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Insuficiência cardíaca: como diagnosticar? | Colunistas

Insuficiência cardíaca: como diagnosticar? | Colunistas

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A insuficiência cardíaca (IC) é uma síndrome clínica decorrente da incapacidade do coração em bombear o sangue adequadamente e, quando consegue, faz isso às custas de pressões de enchimento elevadas.

A IC afeta cerca de 23 milhões de pessoas em todo o mundo, sendo importante causa de mortalidade, inclusive no Brasil. A prevalência vai aumentando com a idade e os principais fatores de risco são hipertensão arterial sistêmica, doença arterial coronariana, doenças valvares, arritmias, miocardites, miocardiopatias e o uso de drogas, incluindo álcool.

Realizar o correto diagnóstico e tratamento é fundamental para melhorar a qualidade de vida do paciente e modificar a taxa de mortalidade associada à essa patologia.

Como fazer o diagnóstico?

O diagnóstico da IC é clínico! Deve ser feito por meio da anamnese e exame físico, podendo ser auxiliado pelos exames complementares. Os principais critérios clínicos utilizados na prática são os de Framingham e os de Boston.

Critérios de Framingham

Os critérios clínicos de Framingham estão divididos em 9 maiores e 7 menores. Como forma de memorizá-los, uma dica é tentar categorizar os critérios por tipos ou locais onde ocorrem as alterações, por exemplo: pulmão, circulação (congestão), coração e outras. A imagem a seguir mostra os critérios agrupados dessa forma.

Fonte: MONTERA et al. (2009) Adaptado.

Para diagnóstico de IC são necessários: 2 critérios maiores OU 1 maior + 2 menores. Os critérios menores são aceitos desde que não possam ser justificados por outra causa, como hipertensão pulmonar, DPOC, cirrose, ascite e síndrome nefrótica, por exemplo.

Critérios de Boston

               Os critérios de Boston utilizam um sistema de pontuação e os critérios já são apresentados por categorias: história, exame físico e radiografia de tórax.

CRITÉRIOS PONTOS
Categoria I: história  
Dispneia em repouso 4
Ortopneia 4
Dispneia paroxística noturna 3
Dispneia ao caminhar no plano 2
Dispneia ao subir escadas 1
Categoria II: exame físico  
Frequência cardíaca (FC): FC 91 – 110 bpm
FC > 110 bpm
1
2
Turgência jugular: se > 6 cm H2O
se > 6 cm H2O mais hepatomegalia ou edema
2
3
Crepitantes pulmonares: se restrito às bases
se mais do que apenas nas bases
1
2
Sibilos 3
Terceira bulha cardíaca 3
Categoria III: radiografia de tórax  
Edema pulmonar alveolar 4
Edema pulmonar intersticial 3
Derrame pleural bilateral 3
Índice cardiotorácico > 0,5 3
Redistribuição de fluxo para lobos superiores 2

Fonte: MONTERA et al. (2009).

De acordo com a pontuação, podemos afastar ou confirmar o diagnóstico:

8 – 12 pontos: diagnóstico de IC definitivo

5 – 7 pontos: diagnóstico de IC possível

< 4 pontos: diagnóstico de IC improvável

Importante: Devemos ter noção de que alguns sinais podem indicar o tipo de insuficiência, por exemplo: No caso da IC DIREITA predominam sinais de congestão sistêmica, tais como: edema de MMII, hepatomegalia, ascite, turgência jugular e refluxo hepatojugular. Já na IC ESQUERDA, os sinais de congestão pulmonar ganham destaque, a saber: crepitações, ortopneia e dispneia paroxística noturna.

Exames Complementares

Além dos critérios clínicos, podemos lançar mão de alguns exames complementares, que não somente auxiliam no diagnóstico, mas também direcionam o manejo do tratamento, melhorando assim o prognóstico do paciente.

A) Radiografia de tórax

É possível observar o aumento do índice cardiotorácico (> 50%), sinais de congestão pulmonar (inversão do padrão vascular – vascularização mais visível nos lobos superiores), ingurgitamento linfático (linhas B de Kerley), derrame pleural e até mesmo alterações ventriculares.

Legenda: radiografia de tórax de um paciente com IC.
Fonte: https://drpixel.fcm.unicamp.br/conteudo/sinais-radiologicos-da-insuficiencia-cardiaca-no-raio-x-de-torax

B) ECG

O eletrocardiograma (ECG) possui alto valor preditivo negativo, ou seja, um resultado normal afasta a suspeita de IC, porém um resultado alterado não necessariamente confirma, pois, diferentes situações podem levar a alterações no ECG.

C) Ecodopplercardiograma

É um método muito usado na prática pois orienta quanto ao diagnóstico, etiologia, classificação e prognóstico. Avalia a função ventricular sistólica e diastólica, tamanho e espessura das paredes das câmaras cardíacas e função das valvas. A fração de ejeção (FE) é um dado super importante, que indica a função sistólica do VE e que é determinante no tratamento da IC. Mas é importante lembrar que cerca de 50% das IC possuem FE preservada, por isso uma FE normal não exclui o diagnóstico.

D) Peptídeos natriuréticos

O BNP (Peptídeo Natriurético Cerebral) é um importante meio para diferenciar se a causa da dispneia é de origem pulmonar ou cardíaca. Ele costuma se elevar nas situações de aumento das pressões de enchimento ventricular, como ocorre na IC, por isso valores de BNP > 50 pg/ml ou de NT-proBNP > 125 pg/ml fazem o diagnóstico. Nos casos de IC descompensada, esses valores costumam estar bem mais elevados. Além disso, o BNP é útil para avaliar o prognóstico, quanto maior o BNP pior o prognóstico.

Importante: A presença de anemia, hiponatremia e elevação da ureia e creatina também são considerados fatores preditores de prognóstico.

Classificações

A IC possui diversas classificações, porém algumas não podem ser esquecidas:

I) Classificação da gravidade dos sintomas segundo a New York Heart Association (NYHA)

CLASSE DEFINIÇÃO DESCRIÇÃO
I Ausência de sintomas Assintomático
II Atividades físicas habituais causam sintomas. Limitação leve. Sintomas leves
III Atividades físicas menos intensas que as habituais causam sintomas. Limitação importante, porém confortável no repouso. Sintomas moderados
IV Incapacidade para realizar qualquer atividade sem apresentar desconforto. Sintomas no repouso. Sintomas graves

Fonte: COMITÊ COORDENADOR DA DIRETRIZ DE INSUFICIÊNCIA CARDÍACA (2018).

Essa é uma classificação dinâmica, ou seja, o paciente pode evoluir da classe I para a II, III e IV, mas também pode regredir do IV para III, II e I.

II) Estágios da IC segundo o American College of Cardiology/American Heart Association (ACC/AHA)

ESTÁGIO DESCRIÇÃO ABORDAGENS POSSÍVEIS
A Risco de desenvolver IC. Sem doença estrutural ou sintomas de IC. Controle de fatores de risco para IC: tabagismo, dislipidemia, hipertensão, etilismo, diabetes e obesidade. Monitorar cardiotoxicidade.
B Doença estrutural cardíaca presente. Sem sintomas de IC. Considerar IECA, betabloqueador e antagonistas mineralocorticoides.
C Doença estrutural cardíaca presente. Sintomas prévios ou atuais de IC. Tratamento clínico otimizado.* Medidas adicionais. * Considerar TRC, CDI e tratamento cirúrgico. Considerar manejo por equipe multidisciplinar.
D IC refratária ao tratamento clínico. Requer intervenção especializada. Todas as medidas acima. Considerar transplante cardíaco e dispositivos de assistência ventricular.

CDI: cardiodesfibrilador implantável; IC: insuficiência cardíaca; IECA: inibidor da enzima conversora de angiotensina; TRC: terapia de ressincronização cardíaca.

Fonte: COMITÊ COORDENADOR DA DIRETRIZ DE INSUFICIÊNCIA CARDÍACA (2018).

Nessa classificação, a partir do momento em que o paciente evolui, por exemplo, do A para o B, não é possível regredir. Ou o paciente se mantém no B, ou evolui para o C e, posteriormente, D.

III) Classificação quanto à Fração de Ejeção do Ventrículo Esquerdo (FEVE)

  • Preservada: FEVE > 50%
  • Intermediária: FEVE 40 – 90%
  • Reduzida: FEVE < 40%

A FEVE reduzida é mais comum em homens, principalmente por causas isquêmicas e a FEVE preservada é mais comum em mulheres idosas, sobretudo por HAS.

IV) Classificação quanto ao perfil hemodinâmico

Essa classificação apresenta 4 perfis, que levam em conta o estado de perfusão e congestão: A, B, C e L. Os sinais de baixa perfusão são pulso fraco e filiforme, extremidades frias, hipotensão, sonolência, hiponatremia e disfunção renal. Já os sinais de congestão são os mesmos já citados anteriormente.

O paciente A é aquele que possui uma IC compensada de tratamento ambulatorial; o B é o perfil mais comum da IC descompensada nas emergências; o C e o L são descompensações mais preocupantes, sendo que o L é o mais grave e geralmente requer tratamento intensivo.

Legenda: esquematização dos perfis hemodinâmicos da insuficiência cardíaca.
Fonte: http://cardiol.br/boaspraticasclinicas/ferramentas/fluxograma/modelo-bpc/Cartaz_Fluxograma_Tto_IC_Perfis.pdf (Adaptado)

Autora: Ana Ahid, Estudante de medicina

Instagram: @anahid95

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