Urgência e Emergência

Acidente Vascular Cerebral (AVC): diagnóstico e conduzir

Acidente Vascular Cerebral (AVC): diagnóstico e conduzir

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O Acidente Vascular Cerebral (AVC) é um déficit neurológico focal, de instalação súbita ou com rápida evolução, de causa vascular. É a segunda maior causa de morte no mundo e a principal causa de morte no Brasil.

Os principais fatores de risco para AVC são: idade > 60 anos, hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus tipo 2, hipercolesterolemia, tabagismo, história familiar de doença cerebrovascular.

Tipos de Acidente Vascular Cerebral

O AVC pode ser isquêmico (AVCi), em cerca de 80% dos casos ou hemorrágico (AVCh), em 20% dos casos. Sua distinção é muito importante para guiar a conduta.

Algumas características do quadro clínico podem sugerir mais um AVCh do que um AVCi, porém a confirmação apenas é possível através de um exame de imagem (preferencialmente, tomografia computadorizada).

Etiologia e fisiopatologia

AVCi: Região de infarto propriamente dita. Dano estrutural e funcional são irreversíveis.

Zona de penumbra isquêmica: Região onde há redução do fluxo sanguíneo, mas que é capaz de se manter estruturalmente viável.

Principais causas do AVCh:

  • Hipertensão
  • Angioma cavernoso
  • Angiopatia amiloide
  • Neoplasia intracraniana
  • Malformação ou fístula arteriovenosa
  • Aneurisma roto

Mecanismos do AVCi e AIT

  • Mecanismos aterotrombóticos;
    • Fatores de risco: hipertensão, DM, dislipidemia e tabagismo.
    • Trombose in situ- no local da placa aterosclerótica-;
    • Tromboembolismo distal- oclusão vascular distalmente ao local do placa.
  • Cardioembolismo (oclusão vascular súbita por êmbolo proveniente do coração):
    • Arritmias: Fibrilação atrial (mais comum);
    • Miocardiopatias;
    • Valvopatias;
  • Trombose de pequenas artérias
    • Pequenos infartos, causados por oclusão, na profundidade dos hemisférios cerebrais ou do tronco encefálico;
    • Fatores de risco: hipertensos e DM
  • Outros: arterites, trombofilias, dissecções arteriais cervicais

Mecanismos da Hemorragia intraparenquimatosa (HIP)

  • Hipertensão arterial é a sua causa mais comum;
  • “Aneurismas” de Charcot-Bouchard: espiralamento das artérias e arteríolas, devido a alteração patológica causada pela HA.
  • Outras causas: malformações vasculares, aneurismas saculares, distúrbios da coagulação, sangramento de tumores cerebrais, arterites e drogas.
    • Suspeitar quando há hemorragia lobar, sem HA;
    • Idosos> 70 anos: angiopatia amiloide.
  • Próximos aos ventrículos: pode causar dilatação ventricular.
  • Complicações: edema cerebral, inundação ventricular, hidrocefalia, desvios hemisféricos e herniação.
  • Locais mais frequentes: núcleos da base, ponte, cerebelo, substância branca dos lobos cerebrais (hemorragia lobar).

Mecanismos da Hemorragia subaracnóide (HSA)

  • Principal causa: Hemorragia de aneurismas saculares intracranianos;
  • Locais mais frequentes: ACA, ACP, ACM (próximas ao polígono de Willis).

Achados clínicos no AVCi

O quadro clínico do paciente com AVC pode ser muito diverso, visto que os sintomas variam conforme o território arterial acometido. Isso torna o seu diagnóstico, por vezes, desafiador, embora seja um evento de alta prevalência.

A artéria mais acometida, geralmente, é a artéria cerebral média (ACM). Lesões vasculares em seu território geram os sintomas clássicos de AVC:
• Alterações de fala/linguagem (disartria/afasia);
• Paresia (fraqueza) ou plegia/paralisia (perda total da força), que pode ser
tanto de membros quanto facial.

Fonte: Medicina de emergências: abordagem prática

O território vertebro basilar também é conhecido como “circulação posterior” e dá origem às artérias que irrigam tronco encefálico, cerebelo e
parte do lobo occipital (artéria cerebral posterior- ACP). O território carotídeo também é conhecido como “circulação anterior” e dá origem às artérias cerebrais média (ACM) e anterior (ACA). Os AVCs de circulação posterior (território vertebro basilar e seu ramo ACP) são os que possuem quadro clínico mais desafiador, visto que o paciente pode se apresentar na emergência apenas com tontura e alteração na marcha de instalação súbita.

É importante investigar hipertensão arterial, DM, dislipidemias, cardiopatias, tabagismo, uso de anticoncepcionais, drogas – cocaína e anfetaminas, ocorrência recente de outro AVC, trauma craniano ou cirurgias recentes, sangramentos, doenças hepáticas e renais, uso de anticoagulante e neoplasias.

No AVCi é frequente observar aumento da PA, devido a liberação de catecolaminas, cortisol e ACTH. Isso contribui para a manutenção de uma pressão de perfusão cerebral menos nociva à zona de penumbra.

Achados clínicos no Ataque isquêmico transitório (AIT)

  • Antiga definição: sinais e sintomas regridem em até 24horas;
  • Maioria dos casos: duram de 8 a 14 minutos;
  • Deve ser corroborado com neuroimagem, para descartar lesão isquêmica encefálica recente (LIER);
  • LIER+ completa regressão dos sintomas neurológicos: AVC “menor” ou “pequeno icto”.

Achados clínicos no AVCh (HIP e HSA)

  • HIP: déficit neurológico focal súbito acompanhado, muitas vezes, por náuseas, cefaleia, vômitos, redução do nível de consciência e níveis pressóricos bastante elevados e crise convulsiva.
  • HSA: cefaleia súbita, intensa e holocraniana. Náuseas, vômitos, tonturas e sinais de irritação meníngea, déficits motores, sensitivos, distúrbios da linguagem, crises convulsivas e alteração dos nervos cranianos.

Exame físico do paciente com suspeita de AVC

  • O tempo de evolução do déficit focal neurológico é informação fundamental para algumas decisões terapêuticas;
  • Estado de hidratação, oxigenação, FC, FR, ritmo e ausculta cardíaca;
  • Nível de consciência reavaliado periodicamente- pode necessitar de IOT;
  • Pressão arterial periodicamente avaliada;
  • Exame de fundo de olho;
  • Palpação de pulsos carotídeos, temporais e periféricos (diagnóstico de estenoses arteriais).

Abordagem inicial ao paciente com Acidente Vascular Cerebral

Como todo atendimento de emergência, a abordagem do paciente com AVC também perpassa o ABCDE primário, com estabilização hemodinâmica e posterior investigação e tratamento do evento.

A avaliação inicial deve ser rápida e objetiva, visto que o tratamento do AVC
isquêmico, o tipo mais comum de AVC, é altamente dependente do tempo de instalação dos déficits.


No exame neurológico (D, Disability), após checada a responsividade do paciente, prossegue-se com a aplicação do NIHSS (National Institute of Health Stroke Scale). O NIHSS é uma escala com 11 tarefas, cujo escore varia de 0 (melhor pontuação) a 42 (pior pontuação). Esta escala avalia de forma quantitativa a severidade e magnitude do déficit neurológico após o Acidente Vascular Cerebral (AVC). No NIHSS quanto maior a
pontuação, pior o quadro clínico do paciente.

NIHSS
1a- Nível de consciência
1b-Orientação
1c-Comandos
2.Olhar conjugado
3Campo visual
4.Moviemnto facial
5.Resposta motora MMSS
6.Resposta motora MMII
7.Ataxia apendicular
8.Sensibilidade
9.Linguagem
10.Disartria
11.Extinção/desatenção ou negligência

Stroke mimics

  • Hipo/hiperglicemia
  • Crise epiléptica
  • Trauma
  • Síncope
  • Enxaqueca com aura
  • Neoplasia
  • Hematoma subdural
  • Abscesso
  • Meningite, encefalite
  • Intoxicação aguda
  • Insuficiência hepática
  • Distúrbio hidroeletrolítico
  • AIT
  • Distúrbio psiquiátrico

Exames complementares

  • Hemograma, glicemia, ureia, creatinina, sódio, cálcio, potássio, coagulograma (TP, TTPA e RNI), ECG e Rx tórax.
  • TC de crânio (sem contraste)
    • AVCi: área hipoatenuante, leve apagamento dos sulcos cerebrais, tênue hipoatenuação nos núcleos da base e o sinal da artéria cerebral média hiperdensa podem ser vistos. Pode não ter achados na primeiras horas após início dos sintomas.
    • AVCi em fase hiperaguda (<12 horas): perda da diferenciação da substância branca e cinzenta na insula, indefinição dos núcleos lentiformes, hiperdensidade da artéria acometida (cerebral, basilar). Pode ocorrer redução dos sulcos corticais.
    • HIP: Imagem hiperatenuante dentro do parênquima encefálico.
    • HSA: Imagem hiperatenuante, ocupando as cisternas e sulcos cerebrais.
  • LCR
    • Quando há suspeitas clínicas de HSA, mas sem achados na TC;
    •  Xantocromia (LCR amarelado, característica de hemorragia do cérebro ou medula espinal);
    • Nº elevado de hemácias e leucócitos
  • Outros:
    • ECO Doppler transtorácico ou transesofágico – causa cardioembólica
    • ECG de 24 horas (Holter)- arritmias paroxísticas- fibrilação atrial
    • Ecodoppler de artérias carótidas, vertebrais, Doppler transcraniano e angioressonância- estenoses arteriais intra e extracraniana
    • Angiografia cerebral digital: exame referência para identificar mecanismo da HSA

Tratamento

AVCi (fase aguda)

Suporte clínico:

  • Oxigênio suplementar se sat O2 <95%
  • Exames laboratoriais para análises bioquímicas, hematológicas e da coagulação;
  • Hidratação adequada, correção de distúrbios metabólicos e hipertermia, jejum oral nas primeiras 24 horas;
  • Profilaxia de complicações não neurológicas (infecção urinária, pulmonar, TVP e TEP e úlceras de decúbito)
  • Fisioterapia motora e respiratória

Tratamento específico

Recanalização do vaso ocluído com trombolíticos.

  • Se tempo de evolução do quadro neurológico não ultrapassar 4,5 horas até o início da infusão do agente:
    • Rt-PA (Alteplase): 0,9mg/kg (dose máxima de 90 mg) durante 70 min, sendo 10% da dose administrada em bolus durante 1 min
    • Não administrar anticoagulantes ou antiagregantes nas primeiras 24 horas após trombolítico

Critério de inclusão para trombólise intravenosa

  • Idade acima de 18 anos;
  • Diagnóstico clínico de AVCi
  • Deficit neurológico de intensidade significativa
  • Evolução menor que 4,5 horas antes do início da infusão do trombolítico
  • Tomografia de crânio sem evidências de hemorragia

Critérios de exclusão para trombólise intravenosa

Fonte: Medicina de emergências: abordagem prática

Prevenção e tratamento de complicações do AVCi

  • Convulsões: não é indicado anticonvulsivantes, exceto em recorrência de crises;
  • Edema cerebral: hiperventilação, diuréticos osmóticos, manitol e barbitúricos, hipotermia induzida têm eficácia discutível. Craniectomia descompressiva pode ser indicada em infarto cerebelares extensos.
  • Transformação hemorrágica: A maioria não sintomática e não requer mudança de conduta.

Profilaxia secundária

  • Início precoce de reabilitação
  • AAS (325mg/dia): alguns estudos demonstram benefício se usada nas primeiras 48horas do evento
  • Não há benefício no uso rotineiro de anticoagulantes
  • Obs.: A PA não deve ser tratada, exceto em situações de emergência hipertensiva, como Encefalopatia hipertensiva, IAM, IC, doença renal, DAG e AVCI com PAD> 120 mmHg e PAS>220mmHg.
    • A PA após o trombolítico deve ser mantida rigorosamente < 185/110 mmHg. Nesse caso, tratar com Beta bloqueadores (metoprolol ou esmolol) e em situações críticas, pode ser usado Nitroprussiato de sódio.
Fonte: Medicina de emergências: abordagem prática

Tratamento para Acidente Vascular Cerebral

AVCh

Manejo da PA para AVCh:

  • Pressão arterial sistólica entre 140-180mmHg;
  • Beta bloqueadores ou bloqueadores de canais de cálcio (labetalol, metoprolol, nicardipina, clevidipina).
  • Pacientes previamente hipertensos, a PAM deve ser mantida <130 mmHg;
  • Metas: PPC>70 mmHg e PIC<20 mmHg (Hipertensão intracraniana: PIC> ou =20mmHg por mais de 5 minutos).

Medidas na hipertensão intracraniana

  • Manitol a 20%: dose de 0,5 a 1,0g/kg, via intravenosa, em 5 a 30 minutos.
  • Hiperventilação: o objetivo é reduzir a PaCo2 para níveis entre 30 e 35mmHg.
  • Sedação e/ou bloqueio neuromuscular: benzodiazepínicos, barbitúricos ou propofol, associado ou não a bloqueadores neuromusculares não despolarizantes.

HSA

  • Suporte clínico
  • Tratamento das complicações neurológicas
    • Ressangramento: prevenir com repouso, ansiolíticos, analgesia e laxantes, tratar PA muito elevada;
    • Vasoespasmo: importante causa de sequela neurológica. Aparece entre o 4º e 14º dia, geralmente
      • Prevenção e tratamento: HA farmacologicamente induzida, hipervolemia e hemodiluição, angioplastia.
      • Nimodipina (bloqueador de canal de cálcio), parece melhorar prognóstico.
    • Hidrocefalia
      • Corticosteroides para reduzir processo inflamatório no espaço subaracnóideo
    • Convulsões
      • Piora do prognóstico com fenitoína. Preferir outros anticonvulsivantes.
  • Tratamento do aneurisma roto propriamente dito
Fonte: Medicina de emergências: abordagem prática

Prognóstico em quadros de HIC

Checklist do AVCh

Avaliação

  • Hemograma com TP, TTPA e RNI
  • Resultados do exame de imagem de crânio: identificar tamanho e localização do hematoma
  • Avaliar nível de consciência
  • Calcular o escore ICH

Intervenção

  • Manejo de vias aéreas e ventilação
  • Controle pressórico
  • Reversão de coagulopatias (RNI almejado <1,4)
  • Intervenção cirúrgica se indicada

Referências

Medicina de emergências: abordagem prática / Herlon Saraiva Martins, Rodrigo Antonio Brandão Neto, lrineu Tadeu Velasco. 11. ed. rev. e atual. Barueri, SP: Manole, 2017.

Oliveira, CQ, Souza, CMM, Moura, CGG. Yellowbook: Fluxos e condutas da medicina interna. SANAR, 1ª ed, 2017.

Martins H S, Santos R , Arnaud F et al. Medicina de Emergência: Revisão Rápida. 1ª edição. Barueri, SP: Manole, 2016.

2018 Guidelines for the Early Management of Patients With Acute Ischemic Stroke: A Guideline for Healthcare Professionals From the American Heart Association/American Stroke Association;

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