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Quantas pessoas você conhece que possuem ametropias? Se você ainda não está familiarizado com o termo, vou perguntar de outra maneira: quantas pessoas você conhece que usam óculos? Imagino que sejam muitas, visto que erros de refração são extremamente comuns na nossa população.
As ametropias ou erros de refração, na oftalmologia, são defeitos ópticos que impedem que feixes de luz paralelos sejam focalizados na retina de maneira adequada.
Os principais vícios de refração são hipermetropia, miopia, astigmatismo e presbiopia. A principal repercussão dessas condições é a diminuição da acuidade visual. Vamos conversar sobre cada um deles?
FISIOLOGIA DA REFRAÇÃO DA LUZ
Compreender a fisiopatologia dos erros de refração é muito mais fácil quando nós entendemos o que ocorre fisiologicamente. Dessa forma, um olho emítrope é aquele em que há correlação adequada entre o eixo de seu comprimento e seu poder refrativo (ou seja, é um olho sem ametropias!).
Mas refração não era aquilo que aprendemos em Física no ensino médio? Bom, caro colega, no olho humano também ocorre um processo refrativo. Por definição, refração é a mudança de velocidade de uma onda ao atravessar a fronteira entre dois meios com diferentes índices de refração.

A quantidade de refração é definida pelo comprimento de onda dos raios luminosos, por seus ângulos de incidência, pelos seus comprimentos de onda e pela diferença no índice refrativo dos dois meios. Quanto maior a diferença do índice refrativo do segundo meio em relação ao primeiro, maior a refração, ou seja, maior será o desvio da luz. Além disso, quanto maior o índice refrativo do meio, menor é a velocidade da luz nele.
O aparelho dióptrico ou refringente do olho compreende córnea, humor aquoso, cristalino e humor vítreo. Dentre eles, o cristalino é responsável por cerca de um terço do poder refrativo ocular, sendo o meio refringente variável do olho. Para saber mais sobre a anatomia do globo ocular, confira a postagem da Sanar sobre Anatomia e fisiologia ocular.

O cristalino é uma lente convexa cuja curvatura é alterada pelo grau de contração dos músculos ciliares, mecanismo que integra o fenômeno de acomodação visual que possibilita visualização de objetos em diferentes distâncias. Quando olhamos para perto, o cristalino fica mais esférico, aumentando a convergência dos raios luminosos. Por outro lado, quando olhamos para longe ele se torna mais achatado, diminuindo a convergência da luz.

Os raios luminosos que incidem sobre o olho humano são refratados e, desse modo, a luz é focalizada em um ponto denominado fóvea central. A linha que conecta a fóvea e o objeto observado, portanto, determina o eixo visual. O eixo visual é distinto do eixo geométrico, pois este compreende a linha que conecta os dois polos do olho, não possuindo significância anatômica ou funcional.
A fóvea central é o local onde a imagem será percebida com maior nitidez após a transdução do sinal luminoso. Por isso, ela é considerada o ponto focal do olho. Essa imagem é formada na retina de maneira invertida (de cabeça para baixo).

MIOPIA
Sabe quando você está andando na rua e, de longe, avista uma pessoa? Se você, leitor, é uma pessoa que possui miopia, deve perceber que não é tão fácil assim reconhecer um rosto distante quando se tem essa condição. Isso ocorre porque, na miopia, a acuidade visual é deficiente para objetos distantes.
Esse fenômeno pode ser explicado pelo fato de que, no olho míope, a luz é focalizada na frente da retina, ao invés de na superfície da retina propriamente dita (na fóvea central).

A miopia pode ter duas causas principais: axial ou refrativa, sendo a primeira mais prevalente.
Miopia axial: ocorre quando o comprimento anteroposterior do olho está aumentado.
Miopia refrativa: ocorre quando há aumento do poder refringente de meio constituinte do globo ocular. Pode ocorrer por diversas causas, tais como:
- Curvatura excessiva da córnea, como ocorre noceratocone, ou do cristalino. O aumento dessa curvatura intensifica a convergência dos raios de luz, tornando o seu foco mais anterior em relação à retina.
- Aumento do índice refrativo do cristalino (miopia de índice), havendo aumento da convergência luminosa. É frequente na esclerose nuclear do cristalino ou no diabetes.
- Fenômeno de acomodação visual exacerbado (espasmo de acomodação). O aumento da curvatura do cristalino torna a distância focal menor.
A correção da miopia é feita através de óculos com lentes côncavas. A concavidade dessas lentes provoca maior divergência dos raios luminosos, permitindo que a imagem seja focalizada um pouco mais para trás, chegando então à retina.
HIPERMETROPIA
Pessoas com hipermetropia são aquelas que possuem dificuldade em enxergar objetos próximos. Isso ocorre porque o poder refrativo do olho não é suficiente, e por isso os raios de luz convergem um pouco atrás da retina.

A hipermetropia pode ter etiologia axial ou refrativa e, de modo semelhante à miopia, a etiologia axial é a mais comum.
Hipermetropia axial: ocorre quando o globo ocular é mais curto do que o normal. Sabia que, por isso, a maioria das crianças quando nasce possui hipermetropia? No entanto, na medida em que seus olhos crescem, esse erro de refração tende a desaparecer.
Hipermetropia refrativa: ocorre quando há enfraquecimento do poder refringente da córnea ou do cristalino, que pode acontecer por:
- Curvatura insuficiente da córnea ou do cristalino. Com isso, ocorre maior divergência dos raios luminosos e, por consequência, o ponto focal do olho torna-se mais posterior que o normal.
- Hipermetropia de índice, quando ocorre diminuição do índice refrativo do cristalino. Pode ocorrer em pacientes diabéticos no início do tratamento, podendo ser revertida em até 4 semanas.
- Afacia (ausência de cristalino no olho). A perda de um terço do poder refrativo do olho diminui a convergência dos raios luminosos, tornando o ponto focal mais distante.
- Deslocamento do cristalino para trás. Embora a refringência do cristalino esteja preservada, a distância entre ele e a retina está menor. No entanto, a distância percorrida pela luz permanece a mesma, sendo então focalizada atrás da retina.
Os pacientes hipermetropes conseguem compensar esse erro refrativo através da acomodação visual, via mecanismo semelhante ao que ocorre quando olhamos para um objeto distante. Assim, o relaxamento dos músculos ciliares diminui a curvatura do cristalino, aumentando a convergência dos raios luminosos.
Contudo, esse fenômeno compensatório é dificultado quando o paciente tenta olhar para objetos próximos, uma vez que isso depende de uma diminuição da curvatura do cristalino. É frequente, portanto, que esse tipo de paciente tenha sintomas de esforço ocular (cefaleia, dor ocular, ardência e borramento visual), principalmente durante a leitura.
A hipermetropia manifesta é a parcela da hipermetropia que o paciente compensar via acomodação visual. Em contrapartida, a hipermetropia latente é a parcela que não consegue ser compensada. O somatório das duas chama-se hipermetropia total.

A correção da hipermetropia é feita com o uso de lentes convexas. Essas lentes aumentam a convergência dos raios luminosos, permitindo que a imagem seja formada mais anteriormente.
ASTIGMATISMO
O astigmatismo decorre do fato de que a superfície refratora do olho humano não é perfeitamente esférica em todos os meridianos. Nesse sentido, esses meridianos podem ter curvaturas diferentes, diferença tal que impossibilita que haja um ponto focal no olho. Isso provoca um borramento heterogêneo da imagem, tornando algumas porções mais nítidas e outras mais borradas.

A principal causa do astigmatismo são as alterações retinianas ou no formato da córnea ou do cristalino. Os astigmatismos podem ser divididos em regulares e irregulares, sendo os primeiros mais comuns.
Astigmatismos regulares: existem dois meridianos principais, sendo eles perpendiculares entre si. Um deles apresenta a curvatura máxima e outro com a mínima, enquanto os demais meridianos possuem poderes refrativos intermediários.
Os astigmatismos regulares podem ser corrigidos via lente cilíndrica, formada por dois segmentos: um cilíndrico plano sem poder refrativo e outro composto de grande curvatura. Assim, há refração dos raios de luz em direção oposta ao eixo do cilindro.
Astigmatismos irregulares: ocorrem quando os dois meridianos principais não formam um ângulo reto entre si. Isso forma diversas refrações em diversos meridianos, além de diferentes refrações ao longo de um mesmo meridiano. Podem ser causados por irregularidades na superfície corneana (ex: por cicatrizes ou ceratocone) ou do cristalino.

PRESBIOPIA
Com certeza você já viu um adulto ou idoso afastando de seus olhos um objeto ou texto que deseja ver ou ler.
Isso ocorre porque, na presbiopia, ocorre redução fisiológica da amplitude de acomodação. Dessa forma, o paciente tem dificuldade de realizar a acomodação visual necessária para observar objetos próximos. Nessa situação, o cristalino que deveria estar esférico fica mais achatado, o que diminui a convergência dos raios de luz. O ponto do focal do olho, portanto, fica posicionado atrás da retina de modo semelhante à hipermetropia.

Geralmente, essa condição surge em torno dos 40 anos de idade. Nesse período, começa a haver perdas na elasticidade da cápsula do cristalino, dificultando que haja mudanças na sua curvatura. Essa perda de elasticidade é atribuída a 1) desidratação; 2) esclerose nuclear do cristalino e 3) alteração no índice de refração entre o córtex e o núcleo do cristalino.
Uma curiosidade interessante é o fato de pessoas míopes, em geral, demorarem mais para desenvolver presbiopia com a idade. Como discutimos lá atrás, o ponto focal do olho míope está anteriorizado, o que pode neutralizar a posição mais posterior do foco do olho com presbiopia. Portadores de miopia, dessa forma, tendem a desenvolver presbiopia somente a partir dos 45 a 50 anos.
Autora: Larissa Melo
Instagram: @larissamelot
O texto acima é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

REFERÊNCIAS
PUTZ, C. Oftalmologia: Ciências Básicas. 3ª ed. Guanabara Koogan, 2017.
PORTO, Celmo Celeno. Semiologia Médica. 8ª ed. Guanabara Koogan, 2019.
BERNE, Robert M.; LEVY, Matthew N. (Ed.). Fisiologia. 6ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2010.