após identificar o quadro sindrômico é importante investigar a presença de doenças clínicas que podem contribuir com o quadro. Pacientes com indicação para uso de tricíclicos devem realizar ECG e quando houver suspeita de depressão vascular ou déficit cognitivo associado é indicada a realização de ressonância magnética de encéfalo.
Escala de Depressão Geriátrica
Um instrumento de avaliação que pode ser utilizado é a Escala de depressão geriátrica (Geriatric Depression Scale – GDS), desenvolvida especialmente para esse grupo. Suas vantagens estão na possibilidade de utilização por qualquer profissional da atenção básica, leigos e até o próprio paciente. A acurácia é alta para idosos acima de 80 anos e não inclui sintomas somáticos que poderiam constituir confundidores nessa população. A desvantagem está na limitação do uso na presença de déficit cognitivo.
A GDS está presente em duas versões: a GDS 30 e a GDS 15, representadas pelo número de questões. A GDS 30 sugere depressão a partir de 11 pontos e a GDS 15, a partir de 05 pontos. Ainda que não sejam avaliados objetivamente sintomas de gravidade, a depressão é considerada moderada entre 11-20 ou 8-9 e grave acima de 21 ou 10 pontos para as escalas 30 e 15, respectivamente.
Confira abaixo as perguntas da GDS 30, sendo as sinalizadas com (*) as presentes também na versão GDS 15:
- Você está satisfeito com sua vida?*
- Abandonou muitos dos seus interesses e atividades?*
- Sente que a vida está vazia?*
- Sente-se frequentemente aborrecido?*
- Você tem muita fé no futuro?
- Tem pensamentos negativos?
- Na maioria do tempo está de bom humor?*
- Tem medo de que algo ruim vá lhe acontecer?*
- Sente-se feliz na maioria do tempo?*
- Sente-se frequentemente desamparado, adoentado?*
- Sente-se frequentemente intranquilo?
- Prefere ficar em casa em vez de sair?*
- Preocupa-se muito com o futuro?
- Acha que tem mais problema de memória que os outros?*
- Acha bom estar vivo?*
- Fica frequentemente triste?
- Sente-se inútil?*
- Preocupa-se muito com o passado?
- Acha a vida muito interessante?
- Para você é difícil começar novos projetos?
- Sente-se cheio de energia?*
- Sente-se sem esperança?*
- Acha que os outros têm mais sorte que você?*
- Preocupa-se com coisas sem importância?
- Sente frequentemente vontade de chorar?
- É difícil para você concentrar-se?
- Sente-se bem ao despertar?
- Prefere evitar as reuniões sociais?
- É fácil para você tomar decisões?
- O seu raciocínio está tão claro quanto antigamente?

Fatores de risco
Os fatores de risco abordados a seguir indicam aumento da possibilidade, mas não a determinação de causa e efeito.
- Doença cerebrovascular
- Idade: a prevalência de transtornos depressivos é maior entre os mais jovens.
- Gênero: mulheres apresentam mais sintomas depressivos que os homens.
- Estado civil: aconvivência com companheiro, independentemente do estado civil, é fator protetor para os transtornos do humor de forma geral.
- Doença psiquiátrica: um episódio depressivo é preditor de risco para novos episódios, assim como a presença de dano cognitivo e a história de transtornos psiquiátricos pessoal ou familiar.
- Outros eventos de saúde: uso de álcool, privação sensorial visual ou auditiva, os transtornos do sono, dor em pacientes com doença crônica, incapacidade, entre outros.
- Uso de medicamentos: potencial efeito de desencadear sintomas depressivos.
- Escolaridade: pouca instrução está associada a sintomas depressivos e a maior escolaridade é fator protetor.
- Fatores socioeconômicos: indicadores de classes sociais são inversamente relacionados com sintomas depressivos, tem relação com a depressão, a pobreza e os baixos salários. Porém, a riqueza não é fator protetor.
- Viuvez: apresenta relação consistente para transtornos depressivos, na dependência das condições do óbito e das adaptações no pós-morte.
- Institucionalização: a presença dos sintomas depressivos no momento da admissão é fator preditor de depressão.
- Suporte social: condição de saúde é precária e pouco suporte social tem efeito direto nos sintomas depressivos e capacidade de modelar os efeitos das perdas materiais e interpessoais.
- Outros fatores de risco social: baixa aculturação, morar só, perda de contatos e falta de um confidente.
Tratamento
De forma geral há dois grupos de tratamento: os biológicos (farmacoterapia, eletroconvulsoterapia, entre outros) e os não biológicos (psicoterapia). O objetivo de ambos é eliminar os sintomas, prevenir as recorrência e recaídas, prevenir a piora de outras patologias presentes e a mortalidade por suicídio, além da melhora cognitiva e funcional.
Todos os antidepressivos disponíveis apresentam eficácia terapêutica quando comparados a placebo e sua escolha deve estar baseada no perfil dos efeitos colaterais que podem ser apresentados por eles, além da possibilidade de interação com outras substâncias.
A fase de latência do tratamento dura de 4 a 8 semanas para início da ação, ainda que os efeitos colaterais se apresentem de forma mais precoce. Portanto, o paciente deve ser esclarecido sobre a possibilidade. O tratamento é de longa duração e pode ser necessário por toda a vida.
Diversas classes de medicamentos estão disponíveis e abordaremos aqui: tricíclicos, inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS), inibidores seletivos da recaptação de norepinefrina (ISRN) e os inibidores seletivos de recaptação de serotonina e norepinefrina.
Tricíclicos
Foi a primeira classe de medicamentos de potencial antidepressivo descoberta e são até hoje fármacos de referência. Seus efeitos ocorrem devido ao bloqueio da bomba de recaptação da serotonina, norepinefrina e em menor grau, dopamina.
Seus efeitos colaterais estão relacionados com o bloqueio dos receptores colinérgicos muscarínicos que podem gerar transtorno da memória, turvamento da visão, boca seca, obstipação e retenção urinária; bloqueio dos receptores de histamina H1 gerando sonolência e ganho ponderal; bloqueio dos receptores adrenérgicos alfa-1 gerando tontura e hipotensão, além do bloqueio dos canais de sódio no coração e cérebro que podem ocasionar arritmias, parada cardíaca e convulsões nos casos de superdosagem.
Em idosos, o mais indicado é a nortriptilina pelo melhor perfil de efeitos colaterais. Os demais devem ser evitados. Sua janela terapêutica varia entre 50 ng/mℓ e 150 ng/mℓ, sendo importante o acompanhamento da sua dosagem sérica.
ISRS
Atualmente é a classe de fármacos mais utilizada em idosos pela menor possibilidade de efeitos colaterais. Quando surgem estão relacionados com o efeito da serotonina em outros locais que não as vias relacionadas com o processo da depressão. No entanto, são menos ameaçadores, mesmo em superdosagem e os efeitos na maioria das vezes desaparecem com o uso contínuo.
Estão disponíveis no Brasil: citalopram, escitalopram, fluoxetina, fluvoxamina, paroxetina e sertralina. A fluoxetina deve ser evitada em idosos devido à longa meia-vida e inibição de enzimas hepáticas que podem ocasionar elevação sérica de vários medicamentos, hiponatremia e síndrome de secreção inapropriada do hormônio antidiurético até 120 dias após o início do uso. Além disso, pode elevar a dose sérica de outras medicações como antipsicóticos, anticonvulsivante, antiarrítmicos e digoxina.
ISRN
Os inibidores seletivos de recaptação de norepinefrina apresentam melhora do humor, apatia, fadiga e alentecimento psicomotor, tendo impactos positivos no funcionamento social.
Não é uma terapêutica de primeira escolha, mas pode ser utilizada quando outros medicamentos já foram tentados sem sucesso ou em casos mais graves.
A substância padrão dessa classe é a reboxetina.
Inibidores seletivos de recaptação de serotonina e norepinefrina
São caracterizados pela seletividade para serotonina e norepinefrina em uma mesma molécula, apesar da ação pouca expressividade na recaptação da dopamina e bloqueios de receptores responsáveis pelos efeitos colaterais dos ADT.
Representantes: duloxetina, milnaciprana, venlafaxina e desvenlafaxina.
Coexistência de comorbidades
Alguns medicamentos foram testados na presença de outras comorbidades, como o uso da bupropiona na doença de Parkinson, evitando-se os ISRS pela possibilidade de piora dos sintomas motores, especialmente com a fluoxetina.
Os ISRS que não alteram a função cardíaca devem ser preferidos para cardiopatas.
Em caso de depressão pós-AVE utilizar ADT (nortriptilina) ou ISRS selecionados, esta última classe de também é a preferida para o tratamento no curso da demência, devendo ser preferidos os que apresentam menor efeito anticolinérgico.

ECT
A eletroconvulsoterapia (ECT) é eficaz e segura porém sua indicação é reservada a casos mais graves, como risco de suicídio ou depressão recorrente, sendo considerada padrão-ouro para esses pacientes. Sua principal vantagem está na rapidez da resposta e eficância igual a em indivíduos jovens.
Pode ser de primeira escolha quando há contraindicação ao uso de antidepressivos, ausência de resposta a esses, risco de suicídio ou homícidio ou quando avaliada mais vantajosa.
Psicoterapia
Diversas abordagens psicoterapêuticas podem ser utilizadas no paciente com depressão e todas funcionam como auxílio, ajudando o indivíduo a desenvolver recursos para lidar com suas disfunções. A terapia cognitivo-comportamental (TCC) tem como foco as distorções de pensamento do paciente e os comportamentos disfuncionais. O principal objetivo é detectar e ajudar a modificar as reações condicionadas, melhorando assim as atitudes que restringem as atividades sociais e profissionais.
Perguntas frequentes:
1 – Qual a diferença diagnóstica da depressão no idoso e no adulto jovem?
Nenhuma. Os critérios diagnósticos são os mesmos pelo DSM-V.
2 – Como podemos avaliar a depressão no idoso?
A partir da Escala de Depressão Geriátrica (GDS 30 ou GDS 15).
3 – Em que se baseia o tratamento da depressão no idoso?
Eliminar sintomas, prevenir recorrência, evitar piora de outras patologias e promover melhora funcional.
Referências
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION – APA. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. Porto Alegre: Artmed, 2014.
Tratado de Geriatria e Gerontologia. Freitas, E.V.; Py, L.; Neri, A. L.; Cançado, F. A. X.C.; Gorzoni, M.L.; Doll, J. 4ª. Edição. Grupo Editorial Nacional (GEN), 2016.
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