Ciclos da Medicina

Aparelho Digestivo: como evitar erros na indicação de cirurgia?

Aparelho Digestivo: como evitar erros na indicação de cirurgia?

Compartilhar
Imagem de perfil de Residência Médica

Prof. Dr. Vergilius Neto

1. “O estadiamento do câncer de reto é igual ao câncer de cólon.”

O estadiamento do câncer de cólon é feito com colonoscopia completa com biópsia + CEA + tomografia de tórax, abdome e pelve. Num câncer de reto, deve-se adicionar a esses um exame que avalie com maior precisão o mesorreto e as relações locais pélvicas do tumor, como a ressonância magnética de pelve ou, alternativamente, o ultrassom endorretal.

2. “A conduta diante de toda colecistolitíase é o tratamento cirúrgico.”

Na verdade, não. Lembre-se que a colecistolitíase é uma condição que afeta mais que 10% da população mundial (podendo chegar a porcentagens maiores, a depender do sexo e faixa etária). A colecistolitíase configura indicação cirúrgica quando: 1. apresentar sintomas associados (dor biliar) ou 2. apresentar complicações (colecistite aguda, coledocolitíase, pancreatite aguda biliar…). Os casos assintomáticos são operados quando: 1. apresentam risco elevado de câncer (pólipos + cálculos, vesícula em porcelana), ou 2. ocorrem em pacientes “formadores de cálculos” (como nas anemias hemolíticas).

3. “O papel da cirurgia na doença ulcerosa péptica está no tratamento de urgências.”

Na verdade, não somente. De forma eletiva, o tratamento cirúrgico tem seu papel no manejo da doença ulcerosa péptica, estando indicado: 1. na intratabilidade clínica (o paciente com doença refratária ou recidivante) e 2. na complicação de estenose antropilórica. A técnica cirúrgica envolvida depende, sobretudo, da localização da úlcera.

4. “No tratamento cirúrgico da Obesidade, a cirurgia não desempenha um papel naqueles com Obesidade grau I (IMC 30-35), mas sim nos casos de Obesidade grau II (IMC 35-40) ou III (IMC > 40).”

Atenção! Classicamente, a cirurgia Bariátrica está indicada nos pacientes com IMC >40, ou naqueles com IMC >35 com comorbidades associadas. Mas não se esqueça que, mais recentemente, temos o papel da cirurgia Metabólica nos pacientes com IMC >30 e diabetes mellitus de difícil controle. 

5. “A cirurgia indicada no câncer esofágico é a esofagectomia trans-hiatal.”

Atenção! A cirurgia transhiatal não é uma cirurgia oncologicamente adequada. O tratamento do câncer esofágico é a quimiorradioterapia neoadjuvante seguida de esofagectomia com toracoscopia (na qual há linfadenectomia dos territórios torácico e abdominal).

6. “CPRE como exame diagnóstico.”

USG demonstra dilatação de via biliar mas não visualiza o fator obstrutivo. Devemos prosseguir com investigação da etiologia da obstrução, com ECO-EDA (ultrassom endoscópico) ou colangioressonância. Após a confirmação da etiologia (coledocolitíase, tumor de pâncreas, klatskin, estenose benigna), aí sim devemos solicitar a CPRE! Como via de regra, a CPRE é um exame terapêutico! Ela fica reservada para os casos com coledocolitíase confirmados ou com alto risco de coledocolitíase (BT > 4; BT > 1,8 com colédoco dilatado ou colangite).

7. “Todo nódulo hepático deve ser biopsiado.”

CUIDADO! A maioria dos nódulos hepáticos são benignos e o diagnóstico é realizado por meio de exames de imagem! A tomografia computadorizada com contraste ou a ressonância magnética de abdome superior são excelente exames para distinguir diferentes lesões. 

Hemangiomas: padrão clássico com captação periférica na fase arterial, completando seu enchimento na fase venosa, quando o contraste atinge o centro do tumor (captação centrípeta). 

Hiperplasia nodular focal: clássica cicatriz central.

Sugestão de leitura complementar

8. “5º PO de gastrectomia subtotal, paciente evolui com aumento significativo do débito no dreno e saída de secreção biliosa/entérica. Laparotomia imediata?”

Não! A fístula do coto duodenal é uma importante complicação da gastrectomia subtotal. Em pacientes estáveis hemodinamicamente, sem sepse ou peritonite, a conduta costuma ser conservadora! Com jejum oral, antibioticoterapia e NPP! Não se esqueçam de solicitar uma tomografia computadorizada com contraste, para afastar coleções locais! 

9. “Realizar manometria para fins diagnósticos de DRGE.”

A manometria é exame obrigatório antes de qualquer fundoplicatura! Mas não serve, de forma alguma para ajudar no diagnóstico! A manometria pré operatória deve ser feita para afastar acalasia! 

10. “Todo câncer gástrico precoce pode ser ressecado por endoscopia.”

Por definição o câncer gástrico precoce é aquela restrito à mucosa ou até submucosa (T1a ou T1b), independente do acometimento linfonodal. Nem todo câncer gástrico precoce pode ser ressecada por EDA. Os critérios para ressecção endoscópica são:

  • limitado à mucosa (T1a);
  • não ulcerado; 
  • sem invasão linfovascular; 
  • < 2 cm;
  • Bem diferenciado (intestinal na classificação de Lauren).