Definição e epidemiologia do refluxo gastroesofágico
A doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) é uma afecção crônica caracterizada pelo deslocamento retrógrado do conteúdo gástrico para o esôfago e estruturas adjacentes, ocasionando, dessa forma, um grande espectro de sinais e sintomas que causam desconforto e comprometem a qualidade de vida de milhares de pessoas no mundo.
É uma das causas mais frequentes
de consultas ambulatoriais em Gastroenterologia e afeta todas as faixas etárias,
sendo mais prevalente em países ocidentais. Além disso, os principais fatores
de risco relacionados com a DRGE incluem idade avançada, predisposição genética,
presença de hérnia hiatal, além de condições que elevam a pressão intra-abdominal,
como obesidade e gestação.
Fisiopatologia da doença do refluxo gastroesofágico
A etiopatogenia da DRGE é
multifatorial. A exposição crônica da mucosa esofágica ao conteúdo gastroduodenal
é decorrente do defeito de um ou mais mecanismos de defesa do esôfago, sendo
eles:
- A barreira antirrefluxo, formada pelos esfíncteres
esofágicos inferior (interno) e externo. - Os mecanismos de depuração ou “clareamento”
intraluminal, a exemplo do peristaltismo, da ação da gravidade e da própria neutralização
do conteúdo ácido pela saliva. - Os mecanismos de resistência normalmente
presentes no epitélio esofágico (muco, bicarbonato, junções intercelulares
firmes, suprimento sanguíneo).
A falha da barreira antirrefluxo
– seja pela hipomotilidade esofágica ou pela hipotonia do esfíncter esofágico
inferior (EEI) – combinada ao refluxo do conteúdo duodeno-gastroesofágico lesa
a mucosa do esôfago por ação da composição ácida do material gástrico ou até
mesmo por meio de enzimas proteolíticas provenientes do conteúdo duodenal (sais
biliares e enzimas pancreáticas).
Nesse contexto, a exposição
crônica da mucosa do esôfago ao conteúdo ácido é responsável pelo processo de
metaplasia ou displasia epitelial. Além disso, essa acidificação da mucosa
esofágica distal ativa o nervo vago, explicando, assim, a ocorrência de algumas
manifestações extraesofágicas da DRGE.
Quadro clínico da DRGE
O quadro clínico da DRGE pode ser
dividido em sintomas típicos, atípicos e sinais de alarme, que, por sua vez,
indicam maior gravidade da doença.
A sintomatologia típica ou
clássica constitui-se de pirose ou azia (sensação de queimação retroesternal) e
regurgitação ácida. Na história clínica, é comum que o paciente refira que
esses sintomas são mais frequentes após as refeições ou durante o decúbito.
Os sinais e sintomas atípicos ou
extra-esofágicos são decorrentes do contato direto do conteúdo refluído com estruturas
adjacentes ao esôfago ou, ainda, por meio da exacerbação do reflexo vagal. São exemplos
deles: dor torácica, globus faríngeo, tosse, asma, rouquidão, pigarro,
sinusite, otalgia.
Já os sinais de alarme (ou
alerta) são: disfagia, odinofagia, hemorragia digestiva, perda ponderal, anemia,
além de sintomas de forte intensidade e/ou de predomínio noturno.
Diagnóstico da doença do refluxo gastroesofágico
Ainda que o diagnóstico da DRGE
seja eminentemente clínico, por meio de uma anamnese detalhada que possibilite
a caracterização dos sintomas, a Endoscopia Digestiva Alta é, rotineiramente, o
exame complementar de escolha para auxiliar no diagnóstico de lesões ocasionadas
pelo RGE, uma vez que permite a caracterização das erosões da mucosa esofágica
e possibilita a realização de biópsias para estudo histopatológico, quando
necessário. As principais classificações endoscópicas das erosões esofágicas
são a de Savary-Miller e a de Los Angeles.
Além disso, o uso de métodos de
imagem, como a Radiografia contrastada do esôfago (Esofagograma ou Seriografia)
e a Cintilografia podem auxiliar na investigação da DRGE. Outro método auxiliar
para o diagnóstico é a Manometria esofágica, útil no pré-operatório para
precisar a localização do EEI e para investigar distúrbios motores.
A pHmetria de 24 horas é particularmente
útil para caracterizar o conteúdo refluído, sendo indicado para o diagnóstico
de DRGE em pacientes com sintomas típicos que não apresentam resposta
satisfatória ao tratamento. No entanto, esse método tem como limitação a
incapacidade de determinar o volume do refluxato e de avaliar a presença de
esofagite.
Tratamento da DRGE
O tratamento da DRGE baseia-se,
principalmente, em medidas comportamentais, farmacológicas e, em alguns casos, cirúrgicas.
No que se diz respeito ao
tratamento não farmacológico, algumas mudanças no estilo de vida devem ser
recomendadas:
- Perda de peso
- Evitar refeições copiosas
- Elevação da cabeceira ao deitar (15 cm)
- Evitar refeições 2 horas antes de deitar
- Suspensão do tabagismo e do uso de bebidas
alcoólicas - Evitar alimentos como: chocolate, café, alimentos
gordurosos e cítricos, condimentos à base de tomate, bebidas gasosas
O tratamento farmacológico, por
sua vez, pode ser feito com o uso de Inibidores de Bomba de Prótons (IBPs) como
primeira escolha. Também podem ser usados antiácidos para alívio dos sintomas,
bloqueadores dos receptores H2 da histamina e procinéticos. Vale ressaltar que o
tempo ideal da duração do tratamento medicamentoso é, em geral, de 6 a 12
semanas e ele sempre deve ser combinado com as medidas educativas de mudança do
estilo de vida.
Em relação ao tratamento cirúrgico, suas principais indicações são em casos de complicações e refratariedade ao tratamento clínico.




