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Candidíase vulvovaginal recorrente: como tratar? | Colunistas

Candidíase vulvovaginal recorrente: como tratar? | Colunistas

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Saiba como realizar o tratatamento de candidíase vulvovaginal recorrente. Acesse e fique por dentro do assunto!

A Candida é um ácaro oportunista que faz parte da microbiota normal da espécie humana. Ela existe como um comensal vaginal inativo podendo ser encontrada também em outros locais, como na cavidade oral, no trato gastrointestinal e geniturinário.

Definição

A candidíase vulvovaginal (CVV) nada mais é que uma infecção fúngica causada pelo desequilíbrio dessa microbiota. Ela foi descrita pela primeira vez em 1949, por Wilkinson, que estabeleceu uma relação entre a existência de fungos na vagina e o aparecimento de vaginite. A partir desse momento, os conhecimentos foram evoluindo progressivamente.

A CVV é causada por fungos leveduriformes; a maioria deles pertencentes ao gênero Candida:

  • 80% a 90% dos casos são devidos a C. albicans;
  • 10% a 20%, a outras espécies chamadas não-C. albicans (C. tropicalis, C. glabrata, C. krusei, C. parapsilosis, C. pseudotropicalis, C. lusitaniae).

Para mais informações CVV acesse nosso texto: Candidíase vulvovaginal: causas, sintomas, diagnóstico e tratamento

Candidíase vulvovaginal recorrente

A forma mais comum de candidíase de repetição é a candidíase vulvovaginal recorrente (CVVR). Essa define-se pelo aparecimento de ao menos quatro episódios da doença no período de um ano, o que caracteriza a forma complicada de candidíase vaginal.

A CVVR afeta milhões de mulheres em todo o mundo, atingindo todos os estratos da sociedade. Estima-se que 8 a 10% das mulheres são suscetíveis a CVV recorrente.

Etiologia da candidíase vulvovaginal recorrente

A CVV é um dos diagnósticos mais frequentes na prática diária em ginecologia e sua incidência tem aumentado drasticamente, tornando-a a segunda infecção genital mais freqüente nos Estados Unidos e no Brasil. A CVV representa 20% a 25% dos corrimentos vaginais de natureza infecciosa, precedida apenas pela vaginose bacteriana.

Na Europa é a primeira causa de vulvovaginite. Estima-se que aproximadamente 75% das mulheres adultas apresentem pelo menos um episódio em sua vida, sendo que destas, 40% a 50% vivenciarão novos surtos e 5% atingirão o caráter recorrente (CVVR).

O principal gênero da espécia Candida responsável pela CVVR é a Candida albicans, seguida da Candida glabrata.

Uma elevação na resistência de espécies de Candida não tem sido observada na maioria dos casos, porém, se analisarmos essas pacientes com recorrência de candidíase como um grupo, essas têm uma prevalência discretamente superior de C. glabrata, menos sensível às drogas imidazólicas, bastante utilizadas no tratamento de CVV e CVVR.

Fatores de risco para a candidíase vulvovaginal recorrente

Tanto fatores locais como sistêmicos podem contribuir para a invasão tecidual por C. albicans e por não-C. albicans. O que parece favorecer a transformação de apenas uma colonização fúngica para uma infecção é a perda da capacidade de uma resposta imunológica satisfatória por parte do hospedeiro. Esse fato se apresenta em doenças imunossupressoras, DM, gestantes e usuárias crônicas de corticoides.

Outros fatores que parecem contribuir para a CVVR são o uso de antibióticos, estrogenoterapia, pequenos traumas como o ato sexual, hábito de usar roupas muito justas ou de fibras sintéticas.

Inclusive, a utilização de antibióticos é considerada como a causa mais frequente no que se refere ao mecanismo desencadeante da candidíase vulvovaginal sintomática, que pode precipitar episódios esporádicos ou recorrentes da doença.

A hipótese fisiopatológica é a de que há uma redução ou alteração do microbioma vaginal, aumentando a colonização, proliferação e expressão de leveduras características de virulência.

Além disso, sabe-se que o tecido perianal e o reto, em virtude da sua colonização, apresentam a Candida como principal fonte de infecção. Logo, nota-se que a contaminação a partir do trato digestivo ocorre devido à proximidade entre o ânus e a vagina, podendo desencadear episódios de candidíase vaginal, com possibilidade de torná-las recorrentes.

Fisiopatologia

A transição entre uma colonização assintomática de C. albicans para uma vaginite sintomática ocorre, principalmente, como consequência de uma resposta imunológica celular deficiente do hospedeiro.

Além disso, a virulência das cepas de C. albicans também possuem relevância nesse quesito. Alguns fatores de virulência da Candida que atuam nas infecções vaginais são: mecanismo de adesão e produção de enzimas.

Adesão

A adesão de C. albicans às células epiteliais é o primeiro passo para a colonização e crescimento e, consequentemente, para a candidíase da mucosa.

Dessa forma, a imunidade inata inicia-se pela invasão tecidual, a partir de alterações morfológicas desse fungo de leveduras para hifas, com essas penetrando nas células epiteliais através de dois mecanismos distintos: endocitose induzida e ativa penetração.

Os macrófagos são os responsáveis pelo recrutamento da principal célula de defesa nesse caso, que são os neutrófilos. Os neutrófilos são os exterminadores mais potentes desse fungo e são as únicas células hospedeiras capazes de inibir com sucesso a germinação de leveduras de Cândida em hifas. Quando a infecção não é prontamente controlada pela imunidade inata, a adaptativa é rapidamente ativada.

As células dendríticas (DCs) são essenciais para a resposta do hospedeiro contra espécies de Cândida. Estudos relatam que as citocinas mais importantes para a evolução de células TH específicas de Cândida são as IL-17 e IFNγ.

Produção de enzimas

As infecções por esse microrganismo estão relacionadas diretamente com a produção de exoenzimas. Atualmente, elas têm sido consideradas um dos mais importantes fatores de virulência de C. albicans.

Segundo estudos, proteinases extracelulares estão envolvidas na virulência da C. albicans. Espécies mutantes de C. albicans, com capacidade de secreção de proteinases deficiente ou diminuída, são menos virulentas que as demais.

As enzimas do tipo fosfolipase também estão associadas à virulência de C. albicans. Contudo, pouco foi concluído sobre o papel dessas exoenzimas na patogênese da CVV.

Quadro Clínico da candidíase vulvovaginal recorrente

A CVV manifesta-se por leucorreia branca espessa, tipo requeijão, associada a prurido, dor, ardor, eritema e/ou edema vulvovaginal. Pode ocorrer disúria externa e dispareunia.

Quando os sintomas são intensos ou há mais de 4 episódios ao ano, a colonização provavelmente é por uma espécie não-albicans, ou em mulheres imunocomprometidas, podemos classificar como complicada ou recorrente.

Diagnóstico

O diagnóstico da CVV baseia-se na presença de sintomas e sinais:

  • As secreções vaginais apresentam um pH < 4,5 e o exame microscópico a fresco mostra leveduras e pseudo-hifas;
  • O teste de Whiff é negativo e o exame microscópico direto com coloração Gram revela células polimorfonucleares, leveduras – esporos e pseudo-hifas;
  • Na presença de CVV recorrente deve-se efetuar colheita de exsudado vaginal para cultura, devido à elevada probabilidade da presença de espécies não albicans.

Tratamento da candidíase vulvovaginal recorrente

O tratamento da CVV está recomendado apenas na presença de sintomas. Não está indicado o tratamento do parceiro sexual.

Tratamento medicamentoso para candidíase vulvovaginal recorrente

A candidíase recorrente (4 ou mais episódios por ano) ainda não tem o tratamento ideal preconizado, no entanto, é preferível tratamentos mais longos do episódio agudo, sendo os medicamentos tópicos estendidos para 7 a 14 dias, e o oral, Fluconazol 150mg/dia, dividido em 3 doses, com intervalos de 03 dias entre o uso oral da medicação.

Exemplo: se inicio o uso do fluconazol dia 20/11, dia 23 será o dia de minha próxima dose e dia 26, o último.

Higienização

Recomenda-se ainda higienização adequada e cuidadosa da região genital, evitando uso de duchas vaginais e uso de roupas apertadas que favorecem um meio adequado para proliferação de fungos.

Tratamento supressivo

Alguns estudos sugerem o tratamento supressivo entre os episódios, que pode ser feito com o Fluconazol 150mg VO semanalmente, por 6 meses, como primeira linha, tendo o cetoconazol 400mg/dia VO por 5 dias, 1 vez/mês no período perimenstrual por 6 meses, como uma segunda opção.

Tratamento das espécies de Candida não albicans

Quanto ao tratamento das espécies de Candida não albicans, não existem recomendações terapêuticas comprovadamente eficazes. Os tratamentos recomendados por alguns autores são óvulo manipulado contendo 600mg de ácido bórico e óvulos de anfotericina B ou flucitosina a 17% (essas duas últimas não estão disponíveis no mercado brasileiro).

Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Atenção Integral às Pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST)

O quadro abaixo, retirado do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Atenção Integral às Pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) de 2019, resume o tratamento de candidíase vulvovaginal:

Interface gráfica do usuário, Aplicativo, Tabela

Descrição gerada automaticamente

Devido a falhas terapêuticas e microbiológicas do tratamento convencional da CVV, os probióticos foram os primeiros novos agentes introduzidos na terapêutica da CVV em 2001.

Martinez (2008) afirma que alguns probióticos possuem efeitos benéficos no tratamento de desordens intestinais e auxiliam na prevenção e no tratamento de doenças no trato urogenital.

Em estudos realizados com humanos, observou-se elevação da produção e da atividade de fagócitos, aumento das respostas de imunoglobulinas na mucosa intestinal e inibição da produção de linfócitos e de citocinas inflamatórias por células T, tornando o trato vaginal mais protegido e menos suscetível à colonização e proliferação de patógenos.

Probióticos produtos lácteos fermentados – iogurte, kefir, queijo cottage, mussarela e queijos gouda.

Quando os probióticos são administrados em quantidades adequadas, oferecem benefícios à saúde, pois têm função de melhorar a barreira imunológica do intestino e são utilizados no tratamento de disbioses.

Apesar disso, ainda não existem estudos que comprovem sua eficácia quando administrados individualmente; para isso, serão necessárias novas pesquisa in vivo, com maior número de mulheres diagnosticadas com candidíase vulvovaginal.

AUTORA: Camila Souza Maluf- @camila_smaluf

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O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


REFERÊNCIAS:

  1. CAMPINHO, Lucélia Cristina Pedras; SANTOS, Susana Margarida Vilar; AZEVEDO, Alexandra Cardoso. Probióticos em mulheres com candidíase vulvovaginal: qual a evidência? Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, v. 35, n. 6, p. 465-468, 2019.
  2. MARTINEZ, R.C.R. Efeito da utilização de culturas láticas probióticas na microbiota vaginal de pacientes acometidas por infecções bacterianas e fúngicas. Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto. Ribeirão Preto, 2008.
  3. PAIXÃO, L.A.; CASTRO, F.F.S. A colonização da microbiota intestinal e sua influência na saúde do hospedeiro. Universitas: Ciências da Saúde, Brasília, v. 14, n. 1, p. 85-96, jan./jun. 2016.
  4. PALUDO, Rafaela Mulinari; MARIN, Débora. Relação entre candidíase de repetição, disbiose intestinal e suplementação com probióticos: uma revisão. Revista Destaques Acadêmicos, v. 10, n. 3, 2018.