Introdução
A eletricidade já era conhecida desde meados do século 18, mas não se sabia que os impulsos e movimentos do corpo eram controlados através. Foi nesta época que começaram a surgir teorias sobre eletricidade biológica, tendo 2 delas se destacado entre as demais: a de Galvani, em que o músculo e nervo produzem e condensam uma energia própria. E a de Volta, que afirma que esses tecidos funcionam apenas como condutores.
Já em meados do século 19, foi descoberta uma diferença de potencial (DPP) entre áreas lesadas e sadias de um nervo. Segundo Bernstein, essa diferença ocorreria pela lise da membrana celular, que acaba expondo o citoplasma (que é mais negativo que o meio extracelular). Essa DPP acabou sendo chamada de Potencial de Injúria, e através de sua descoberta, chegou-se à conclusão de que as células vivas estão sob o domínio de uma DPP constante chamada de potencial de membrana (ou potencial de repouso).
Potencial de repouso
O potencial de repouso é formado a partir de uma assimetria iônica decorrente da permeabilidade difusional seletiva aos diversos íons e da ação da bomba de prótons.
Difusão de íons
- Supondo que num meio extracelular a concentração de um íon i+ é maior do que o intracelular, alguns processos devem acontecer para chegar a um equilíbrio eletroquímico:
- O íon passa do meio extracelular para o meio intracelular devido ao gradiente de concentração;
- Para cada íon i+ que entra, uma carga positiva sai do meio extra para o intracelular;
- Com o avançar dos íons, chega um momento em que as forças físicas e químicas, opostas, se igualam, cessando o fluxo;
- Com o fim do fluxo difusional e elétrico, a energia potencial eletroquímica resultante se torna nula.
De início, é extremamente importante reconhecer a seletividade iônica da membrana celular, o que permite que uma concentração de um íon seja diferente entre os meios intra e extracelulares. Para entender melhor, pode-se citar o seguinte cenário:
É possível determinar o potencial de equilíbrio de um íon através da equação de Nernst:

A partir dessa equação e a formulação de uma tabela com os potenciais de equilíbrio dos principais íons, Hodgkin e Horowits suspeitaram que o íon de base para a formação do potencial de repouso fosse o íon potássio. Em um de seus experimentos, quando eles mantiveram a concentração dos outros íons constante e aumentaram a de potássio, a célula continuou despolarizada mesmo após o impulso. Com esse resultado, chegaram à conclusão de que o K+ é o principal íon formador do potencial de repouso.
Íon | Potencial de equilíbrio |
Ca++ | +129 |
Na+ | +60 |
Cl– | -83 |
K+ | -94 |
Bomba de prótons
Em experimentos com axônios de lulas gigantes, Hodgkin e Keynes comprovaram que além da difusão, a célula conta com um sistema de transporte ativo para bombear íons: a bomba de Na+/K+.
Essa bomba encontra-se na membrana celular e usa a energia da hidrólise de ATP para o transporte. Sendo um sistema ativo, a bomba de prótons sofre inibição se a respiração celular é inibida e é impulsionada se um músculo tiver seu trabalho aumentado.
De forma geral, a bomba trabalha transferindo 3Na+ para fora enquanto coloca 2K+ para dentro, resultando em uma carga positiva no meio extracelular.
Potencial de ação do axônio
O potencial de ação é uma variação do potencial de repouso como uma resposta da célula a um estímulo. Em outras palavras, é o sinal elétrico que transmite uma informação (no caso de neurônios) ou gera movimentos (no caso de músculos).
Teoria do sódio e potássio
Desde a década de 50, Hodgkin e Huxley descrevem que, quando ativada, a membrana celular sofre uma inversão de polaridade (que foi chamada de overshoot). Neste experimento, a técnica utilizada foi o uso de microelétrodo de vidro, onde puderam plotar em um gráfico a curva do potencial de ação interno, usando como referência o meio externo.

Fonte: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-51502011000300018
(PRR) é o resultado da saída de íons potássio (K+). Teoria confirmada por estudos de VoltageClamp.
Estudo das correntes por VoltageClamp
Nesta técnica, um ou mais eletrodos são inseridos no interior de um axônio calibroso e, por meio dele, passa-se uma corrente controlada com o objetivo de manter o potencial de membrana constante. Além disso, também pode ser aplicado um pulso de teste, que desequilibra as correntes no plasma do axônio e a compensação que a membrana celular faz é, então, medida pelos eletrodos.
Usando esta técnica, Hodgkin e Huxley conseguiram determinar o curso temporal das correntes iônicas, ou seja, conseguiram determinar a ordem com que os principais íons começavam a se mover pela membrana, especialmente as correntes de sódio e potássio.
Aplicando essa técnica de fixação de voltagem (voltageclamp, em inglês) e alterando a composição do meio em que o axônio ficava submerso, Hodgkin conseguiu deduzir que:
- Com o estímulo, a condutância da membrana ao Na+ aumenta (resultando no rápido influxo desse íon) até que chega a um máximo e retorna ao valor original, mesmo na vigência do estímulo;
- A condutância ao K+ aumenta aos poucos e mantém-se sustentada enquanto há o estímulo;
Dessa forma, os canais de sódio abrem primeiro e, depois de um tempo, fecham-se. Nesse momento são abertos os canais de potássio que, por possuírem uma cinética mais lenta (ou seja, demoram mais a fechar) são responsáveis por uma hiperpolarização da membrana (representada por UN na figura 1).
Deflagração do potencial de ação
Como visto, a membrana celular sofre alterações na sua condutividade nas diversas fases de sua ativação, atuando de forma bem definida. Contudo, nem todo estímulo leva ao potencial de ação, pois a membrana pode responder de duas formas a depender da intensidade:
- Resposta passiva – É resultado de um pequeno estímulo, que leva a uma variação estreita do potencial de membrana. Desligado o estímulo, a membrana volta ao normal sem deflagrar o potencial de ação;
- Resposta ativa – Ocorre somente quando o impulso despolarizante consegue sobrepujar o limiar de excitação, a partir desse momento os canais de Na+ se abrem de forma rápida e o potencial de ação é liberado. Esse impulso deve ser rápido, caso contrário a célula pode se acomodar e o potencial não é disparado.
Potencial de ação do coração
As células cardíacas possuem algumas especificidades a depender da função que exercem. Aquelas presentes nos nódulos, onde surgem e são condensados os impulsos para contração, possuem uma despolarização lenta, sendo importante para a função de marca-passo.
Já as células presentes na periferia desses nódulos possuem uma velocidade intermediária, tendo sua amplitude controlada pelo componente lento das células dos nós. Enquanto isso, as células do miocárdio apresentam um componente rápido bem desenvolvido, responsável pela amplitude do potencial de ação e por toda a câmara se contrair ao mesmo tempo, com o mínimo de atraso.

Fonte: https://numeb.furg.br/images/stories/aulas_praticas/Teoria-da-pratica—Propriedades-funcionais-do-coracao.pdf
Potencial de ação do miocárdio
Apesar dos potenciais de ação serem mais simplistas nas demais células, as miocárdicas apresentam uma curva de excitação diferente dos axônios: após a fase de despolarização, a célula entra numa pequena fase de repolarização, segue com um platô e só então repolariza para valer. Não havendo uma hiperpolarização.

Fonte: http://ecg.med.br/eletrogenese.asp
Essas peculiaridades se devem às condutâncias aos íons Na+, K+ e Ca2+ que variam de forma diferente ao que se vê nas membranas dos axônios:
- Com o estímulo, a condutância ao Na+ aumenta rapidamente, mas logo após os canais iônicos sofrem uma inativação. E a condutância só retorna ao valor de repouso com a completa repolarização da célula;
- Ao contrário dos axônios, nos quais a condutância ao potássio aumenta com a despolarização, no miocárdio a condutância cai e a célula mantém seu estado despolarizado. Com o tempo, a condutância retorna ao valor de repouso e a saída de K+ repolariza a célula;
- Durante o platô causado pela queda da condutância ao K+, a condutância ao Ca2+ aumenta e ocorre um influxo desse íon.
Autor: Lucas Oliveira – @_oliveiraluca
O texto acima é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

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Referências:
DUARTE, Djalma. ELETROGÊNESE DO IMPULSO CARDÍACO. Acesso em: 22 abril2021. http://ecg.med.br/eletrogenese.asp
GARCIA, Eduardo Alfonso Cadavid. Biofísica. Sarvier, 2009.
KRUEGER-BECK, Eddy et al. Potencial de ação: do estímulo à adaptação neural.Fisioter. mov. (Impr.),Curitiba, v.24, n.3, p.535-547,Sept.2011. Acesso em 24 abril 2021.http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-51502011000300018
Propriedades Funcionais do Coração. Acesso em: 24 abril 2021. https://numeb.furg.br/images/stories/aulas_praticas/Teoria-da-pratica—Propriedades-funcionais-do-coracao.pdf