Carreira em Medicina

Anemia aplásica: uma abordagem geral | Colunistas

Anemia aplásica: uma abordagem geral | Colunistas

Compartilhar
Imagem de perfil de Comunidade Sanar

A anemia aplásica (AA), ou aplasia de medula óssea, é uma doença rara, caracterizada por pancitopenia no sangue periférico e hipocelularidade acentuada na medula óssea, sendo a mais frequente das síndromes de falência medular. A anemia aplásica adquirida distingue-se da aplasia iatrogênica pela hipocelularidade medular após quimioterapia citotóxica intensiva para o câncer.

A anemia aplásica também pode ser constitucional: doenças genéticas, anemia de Fanconi e disceratose congênita; embora frequentemente associadas a anomalias físicas típicas e ao aparecimento de pancitopenia no início da vida, também podem apresentar-se como insuficiência medular em adultos de aparência normal.

Algumas vezes, a diminuição das contagens no hemograma é moderada ou incompleta, resultando em alguma combinação de anemia, leucopenia e trombocitopenia.

Causas

  • Irradiação: a aplasia de medula é a principal sequela aguda da radiação. A radiação causa lesões no DNA; os tecidos dependentes de mitose ativa são particularmente suscetíveis;
  • Substâncias químicas: o benzeno é uma causa notória de insuficiência da medula óssea;
  • Fármacos;
  • Infecções: a hepatite é a infecção precedente mais comum, e a insuficiência medular pós-hepatite é responsável por cerca de 5% das etiologias na maioria das séries. Em geral, os pacientes são homens jovens que se recuperaram de um episódio de inflamação hepática há 1 ou 2 meses; a pancitopenia subsequente é muito grave. A hepatite é soronegativa (não A, não B, não C) e possivelmente causada por um agente infeccioso ainda desconhecido;
  • Doenças imunológicas: doença do enxerto versus hospedeiro, associada a transfusão, fasceíte eosinofílica, lúpus eritematoso sistêmico;
  • Gestação: rara, resolvendo-se com o parto ou aborto espontâneo/induzido;
  • Hemoglobinúria paroxística noturna: é necessária uma mutação adquirida no gene PIG-A em uma célula-tronco hematopoiética para o desenvolvimento de HPN, porém mutações em PIG-A provavelmente são comuns em indivíduos normais. Se a célula-tronco mutante para o gene PIG-A proliferar, o resultado será um clone de células deficientes em proteínas da superfície da membrana celular ligadas ao glicosilfosfatidilinositol (GPI). A falência em sintetizar uma molécula madura de GPI gera ausência de todas as proteínas de superfície normalmente ancoradas por ela;
  • Distúrbios constitucionais: anemia de Fanconi, disceratose congênita, síndrome de Shwachman-Diamond.

Fisiopatologia

A insuficiência da medula óssea resulta de lesão grave do compartimento das células hematopoiéticas. Na anemia aplásica, a substituição da medula óssea por gordura é observada na morfologia das amostras de biópsia e na ressonância magnética (RM) da coluna vertebral.

Observa-se acentuada redução do número de células que possuem o antígeno CD34, um marcador de células hematopoiéticas imaturas, e, em estudos funcionais, as células progenitoras primitivas e comprometidas estão praticamente ausentes.

Um defeito intrínseco da célula-tronco existe no caso das anemias aplásicas constitucionais: as células dos pacientes com anemia de Fanconi apresentam lesão cromossômica e morte, quando expostas a certos agentes químicos.

Os telômeros são curtos em alguns pacientes com anemia aplásica, devido às mutações heterozigotas nos genes do complexo de reparo do telômero. Estes também poderão ser reduzidos fisiologicamente na insuficiência medular adquirida devido às demandas replicativas em um conjunto limitado de células-tronco.

Na lesão por fármacos, ocorre uma lesão extrínseca da medula óssea após agressões físicas ou químicas intensas, como altas doses de radiação e substâncias químicas tóxicas. Para a reação idiossincrásica mais comum, com doses baixas de medicamentos, a alteração do metabolismo do fármaco foi sugerida como provável mecanismo.

Já na lesão mediada pelo sistema imune, as células no sangue e na medula óssea dos pacientes podem suprimir o crescimento normal das células progenitoras hematopoiéticas, enquanto a remoção das células T da medula óssea de pacientes com anemia aplásica melhora a formação de colônias in vitro.

Achados clínicos

  • Sangramento é o sintoma inicial mais comum; o paciente queixa-se de fácil aparecimento de equimoses, sangramento das gengivas, epistaxe, fluxo menstrual intenso e, algumas vezes, petéquias de vários dias a semanas de duração. Na presença de trombocitopenia, a hemorragia maciça é incomum; entretanto, pequenos graus de sangramento no sistema nervoso central podem resultar em hemorragia intracraniana ou retiniana catastrófica;
  • Os sintomas de anemia também são frequentes, tais como cansaço, fraqueza, dispneia e sensação pulsátil nas orelhas;
  • Uma característica marcante da anemia aplásica é a restrição dos sintomas ao sistema hematológico, e os pacientes com frequência se sentem bem e têm boa aparência, apesar da redução drástica das contagens hematológicas;
  • A linfadenopatia e a esplenomegalia são altamente atípicas da anemia aplásica. As manchas “café com leite” e a baixa estatura sugerem anemia de Fanconi; unhas peculiares e leucoplaquia sugerem disceratose congênita; o surgimento precoce de cabelos grisalhos (e o uso de tintas para mascará-lo) sugere um defeito na telomerase.

Achados laboratoriais

O diagnóstico de anemia aplásica geralmente é simples e baseado na associação de pancitopenia à medula óssea gordurosa. A anemia aplásica é uma doença da juventude, devendo constituir hipótese no adolescente ou adulto jovem com pancitopenia.

O esfregaço revela macrócitos (VCM aumentado) e uma escassez de plaquetas e granulócitos.

Os reticulócitos mostram-se ausentes ou presentes em pequeno número e a contagem dos linfócitos pode ser normal ou reduzida. A presença de formas mieloides imaturas sugere leucemia ou síndromes mielodisplásicas (SMD).

Na aplasia grave, o esfregaço da amostra de medula óssea aspirada revela apenas eritrócitos, linfócitos residuais e células do estroma; a biópsia é superior para a determinação da celularidade e revela principalmente a presença de gordura ao microscópio, com as células hematopoiéticas ocupando < 25% do espaço medular; nos casos mais graves, a biópsia consiste praticamente em 100% de gordura.

Tratamento

O tratamento da anemia aplásica visa regenerar a hematopoese deficiente e reduzir os riscos determinados pelas citopenias por meio de medidas de apoio. A restauração da hematopoese pode ser alcançada pelo tratamento imunossupressor ou pelo transplante de medula óssea.

  • Transplante: esta é a melhor forma de terapia para o paciente mais jovem com um irmão doador totalmente histocompatível. Deve-se solicitar a tipagem dos antígenos leucocitários humanos (HLAs, do inglês human leukocyte antigens) tão logo se estabeleça o diagnóstico de anemia aplásica em uma criança ou adulto jovem;
  • Imunossupressão: o regime padrão de globulina antitimócito (ATG, do inglês antithymocyte globulin), em combinação com a ciclosporina, induz a recuperação hematológica (independência da transfusão e uma contagem dos leucócitos adequada para prevenir infecções) em 60 a 70% dos pacientes.

Autora: Raíza Pereira

Presidente da Liga Acadêmica de Medicina de Família e Comunidade da Universidade Estácio de Sá – Campus Cittá América/RJ

Instagram: @raizapereira

Leituras Relacionadas