Ginecologia

DIU com levonorgestrel pode ser utilizado para contracepção de emergência?

DIU com levonorgestrel pode ser utilizado para contracepção de emergência?

Compartilhar
Imagem de perfil de Luiza Riccio

Contracepção de emergência é aquela realizada até cinco dias após uma relação sexual desprotegida (consensual ou em situação de violência sexual), para evitar uma gravidez indesejada.

Quanto mais precoce, mais eficaz será a contracepção, principalmente se for realizada dentro das primeiras 72 horas após o coito. Atualmente, temos como métodos disponíveis para esta finalidade:

  • Levonorgestrel via oral: o uso deste progestagênio está indicado na posologia de 1,5mg via oral, dose única, ou em duas tomadas de 0,75mg com intervalo de 12h;
  • Método de Yuzpe: pílula anticoncepcional oral combinada (estrogênio + progestagênio), classicamente na formulação de 0,05mg de etinilestradiol + 0,25mg de levonorgestrel, em duas tomadas de dois comprimidos, com intervalo de 12h. Este esquema tem sido cada vez menos utilizado, por ter mais efeitos colaterais e pela descontinuação da produção dos anticoncepcionais orais com altas doses de etinilestradiol. Uma possível adaptação prática é usar a pílula combinada que estiver disponível em uma quantidade para se obter uma dose de 1mg de levonorgestrel e 0,20mg de etinilestradiol;
  • Inserção de dispositivo intrauterino (DIU) de cobre.

A inserção do DIU de cobre para contracepção de emergência tem alta eficácia, com índice de falha inferior a 0,1%, menor do que o dos métodos orais.

Levonorgestrel: escolha do método contraceptivo

Durante a escolha de métodos contraceptivos de longa duração, as mulheres têm optado cada vez mais pelo DIU medicado com levonorgestrel em detrimento do DIU de cobre, principalmente pelos efeitos de redução do fluxo menstrual ou até de amenorréia.

Até o momento, caso a paciente relate ter tido relação sexual desprotegida recentemente na ocasião do início do uso do DIU com levonorgestrel, ela é orientada a fazer o uso concomitante de contracepção de emergência via oral.

Uma coorte prospectiva preliminar ofereceu como opções, às pacientes que buscavam contracepção de emergência, o DIU com 52mg de levonorgestrel – com uso concomitante de levonorgestrel oral – ou o DIU de cobre.

Este estudo demonstrou uma preferência pelo DIU com levonorgestrel. E não houve gestações decorrentes de falha da contracepção de emergência neste grupo.

Além disso, sabe-se que o levonorgestrel tem a capacidade de interferir na motilidade dos espermatozoides, na reação acrossômica e no transporte do óvulo. Estes dados, juntamente com a eficácia do DIU de cobre, levaram à formulação da hipótese de que o DIU com levonorgestrel poderia também ser eficaz para a contracepção de emergência. 

DIU com levonorgestrel: o que dizem os estudos?

O estudo “Levonorgestrel vs. Copper Intrauterine Devices for Emergency Contraception” foi um ensaio clínico randomizado publicado no New England Journal of Medicine em 2021. Este trabalho foi realizado para avaliar o risco de gravidez em um mês após a inserção do DIU com levonorgestrel, em relação ao DIU de cobre, para a contracepção de emergência.

O objetivo foi estabelecer a não-inferioridade do DIU com levonorgestrel, para que esta seja mais uma opção a ser oferecida às pacientes que buscam contracepção de emergência.

As participantes do estudo foram mulheres com idade entre 18 e 35 anos, fluentes em inglês ou espanhol, que buscaram contracepção de emergência após relação sexual desprotegida nos últimos cinco dias (120 horas).

Outros critérios de inclusão foram: desejo de uso de DIU; desejo de manter a contracepção por, pelo menos, um ano; teste de gravidez urinário negativo; ciclos menstruais regulares (21 a 35 dias); data da última menstruação conhecida (± 3 dias). Com base nas informações sobre o ciclo menstrual, foram estimados: os dias do ciclo em que a paciente teve a relação sexual desprotegida, e da inserção do DIU, e, se necessário, a data estimada da concepção. 

Os critérios de exclusão foram: amamentação; sangramento vaginal de causa desconhecida; uso de método contraceptivo de alta eficácia (esterilização cirúrgica, DIU ou implante hormonal); infecção intrauterina nos últimos três meses; infecção sem tratamento por Neisseria gonorrhea ou Chlamydia trachomatis nos últimos 30 dias; alergia ao cobre; uso de contracepção oral de emergência nos últimos cinco dias; e anormalidades da cavidade uterina conhecidas. Pacientes que tiveram outras relações sexuais desprotegidas há mais de cinco dias antes da inserção do DIU não foram excluídas.

As pacientes foram randomizadas em 1:1 para receber DIU com 52mg de levonorgestrel ou DIU de cobre T380A. Trinta dias após a inserção do DIU, as pacientes realizaram um teste de gravidez e compareceram a uma consulta de retorno.  O desfecho primário foi a ocorrência de gravidez no teste realizado um mês após a inserção do DIU. Outros desfechos avaliados: descontinuação do uso do DIU; satisfação da paciente com o método; ocorrência de sintomas de dor ou sangramento associados ao DIU.

Resultados do estudo

Os resultados mostraram que ocorreu apenas uma gestação em decorrência da falha da contracepção de emergência, no grupo DIU com levonorgestrel (0,3%; IC 95%, 0,01 a 1,7), e nenhuma no grupo do DIU de cobre (0%; IC 95%, 0 a 1,1).

A paciente que engravidou relatou um único episódio de relação sexual desprotegida, 48 horas antes da inserção do DIU, e a ultrassonografia realizada com 10 semanas de gestação foi compatível com a concepção ter decorrido da falha da contracepção de emergência. A gestação evoluiu para abortamento espontâneo na 10ª semana, com o DIU ainda normoposicionado.

Com relação aos desfechos secundários, uma participante do grupo do DIU de cobre teve expulsão do dispositivo no mesmo dia da inserção e teve o DIU reinserido no dia 11. Uma participante do grupo do DIU com levonorgestrel mudou para o DIU de cobre no dia 28.

Dentre as usuárias do DIU com levonorgestrel, 5,2% procuraram atendimento médico por efeitos adversos no primeiro mês após a inserção do dispositivo, comparado a 4,9% no grupo do DIU de cobre. 

Este RCT mostrou que o DIU com 52mg de levonorgestrel não foi inferior ao DIU de cobre T380 para uso como contraceptivo de emergência até cinco dias após relação sexual desprotegida.

A ocorrência de gestação um mês após a inserção do dispositivo foi relatada em 0,3% das participantes do grupo DIU com levonorgestrel, e em nenhuma participante do grupo DIU de cobre. Esta diferença foi não-significante em todas as análises, considerando-se um intervalo de confiança para uma margem de não-inferioridade de 2,5 pontos percentuais.

Apesar de o DIU com levonorgestrel não ter sido diretamente comparado com outros métodos de contracepção de emergência, os dados apresentados neste RCT (0,3%; IC 95%, 0,01 a 1,7) parecem ser favoráveis em relação aos dados na literatura para contracepção de emergência via oral (taxa de falha de 1,4 a 2,6%).

Além disso, a eficácia do DIU com levonorgestrel não parece ser afetada pelo índice de massa corpórea (IMC), diferentemente da contracepção via oral. Outra vantagem é oferecer a contracepção a longo prazo.

Diante do exposto, esse importante RCT mostrou que o DIU com levonorgestrel pode ser mais uma opção a ser oferecida como método para contracepção de emergência após relação sexual desprotegida. 

Referências:

Turok DK, Gero A, Simmons RG, Kaiser JE, Stoddard GJ, Sexsmith CD, Gawron LM, Sanders JN. Levonorgestrel vs. Copper Intrauterine Devices for Emergency Contraception. N Engl J Med. 2021 Jan 28;384(4):335-344. doi: 10.1056/NEJMoa2022141. PMID: 33503342; PMCID: PMC7983017.

*Dra Luiza Riccio é professora Sanar, com graduação em Medicina na EBMSP, Residência Médica em Ginecologia e Obstetrícia no HC-FMUSP e Doutorado em andamento na FMUSP. Participou de Colaboração Científica no INSERM/Université Paris-Descartes, França, e é revisora em periódicos científicos.