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Nos últimos dias, um caso médico publicado na Journal of Surgery Case Reports, importante revista científica, ganhou destaque midiático. Médicos brasileiros descreveram a remoção de um peso de academia de 2kg do ânus de um paciente de Manaus.
O homem, de 54 anos, chegou até o hospital com queixas de dores abdominais e constipação.
O caso foi tratado com certa estranheza, mas ele não apresenta nenhuma novidade para quem vivencia o ambiente de emergência.
Eu, Dr. Ricardo Zantieff, cirurgião geral e professor de Urgência e Emergência da UFBA, elenquei algumas considerações médicas sobre o caso. Confira!
O que é a inserção de corpo estranho anal?
Ao ocorrido, damos o nome de “inserção de corpo estranho anal”. Faça um exercício: coloque esta expressão no google e faça uma breve interpretação de como esses casos aparecem.
Você encontrará diversos relatos e notícias que abordam esses acontecimentos com um tom que mistura preconceito e caricatura.
Abordagens como essa geram uma situação delicada para leigos e médicos, o que, dada a frequência desses casos, não deveria ocorrer.
Classificação da inserção de corpo estranho anal
A inserção inserção de corpo estranho no ânus pode ser divida em duas categorias:
- Intencional – Pode ocorrer de forma não-sexual, com pessoas que querem esconder coisas em presídios, por exemplo, ou com cunho sexual;
- Não intencional – Engloba acidentes envolvendo, normalmente, crianças e pessoas com déficit cognitivo que, por falta de clareza nas ações, acabam realizando tal ato.
Entretanto, a inserção destes corpos pode acontecer em diversas cavidades, principalmente as relacionadas à questões sexuais. Existem relatos de inserção vaginal e uretral, ainda que o último seja mais raro.
Entre os casos que ganharam notoriedade por suas particularidades, a inserção de uma enguia de 50cm no reto, analisada neste artigo, merece sua atenção.
Inserção de objetos no ânus: como conduzir o atendimento médico?
Assim como no caso analisado, os pacientes chegam até a unidade de saúde constrangidos e, raramente, dizem o que aconteceu objetivamente. Queixas de quedas, escorregões e de abuso de álcool na noite anterior, o que apagaria suas memórias recentes, são recorrentes.
O perfil comum desses pacientes é o seguinte: homens de meia-idade que se declaram como não-homossexuais. Por isso, é fundamental que sua anamnese seja conduzida da melhor forma possível, apresentando uma abordagem clara e detalhada.
Se o paciente não verbalizar o fato, a indicação é perguntar, ativamente se houve a inserção de algum corpo estranho no reto, sem melindres e mantendo um tom respeitoso.
Por outro lado, o que não deve acontecer, em hipótese alguma, é o constrangimento do outro. Motivações e contextos não são relevantes na condução do caso.
Análise técnica do caso de inserção do peso da academia no ânus
Uma vez compreendida a situação, é hora de partir para o manejo mais técnico da questão. O exame físico, com avaliação anal, toque retal e anuscopia é fundamental para visualizar e identificar o objeto em questão. Só assim, conseguiremos remover e extrair o corpo estranho.
A remoção pode acontecer manualmente. Posicionando-o de forma adequada e retirando o objeto através de um anuscopio, na própria emergência.
Tratando-se objetos maiores, que não conseguem ser retirados por seu tamanho ou por serem pontiagudos, há a necessidade de sedação do paciente, de um bloqueio com anestesia raquidiana.
Nesse processo, há um relaxamento da musculatura do assoalho pélvico, o que aumenta as chances de retirada do objeto. Aqui, o paciente é colocado em posição litotômica e a extração se dá de maneira bem-sucedida.
Objetos no reto: quando é preciso fazer cirurgia?
Em casos ainda mais graves, é necessário realizar cirurgia, que consiste, basicamente, na abertura da barriga e do colo para retirada do objeto.
Outra condição que não pode deixar de ser avaliada é a possibilidade de laceração do reto. Caso a mesma seja constatada, deverá ser realizada uma cirurgia para fechar o oríficio ou lesão.
O paciente que inseriu o peso de academia afirmou ter passado dois dias com os incômodos, o que é comum nessas situações.
Muitas vezes, eles se apresentam após algumas horas ou dias de inserção do corpo estranho, depois de várias tentativas de remoção. Em razão disso, é capaz que já exista uma lesão ou um quadro de peritonite secundária à perfuração do reto.
Alguns protocolos indicam que, em caso de dúvidas após a remoção, seja feita uma sigmoidoscopia.
Caso não seja possível realizar o exame, é recomendado que o paciente fique em observação. Prestando atenção em qualquer alteração em seu quadro.
Outra possibilidade é dar alta ao paciente. Deixando claro que, em caso de qualquer sintoma, ele retorne à emergência, já que a peritonite é potencialmente letal.
Sugestão de leitura complementar
- Doenças Orificiais: anatomia do reto e principais doenças
- Resumo sobre câncer colorretal (completo) – Sanarflix
Prepare-se para atender casos como este!
Na rotina de um pronto-socorro, situações como esta aparecerão com certa frequência. Para deixá-lo preparado para atender esses casos de forma segura e precisa, elaboramos a Pós em Medicina e Emergência.
