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Fibrilação atrial isolada: arritmia em jovens | Colunistas

Fibrilação atrial isolada: arritmia em jovens | Colunistas

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A fibrilação atrial (FA) é uma arritmia supraventricular caracterizada por um ritmo irregular e rápido dos átrios. Ela é a arritmia cardíaca mais comum em todo o mundo e ocorre em cerca de 1 a 2% de toda a população mundial. A FA pode ser assintomática ou poder ter sintomas significativos que comprometem o estilo de vida do paciente. Além disso, o risco de se ter uma FA aumenta de acordo com a idade, acontecendo mais em pessoas com idade superior aos 80 anos. Entretanto, a FA pode aparecer em pacientes com menos de 60 anos de idade, sem qualquer doença cardiovascular estrutural, hipertensão arterial sistêmica ou doenças pulmonares, formando um subgrupo de 10 a 20% de pacientes, conhecido como fibrilação atrial isolada.

A FA isolada foi estudada em 1953 por William Evans e Peter Swann, quando analisaram 20 pacientes e concluíram que a arritmia provavelmente não era encontrada em mulheres, pois todos os pacientes que foram estudados naquela época eram do sexo masculino, e que, apesar de ser mais comum em idosos, era encontrada em indivíduos jovens.

O que é fibrilação atrial isolada?

A FA isolada também recebe os nomes de FA idiopática (sem relação com outra doença) ou FA solitária (do inglês “lone atrial fibrillation”, quando ocorre na ausência de alguma cardiopatia), pois surge na ausência de fatores etiológicos que são documentados na história clínica, e pelos exames complementares, tais como o ecocardiograma (ECO) normal. A FA isolada surgiu para definir pacientes mais jovens que tiveram casos de FA sem evidências de qualquer doença cardíaca. Pacientes com FA isolada têm um menor risco de complicações tromboembólicas, anulando a necessidade da anticoagulação. Ela promove mudanças eletrofisiológicas, conhecidas como remodelamento elétrico, que facilitam a sua recorrência e manutenção.

Figura 1 – Ritmo Sinusal e Arritmia.
Fonte: Aspectos Genéticos da Fibrilação Atrial Isolada. https://doi.org/10.11606/D.5.2019.tde-23082019-120235
Figura 2 – Fibrilação Atrial com frequência atrial > 170bpm.
Fonte: Fibrilação Atrial. Super Material. https://aluno.sanarflix.com.br/

Etiologia

Atualmente, tem-se utilizado três padrões relacionados à ocorrência da FA isolada:

FA familiar: doença monogenética com padrão de herança Mendeliana.

FA familiar no contexto de outra cardiopatia herdada: Displasia Arritmogênica (DAVD), cardiomiopatias dilatada ou hipertrófica e amiloidose familiar.

FA não familiar associada a alterações predisponentes não genéticas: estresse, abuso alcoólico (Holiday Heart Syndrome) ou mesmo o alcoolismo, tabagismo, consumo excessivo de cafeína.

Apesar da etiologia genética da FA isolada estar sendo estudada e demonstrada, ainda não há certeza sobre o seu papel na doença, pois alguns pacientes com FA apresentam ausência de fatores etiológicos.

Sintomas

A fibrilação atrial isolada se apresenta na maioria das vezes de forma assintomática e idiopática. Em casos quando aparecem os sintomas, é possível observar palpitações, dor torácica, fadiga, dispneia, vertigem e sincope.

Fatores de risco

Alguns fatores de risco podem ser evitados e controlados, tais como a mudança do estilo de vida, tabagismo, diminuição no consumo de bebidas alcoólicas e cafeína, obesidade e sedentarismo. Fatores como o histórico familiar e distúrbios cardíacos congênitos não podem ser modificados.

Epidemiologia

Aproximadamente 1 a cada 10 mil jovens apresenta a FA sem qualquer doença aparente, e na maioria das vezes ela aparece de forma intermitente. A maioria dos casos acontece em indivíduos do sexo masculino, com prevalência em torno de 1,5 vezes maior.

Em pacientes brasileiros com menos de 60 anos (maior parte dos casos de FA isolada), a prevalência é inferior a 0,1%. Enquanto relacionado à raça, a prevalência é maior em indivíduos que se autodeclaram brancos. Cerca de metade de pacientes com FA morrem de causas cardíacas como morte súbita, infarto agudo do miocárdio e insuficiência cardíaca.

Mecanismos patofisiológicos da fibrilação atrial

Na maioria das vezes as arritmias são patológicas, exceto a arritmia que tem origem sinusal. Os mecanismos fisiopatológicos que geram a FA ainda não são totalmente compreendidos, provavelmente ela apresentará uma série de fenótipos. A FA é uma arritmia que não apresenta ondas P e possui um RR irregular, ela está frequentemente associada a uma resposta ventricular rápida e irregular, com complexos QRS irregulares.

Diagnóstico e exames

Avaliação clínica: FA isolada, em geral, é assintomática e intermitente, tornando difícil a caracterização clínica do episódio como inicial ou crônico. É muito importante a monitorização ambulatorial do paciente.

Eletrocardiograma (ECG): é um exame essencial para o diagnóstico de qualquer tipo de FA. Os pacientes irão apresentar um ECG com RR irregular e sem a presença de ondas P. É possível documentar, sempre que possível, o início do episódio da FA através da despolarização precoce do átrio ou da taquicardia atrial.

Radiografia do tórax: é importante para a avaliação da circulação pulmonar e as dimensões dos átrios.

Holter 24h: avalia os sintomas e documenta o início e término dos episódios de FA.

Ecocardiograma transtorácico (ETT): é um exame que avalia a estrutura anatômica e funcional dos átrios e do septo interatrial, a anatomia e as funções das valvas cardíacas e a função sistólica do ventrículo esquerdo. É considerado um exame obrigatório na investigação clínica de pacientes que tenham história de FA.

Ecocardiograma (ECO): é realizado para avaliar o tamanho do átrio e a função do ventrículo esquerdo, para a procura de hipertrofia ventricular esquerda, doença cardíaca congênita e doença cardíaca valvar.

Estudo eletrofisiológico (EEF): usado para o esclarecimento diagnóstico de pacientes com relato de palpitações não documentadas.

Tratamento

Recomenda-se que o tratamento inicial da FA nos pacientes com sintomas seja através do controle dos fatores de risco e através do uso de medicamentos antiarrítmicos. A ausência da doença cardíaca estrutural faz com que o uso de drogas que controlam o ritmo, como a flecainida, seja utilizada de modo mais seguro em pacientes portadores de FA isolada. Nesse caso não há necessidade de medicação a longo prazo. Em pacientes sem fatores de risco, o uso do antiarrítmico pode estar indicado, no mínimo, por 30 dias.  Os fármacos mais utilizados são propafenona, sotalol, disopiramida, quinidina ou amiodarona. Também pode ser usado o método de cardioversão elétrica e a técnica cirúrgica de MAZE.

Figura 3 – Diagrama de abordagem da terapêutica na FA crônica estável, considerando o controle da frequência cardíaca.
Fonte: Diretriz de Fibrilação Atrial.   https://www.scielo.br/pdf/abc/v81s6/20225.pdf
Figura 4 – Diagrama da abordagem da terapêutica na FA crônica estável, considerando a cardioversão elétrica ou farmacológica.
Fonte: Diretriz de Fibrilação Atrial.   https://www.scielo.br/pdf/abc/v81s6/20225.pdf

Conclusão

A fibrilação atrial isolada é uma arritmia que acomete mais os jovens do sexo masculino. Ela acontece na maioria das vezes de forma assintomática, tornando mais difícil o diagnóstico. Apesar de ser estudada há mais de 65 anos, essa denominação não é muito usada por alguns médicos, pois acreditam que pode gerar uma certa confusão no diagnóstico. Alguns estudos mostram que ela pode ter origem tanto nos fatores genéticos quanto ambientais, onde o ambiente favorece a aparição da mesma. Então, se faz necessário que indivíduos que tenham familiares com algum tipo de enfermidade cardíaca fiquem mais atentos aos sinais, caso apareçam, além de manter um estilo de vida mais saudável e que não o comprometa com o passar dos anos, evitando assim uma possível fibrilação atrial, seja ela de forma isolada, paroxística, persistente, persistente crônica ou permanente.


O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


Referências:

Diretriz de Fibrilação Atrial – https://www.scielo.br/pdf/abc/v81s6/20225.pdf

II Diretrizes Brasileiras de Fibrilação Atrial – http://publicacoes.cardiol.br/2014/diretrizes/2016/02_II%20DIRETRIZ_FIBRILACAO_ATRIAL.pdf

Aspectos genéticos da fibrilação isolada – https://teses.usp.br/teses/disponiveis/5/5166/tde-23082019-120235/publico/GabrielleDArezzoPressenteVersaoCorrigida.pdf

Fibrilação Atrial – https://www.sanarmed.com/fibrilacao-atrial 

Livro Manual de Cardiologia Cardiopapers – Editores Eduardo Cavalcanti Lapa Santos…[et al.] . — São Paulo: Editora Atheneu, 2013.

The electrocardiogram in atrial fibrillation – UpToDate

Remodelagem atrial elétrica reversa após cardioversão de fibrilação atrial isolada de longa duração – https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0066-782X2009000900004