O Transtorno de personalidade Narcisista (TPN) caracteriza-se pelo sentimento de ser muito importante, especial, fora de série, ou seja, um sentimento de grandiosidade, que pode ser evidente ou disfarçado. Além disso, há uma necessidade de atenção e admiração, relacionamentos superficiais e ausência de empatia.
O sentimento de grandiosidade não permanece apenas no pensamento do indivíduo, mas costuma ser demonstrado através das atitudes cotidianas, com exigência de admiração e de reconhecimento de qualidades e talentos que ele acredita ter e que o diferencia dos outros.
Além disso, o narcisista reage muito mal quando não é colocado nesse patamar de superioridade, quando é tratado como uma pessoa “comum” ou quando suas necessidades não são atendidas.
Epidemiologia do Transtorno de Personalidade Narcisista
Em alguns estudos, estima-se que a frequência de Transtorno de Personalidade Narcisista na população estudada foi entre 1 e 17%, sendo a maioria homens.
Apesar de prevalente, corresponde a um dos transtornos de personalidade menos estudados. Além disso, normalmente associa-se a outros transtornos psiquiátricos, entre eles:
- Transtornos do humor (por exemplo, transtorno depressivo maior e transtorno bipolar);
- Transtornos de ansiedade;
- Transtornos por uso de substâncias;
- Outro transtorno de personalidade (por exemplo, histriônico, borderline, paranoico).
Patogênese do Transtorno de personalidade Narcisista
A patogênese do Transtorno de Personalidade Narcisista é incerta, sendo atribuída a uma combinação de fatores genéticos, biológicos e psicossociais.
Estudos indicam uma possível influência genética, com taxas de hereditariedade para transtornos de personalidade superiores a 60%. Além disso, traços específicos de narcisismo, como grandiosidade e busca por aprovação, também parecem ter um componente genético significativo.
Em termos biológicos, estudos de imagem cerebral associaram o Transtorno de Personalidade Narcisista a alterações em regiões envolvidas na empatia, como a ínsula e o córtex pré-frontal. Essas áreas relacionam-se ao processamento de emoções e, dessa forma, podem explicar a dificuldade de empatia observada em indivíduos com esse transtorno.
No aspecto psicossocial, por sua vez, teorias sugerem que estilos parentais, como superproteção, supervalorização ou negligência, podem influenciar o desenvolvimento do Transtorno de Personalidade Narcisista. Da mesma forma, traumas na infância, especialmente abuso emocional, também associam-se ao desenvolvimento de traços narcisistas.
Portanto, o Transtorno de Personalidade Narcisista parece ser resultado de uma interação complexa entre genética, fatores biológicos e experiências psicossociais.
Manifestações Clínicas do Transtorno de Personalidade Narcisista
A apresentação do Transtorno de Personalidade Narcisista é variável, porém, algumas características clínicas são centrais nessa condição, entre elas:
- Grandiosidade;
- Necessidade de atenção e admiração;
- Relações interpessoais superficiais;
- Ausência de empatia.
Grandiosidade
Indivíduos com Transtorno de Personalidade Narcisista caracterizam-se por possuir uma percepção exagerada de sua própria importância, acreditando serem superiores aos demais e merecedores de privilégios especiais. Essa sensação de superioridade pode ser evidente ou, em alguns casos, mascarada por sentimentos de inadequação ou inferioridade. Além disso, tanto a grandiosidade aberta quanto a encoberta são frequentemente acompanhadas por fantasias sobre sucesso ilimitado, beleza, inteligência, poder ou amor ideal.
Necessidade de atenção e admiração
Pessoas com Transtorno de Personalidade Narcisista procuram estar sempre no centro das atenções, independentemente da situação, dominando frequentemente as conversas e exigindo destaque.
Dessa forma, quando não recebem a atenção que esperam ou quando outros são o foco, esses indivíduos tendem a sentir-se menosprezados, injustiçados, esgotados e, além disso, podem reagir com raiva.
Relações interpessoais superficiais
O Transtorno de Personalidade Narcisista é marcado por relacionamentos superficiais, onde as conexões são mantidas apenas enquanto trazem algum benefício, seja material ou para aumentar a autoestima.
Por isso, indivíduos com essa condição tendem a aproximar-se de pessoas ricas, bonitas ou famosas, com o objetivo de promover o próprio status.
Ausência de empatia
Indivíduos com Transtorno de Personalidade Narcisista carecem da capacidade de ter empatia com as necessidades alheias. Dessa forma, alguns ficam atentos às reações dos outros, mas apenas podem perceber que essas reações são relevantes para si mesmos; por outro lado, outros podem parecer completamente desinteressados.
Nos dois casos, a empatia emocional – ou seja, a habilidade de “sentir junto” ou se importar com as necessidades emocionais e experiências dos outros – é gravemente limitada e, em alguns casos, pode estar ausente.
Síntese das principais características
Em suma, algumas características que podem estar presentes estão listadas a seguir:
- Ter um senso exagerado de auto-importância e falta de empatia;
- Ter uma sensação de direito e exigir admiração constante e excessiva;
- Esperar ser reconhecido como superior, mesmo sem conquistas que garantam isso;
- Exagerar em suas conquistas e talentos;
- Preocupar-se com fantasias sobre o sucesso, poder, brilho, beleza ou o companheiro perfeito;
- Acreditar que eles são superiores e só podem se associar com pessoas igualmente especiais;
- Monopolizar as conversas e menosprezar as pessoas que elas percebem como inferiores;
- Esperar favores especiais e cumprimento inquestionável de suas expectativas;
- Aproveitar os outros para conseguir o que eles querem;
- Apresentar uma incapacidade ou falta de vontade para reconhecer as necessidades e sentimentos dos outros;
- Ter inveja dos outros e acreditar que os outros invejam;
- Comportar-se de maneira arrogante, parecendo vaidoso, pretensioso e pouco assertivo;
- Insistir em ter o melhor de tudo – por exemplo, o melhor carro ou escritório.
Avaliação e diagnóstico do Transtorno de personalidade narcisista
A avaliação diagnóstica de pacientes com possível Transtorno de Personalidade Narcisista exige uma análise abrangente dos sintomas e do funcionamento psicológico, interpessoal e profissional.
Dada a variedade de manifestações do transtorno, é importante incluir o histórico de relações familiares, amizades e tratamentos anteriores. Além disso, a avaliação deve considerar o funcionamento da personalidade, a estabilidade dos relacionamentos, a capacidade de intimidação e empatia, o comprometimento com metas de longo prazo e, por fim, a consistência do senso de identidade.
Dessa forma, na entrevista clínica, a abordagem que o paciente faz sobre outras pessoas pode ser importante para o diagnóstico, sendo essas exposições geralmente depreciativas ou idealizadas.
Além disso, é necessário avaliar tanto as formas grandiosas quanto as vulneráveis da patologia narcisista, sendo que a forma vulnerável pode ser mais difícil de identificar, mas igualmente prejudicial. Por fim, também é importante investigar o funcionamento moral e possíveis traços antissociais.
Embora existam instrumentos estruturados para diagnosticar o Transtorno de Personalidade Narcisista e medir a evolução clínica, esses não são usados de forma rotineira na prática clínica, e uma avaliação realizada por uma experiência clínica ainda é o método mais confiável para o diagnóstico.
Diagnóstico
Para o diagnóstico do Transtorno de Personalidade Narcisista, os pacientes devem apresentar-se com padrão persistente de grandiosidade, necessidade de admiração e falta de empatia.
Portanto, esse padrão caracteriza-se por ≥ 5 dos seguintes:
- Sentimento grandioso acerca da própria importância;
- Preocupação com fantasias de ilimitado sucesso, poder, inteligência, beleza ou amor ideal;
- Crença de ser “especial” e único e de que somente pode ser compreendido ou deve associar-se a outras pessoas ou instituições de condição elevada;
- Exigência de admiração excessiva;
- Presunção, ou seja, possui expectativas irracionais de receber um tratamento especialmente favorável ou obediência automática às suas expectativas;
- É explorador em relacionamentos interpessoais, ou seja, tira vantagem de outros para atingir seus próprios objetivos;
- Ausência de empatia, ou seja, reluta em reconhecer ou identificar-se com sentimentos e necessidades alheias;
- Frequentemente sente inveja de outras pessoas ou acredita ser alvo de inveja alheia.
Suicídio e Transtorno de Personalidade Narcisista
O Transtorno de Personalidade Narcisista representa um fator de risco específico para suicídio consumado e tentativa de suicídio.
Clinicamente, pacientes com Transtorno de Personalidade Narcisista podem apresentar grandiosidade e hostilidade que escondem humor deprimido e desesperança. Dessa forma, é essencial que os profissionais de saúde mental mantenham um alto grau de vigilância, mesmo na ausência de sinais de alerta típicos.
Mudanças de vida e perdas, por exemplo, tendem a ter um impacto mais intenso e prolongado nesses indivíduos. O uso de substância, por sua vez, é um fator de risco adicional e, dessa forma, deve ser monitorado.
Além disso, a presença de transtorno de personalidade borderline comórbido pode exacerbar a impulsividade, tornando o encaminhamento para tratamento uma prioridade urgente.
Por fim, destaca-se que os pacientes com Transtorno de Personalidade Narcisista frequentemente apresentam vínculos frágeis e resistência ao tratamento, o que pode dificultar a adesão às intervenções terapêuticas, deixando-os mais vulneráveis à ideação suicida.
Embora não existam estratégias baseadas em evidências específicas para o manejo da suicidalidade em pacientes narcisistas, a atenção e intervenção precoce são necessários para minimizar os riscos.
Tratamento do Transtorno de Personalidade Narcisista
Justamente pelo narcisista se achar superior, raramente ele reconhece que tem um problema, e é menos provável ainda que procure alguma forma de tratamento. Quando procura, geralmente seu foco são os outros, e ele usa a terapia como um local de desabafo para dizer o quanto o mundo não está dando a ele tudo aquilo que ele merece.
O tratamento geral do Transtorno de Personalidade Narcisista é o mesmo que para todos os transtornos de personalidade. Dessa forma, psicoterapia psicodinâmica, que focaliza os conflitos subjacentes, pode ser eficaz.
A psicoterapia, portanto, é o tratamento de primeira linha. Todavia, para pacientes com sintomas graves ou persistentes, que representem risco para si ou para outros, recomenda-se utilizar farmacoterapia adjuvante. Nesses casos, a escolha do fármaco é orientada aos sintomas.
Ademais, algumas abordagens desenvolvidas para o transtorno de personalidade borderline podem ser adaptadas de modo eficaz para uso com pacientes com Transtorno de Personalidade Narcisista.
Por fim, condições psiquiátricas comórbidas devem ser tratadas simultaneamente ao tratamento do Transtorno de Personalidade Narcisista.
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Sugestão de leitura recomendada
- Transtorno de personalidade: do diagnóstico ao tratamento
- Resumos transtornos de personalidade: classificação e diagnóstico | Colunistas
Referências
- CALIGOR, E.; PETRINI, M. J. Narcissistic personality disorder: Epidemiology, pathogenesis, clinical manifestations, course, assessment, and diagnosis. UpToDate, 2024.
- CALIGOR, E.; PETRINI, M. J. Narcissistic personality disorder: Treatment overview. UpToDate, 2024.
