Gastroenterologia

Caso Clínico de Doença do Refluxo Gastroesofágico | Ligas

Caso Clínico de Doença do Refluxo Gastroesofágico | Ligas

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Área: Gastroenterologia

Autores: Larrie Rabelo Laporte, Ana Beatriz Bonfim e Samantha Louise Sampaio Sá

Revisor(a): Ana Caroline Dias Rasador

Orientador(a): Nádia Regina Caldas Ribeiro

Liga: Liga Acadêmica de Gastroenterologia e Hepatologia (LAGH)

Apresentação do caso clínico

L.R.L, sexo feminino, 20 anos, parda, estudante, natural de Feira de Santana e procedente de Salvador. Paciente encaminhada ao ambulatório de gastroenterologia com história de pirose retroesternal há 5 anos. Anteriormente o sintoma se apresentava de forma esporádica, mas nos últimos 6 meses, a frequência e a intensidade dos episódios aumentaram. Atualmente apresenta episódios todos os dias da semana com piora após refeições volumosas e após deitar-se, além de ser acompanhada de regurgitação; sem fator de melhora. Refere que associado a esses sintomas, apresenta tosse seca e rouquidão. Nega náuseas, vômitos, diarreia, odinofagia, disfagia, hematêmese, perda ponderal e halitose. Nega uso de medicamentos contínuos e alergias. Nega tabagismo e etilismo. Refere que possui uma alimentação bem desregulada, abusando de pães, fast food e comidas processadas.

Ao exame físico, a paciente encontrava-se em bom estado geral, lúcida e orientada em tempo e espaço, vigil, sem linfadenomegalias, afebril (36,3ºC), corada, hidratada, anictérica, acianótica, normopneica (12 irp), normocárdica (78 bpm) e normotensa (120×80 mmHg). Peso: 53 kg. Altura: 1,61m. IMC: 20,4. Exame de cabeça e pescoço apresenta erosão do esmalte dentário e irritação na faringe. Aparelho respiratório com expansibilidade preservada, FTV preservado, murmúrio vesticular bem distribuído sem ruídos adventícios. No aparelho cardiovascular, apresenta ictus visível e palpável no 5º EIC na linha hemiclavicular esquerda, com bulhas rítmicas e normofonéticas, sem sopros. No exame abdominal, apresenta abdômen plano RHA normais, timpânico, espaço de Traube livre, hepatimetria sem alterações, indolor à palpação.

Então, o médico gastroenterologista apontou como principal suspeita a Doença do Refluxo Gastroesofágico. Como conduta, orientou a paciente a melhorar as condições nutricionais, tomar omeprazol 20mg/dia e realizar uma Endoscopia Digestiva Alta com biópsia.

Após um mês, a paciente retornou ao consultório médico com os resultados dos exames. A Endoscopia Digestiva Alta apresentou esofagite erosiva grau B e esôfago de Barret. Além disso paciente relata controle dos sintomas, refere uso correto de medicamento e está tentando melhorar os hábitos alimentares, evitando excessos e consumindo alimentos mais leves e saudáveis.

Questões para orientar a discussão           

1.  O que é Doença do Refluxo Gastroesofágico?

2. Qual a fisiopatologia da DRGE?

3. Como é feito o diagnóstico?

4. Qual o tratamento?

5.Qual a relação da DRGE com o esôfago de Barret?

Respostas

1. A doença do refluxo gastroesofágico é uma afecção crônica decorrente do fluxo retrógrado de parte do conteúdo gastroduodenal para o esôfago e/ou órgãos adjacentes a ele, acarretando um espectro variável de sinais e sintomas. Esses sintomas podem ou não estar associados a lesões teciduais. A doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) é uma das mais importantes afecções digestivas, tendo em vista as elevadas e crescentes incidências, a intensidade dos sintomas e a gravidade das complicações. É uma das causas mais frequentes de consultas gastroenterológicas em pacientes ambulatoriais, comprometendo de forma significativa a qualidade de vida dos seus portadores.

2. A barreira da junção esofagogástrica (JEG) impede que haja um refluxo constante do conteúdo gastroduodenal para o esôfago. São necessárias ações de quatro componentes básicos: integridade do esfíncter inferior do esôfago; ligamento frenoesofágico; compressão anatômica diafragmática e presença da angulação de His na JEG. O conjunto é diretamente responsável pela competência do obstáculo funcional. Existe o refluxo de curta duração (que geralmente ocorre durante as refeições), é dito fisiológico, sendo tipicamente assintomático. Porém quando esse é crônico e constante, pode acarretar em sintomas como pirose.

Muitos pacientes com DRGE têm episódios de refluxo não apenas dependentes do relaxamento transitório do esfíncter inferior do esôfago (RTEIE). Tais pacientes representam um grupo no qual predomina o relaxamento do Esfíncter Inferior do Esofago induzido pela deglutição, inspiração profunda ou aumento da pressão intra-abdominal. Dor insuportável, com características de azia, é provocada pelos fenômenos de pirose e regurgitação.

Causas do RTEIE não estão bem elucidadas, existindo evidências de que mecanorreceptores gástricos estimulados podem deflagrar o RGE. Outro possível mecanismo envolvido na gênese do RGE é o estímulo alimentar ou líquido à faringe.

3. O diagnóstico, quase sempre clínico, é confirmado por meio de exames complementares, destacando-se endoscopia, manometria e phmetria.

A história clínica orienta a origem da afecção esofágica. A intensidade e a freqüência dos sintomas e sinais são informações que devem ser avaliadas, visto que podem predizer, com precisão, não só a presença, como também as prováveis complicações da DRGE. Torna-se indispensável o diagnóstico diferencial com a acalasia da doença de Chagas, dor da coronariopatia, úlcera péptica duodenal perfurada, distúrbios da motilidade esofágica e os carcinomas esofágicos.  

No exame físico, a posição sentada reclinada para frente e a insuflação pulmonar com a capacidade quase que vital é uma tentativa de manter o diafragma achatado, com diâmetro ântero-posterior do hiato estreitado e conseqüente elevação do esfíncter esofágico inferior e diminuição do refluxo patológico. Outro possível achado no exame físico, é o desgaste do esmalte dentário, mas esse achado é muito inespecífico . O exame físico é útil na suspeita de carcinomas esofágicos e gástricos, importantes no diagnóstico diferencial com DRGE. Inspecção e palpação de linfonodos supraclaviculares são sinais de mau prognóstico.

A Endoscopia Digestiva Alta (EDA) possui alta sensibilidade e expressiva especificidade, quando se trata de análise de pacientes com DRGE na presença de erosões, úlceras ou esôfago de Barrett, decorrentes da agressão esofágica. A estenose péptica constitui achado de grande importância. Ausência de alterações endoscópicas não exclui o diagnóstico de DRGE. Em cerca de 25%-40% dos pacientes sintomáticos, o exame endoscópico é normal. O achado de uma hérnia de hiato não implica, necessariamente, a presença de DRGE. É conveniente que um mesmo endoscopista avalie a evolução da afecção, pois exames realizados por profissionais diferentes podem ser divergentes.

4. O tratamento da DRGE tem como objetivos principais o alívio dos sintomas, a cicatrização das lesões e a prevenção de recidivas e complicações. É fundamental que o paciente seja esclarecido da natureza crônica de sua enfermidade e sobre a necessidade de modificações em seu estilo de vida para o sucesso do tratamento.

Tratamento clínico

Medidas comportamentais e dietéticas: elevar a cabeceira da cama (aproximadamente 15 cm), evitar líquidos durante a refeição, refeições volumosas e ricas em gorduras; aguardar 1 ou 2 horas após refeições antes de se deitar e cessar o consumo de tabaco; redução do peso corpóreo.

Tratamento medicamentoso

Inibidores da bomba de prótons (IBP): drogas de primeira escolha. O tratamento inicial (Omeprazol, 40mg) deve ser feito em dose plena, por um período de 4 a 8 semanas. Quando não se observa resposta satisfatória, deve ser considerado o uso de dose dobrada da medicação. No caso de recidivas frequentes, recomenda-se a terapia de manutenção com dose mínima de IBP.

Bloqueadores dos receptores H2 da histamina (ARH2): os mais utilizados são ranitidina, famotidina e cimatidina. A limitação desses medicamentos deve-se à baixa eficácia e ao mecanismo de tolerância, restringindo sua utilização como terapia de manutenção.

Procinéticos: eleva a amplitude das contrações peristálticas do corpo esofágico, acelera o esvaziamento gástrico e eleva a pressão no esfíncter inferior do esôfago. Ex.: metoclopramida é o agente procinético mais antigo; domperidona tem menores efeitos colaterais.

Antiácidos, alginatos e sucralfato: usado para alívio sintomático passageiro.

Esquema 1. Retirado do livro “Dani, Renato Gastroenterologia essencial I Renato Dani, Maria do Carmo Friche Passos.- 4. ed.- Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011” no dia 20/09/2019, às 21:30.

5. Na DRGE, como há um refluxo de ácido gástrico para o esôfago, acaba levando a uma esofagite erosiva, em que a cicatrização desse epitélio transformação promove uma metaplasia da mucosa esofágica, substituindo eo epitélio escamoso normal por um epitélio colunar de padrão intestinal, altamente resistente ao pH ácido. Esse processo trata-se do Esôfago de Barret. Essa condição é um fator importante que predispõe ao adenocarcinoma do esôfago. Portadores de Esôfago de Barret tem 40 vezes mais de desenvolver adenocacinoma esofágico.

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