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Inibidores de Bomba de Prótons e seus efeitos adversos

Inibidores de Bomba de Prótons e seus efeitos adversos

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Os inibidores de bomba de prótons (IBPs) surgiram na década de 80 visando tratar distúrbios gástricos através da redução do ácido estomacal. Com comprovada eficácia, logo se tornou um medicamento bastante prescrito, sendo uma das classes de medicamentos mais prescritos no mundo, com seu sucesso, passou a ser  utilizado por muitos, sem prescrição, e como todo medicamento o uso indiscriminado pode levar a sérios problemas.


Os IBPs são utilizados para doenças relacionadas com a acidez estomacal, como por exemplo, úlcera péptica, duodenites pépticas, dispepsia funcional, doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) não erosiva, erradicação do Helicobacter pylori, dentre outras funções.


Utilizados entre os IBPs disponíveis no Brasil temos, o Omeprazol, o Pantoprazol, o Lanzoprazol, o Esomeprazol, o Rabeprazol e o Dexlansoprazol, alguns estudos apontam a relação do uso prolongado dessa classe de medicamentos a algumas doenças.

O presente artigo visa buscar informações a respeito dessa relação, bem como identificar se há prejuízo ou não com o uso prolongado dos IBPs.

Figura 1 – Estruturas moleculares dos inibidores da bomba de prótons disponíveis no Brasil https://www.sanarmed.com/artigos-cientificos/inibidores-da-bomba-de-protons-e-sua-relacao-com-a-doenca-renal

Mecanismo de ação

Considerado uma pró-droga, ou seja, tem sua liberação e efeito apenas após contato com um meio que a ative, neste caso, o ácido gástrico.
Principal constituinte do ácido gástrico, o ácido clorídrico (HCL), é secretado pelas células parietais do estômago, sendo composto por hidrogênio (H) e cloreto (Cl), estes constituintes são secretados separadamente sendo o H secretado através das bombas de hidrogênio/potássio ATPase (bombas de prótons) e o Cl secretado pelos canais de cloreto, a secreção é estimulada por 3 estímulos distintos, sendo eles, a gastrina, a histamina, e a acetilcolina.
Após ingestão, atua nas células parietais se ligando aos canalículos secretores, inibindo assim a enzima H+/K+ ATPase, uma vez no canalículo, sua estrutura é modificada pelo alto teor ácido, convertendo assim a pró-droga em sua forma ativa pela formação de sulfenamida tetracíclica catalisada por prótons ou ácido sulfênico, ocorre uma ligação covalente a grupamentos sulfidrílicos localizados em porção luminal da bomba de prótons, essa ligação retém o fármaco fazendo com que ele não se difunda através da membrana canalicular, inativando permanentemente a bomba de prótons, dessa forma, a secreção ácida só retorna após síntese e inserção de novas bombas de prótons em membrana apical das células parietais, possibilitando o efeito prolongado que essa classe de medicamentos possui.

Figura 2 – Mecanismo de ação dos inibidores da bomba de prótons nas células parietais https://www.sanarmed.com/artigos-cientificos/inibidores-da-bomba-de-protons-e-sua-relacao-com-a-doenca-renal

Efeitos a longo prazo nos diversos sistemas

Os efeitos colaterais dos IBP são raros, de forma mais comum os pacientes podem apresentar, dores de cabeça, náusea, constipação, flatulência, diarreia, erupção cutânea e tontura.

Figura 3 – Schematic diagram of some of the reported adverse consequences of long-term PPI therapy
https://www.gastrojournal.org/article/S0016-5085(17)35623-8/pdf

Nefropatias

Estudos associam o uso prolongado de IBP a nefropatias. Nefrite intersticial, doença renal crônica e dano renal agudo estão entre as nefropatias estudadas, a nefrite intersticial é o evento adverso raro associado ao IBP que tem maior consistência nas evidências. A nefropatia intersticial pode ser causada por doenças autoimunes, doenças hematológicas, uso de medicamentos e infecções. A diminuição da função renal ocorre devido ao tecido cicatricial gerado após lesão de células epiteliais tubulares e o infiltrado inflamatório que se instala na região, pode ocorrer lesão renal crônica por fibrose intersticial. Estudos associam o uso de IBP a um fator de risco para a doença renal crônica, porém, alguns autores associam nefrite intersticial como possível causadora do quadro. As nefropatias associadas aos IBP tem sua maior incidência observada em pacientes idosos e em pacientes que apresentam fatores de risco para doença renal.

Diminuição na absorção de vitamina B12 e magnésio

A liberação da vitamina B12 requer a presença de ácido gástrico, a diminuição da acidez gástrica levaria a uma alteração no ciclo do pepsinogênio, uma vez que, o pepsinogênio necessita do ácido para se converter em pepsina e assim retirar a vitamina B12 dos alimentos ingeridos, além dos IBPs também alterarem receptores em íleo, reduzindo assim sua capacidade absortiva. Por sua vez, presume-se em estudos, que a hipomagnesemia está relacionada ao uso de IBPs por inibição de canais catiônicos complexos do tipo melastatina, canais responsáveis pela absorção intestinal de magnésio, a associação de diuréticos e IBPs potencializa o risco, a hipomagnesemia pode levar a espasmos, arritmias cardíacas, convulsões, dentre outras complicações.

Risco cardiovascular

Estudos indicam que o risco cardiovascular se potencializa quando o IBP é utilizado concomitantemente ao Clopidogrel. O Clopidogrel é convertido no fígado pelas isoenzimas do citocromo P450 e assim assume sua forma ativa, os IBPs podem inibir o citocromo P450 além de competirem pela enzima hepática CYP2C19, interferindo assim na metabolização do Clopidogrel, sua eficácia é diminuída e assim resulta em um aumento do risco cardiovascular, entretanto, essa associação e seus efeitos necessitam serem melhor estudadas. A hipomagnesemia, citada anteriormente, contribui com o risco cardiovascular por sua relação com arritmias cardíacas.


Figura 4 – Medicamentos mais prescritos em associação ao omeprazol e/ou outro IBP em prescrições https://www.brazilianjournals.com/index.php/BJHR/article/view/5382

Pneumonia


Estudos sugerem risco aumentado para pneumonia adquirida na comunidade e o uso de IBPs, principalmente durante o primeiro mês de uso, a diminuição da acidez gástrica altera a flora intestinal levando a super crescimento bacteriano, que associado a microaspiração, levariam os pacientes ao quadro de pneumonia.

Quadros de demência

Os quadros de demência senil e declínio cognitivo se relacionam com o fato de alguns estudos acreditarem que os IBPs possam atravessar a barreira hematoencefálica, aumentando assim a produção da proteína ß-amilóide, e por sua vez, aumentando sua degradação pelos lisossomos da microglia, além de se ligarem a proteína TAU, ambos os fatores estão relacionados a patogênese da doença de Alzheimer. Por outro lado, o quadro neurológico também pode ser levado pela deficiência da vitamina B12, uma vez que, a referida vitamina tem papel importante na formação da bainha de mielina, sendo fundamental na transmissão de impulsos elétricos entre as células nervosas.

Outros efeitos estudados

Demais sistemas e efeitos adversos vem sendo estudados com relação ao uso de IBPs, sendo eles, fraturas ósseas por hipocalcemia, infecções entéricas por Clostridium difficile, câncer de estômago, câncer de esôfago, hiperplasia de células endócrinas e redução da função leucocitária, necessitando, porém, de estudos mais aprofundados.

Conclusão

Muito se tem estudado sobre o uso prolongado de IBPs, estudos bem fundamentados, porém, alguns ainda são controversos, se tornando necessário estudar-se ainda mais a respeito. Ainda assim, fica comprovado que, o uso indiscriminado e a longo prazo dessa classe de medicamentos pode acarretar sérios efeitos adversos, a rigor, a idade avançada, doenças pré-existentes e o uso concomitante com alguns medicamentos podem potencializar os riscos a tais efeitos.

Por sua vez, seguir as recomendações médicas, fazer o uso correto e o acompanhamento adequado, faz com que o uso de IBPs se torne imprescindível e benéfico para aqueles que necessitam da inibição do ácido gástrico para tratar alguma patologia do trato gastrointestinal ou como proteção gástrica em algumas situações.


Referências

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Resumo dos Inibidores da Bomba de Prótons | Ligas
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Resumo de Omeprazol | Ligas
https://www.sanarmed.com/resumo-de-omeprazol-ligas

Inibidores da bomba de prótons e sua relação com a doença renal – Carine Franco Morschel, Denise Mafra, José Carlos Carraro Eduardo
https://www.sanarmed.com/artigos-cientificos/inibidores-da-bomba-de-protons-e-sua-relacao-com-a-doenca-renal

Prof. Dr. Joaquim Prado P. Moraes Filho – Inibidores da Bomba Protônica: Uma revisão sobre segurança a longo prazo – Linha Gastro – Takeda
material impresso



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