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Refluxo: quando a cirurgia é a solução? | Colunistas

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Com certeza, você já atendeu ou vai atender algum paciente com a queixa clássica de pirose e/ou regurgitação. Durante a anamnese, a suspeita diagnóstica de doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) logo aparecerá na sua cabeça.

É uma doença prevalente, muito comum nos atendimentos tanto com os gastroenterologistas quanto com os médicos da atenção primária.

Os tratamentos da DRGE vão desde mudanças de hábitos de vida e alimentares a tratamentos medicamentosos com inibidores da bomba de prótons – os IBPs (o famoso omeprazol), chegando até ao tratamento cirúrgico.

O manejo clínico dos pacientes com refluxo é simples e está na ponta da língua da maioria dos clínicos e dos estudantes de medicina.

Mas uma dúvida importante é: quando devemos deixar de fazer o tratamento clínico e encaminhar esse paciente com DRGE para tratamento cirúrgico?

Saiba as indicações

É importante conhecer quais são as situações nas quais você pode pensar em manejo cirúrgico. Lembrar que é uma opção para pacientes refratários aos IBPs, ou seja, que continuam com os sintomas de DRGE ou com esofagite mesmo após tratamento medicamentoso.

Pacientes com alterações estruturais que impliquem em refluxo patológico, como hérnia hiatal grande, também são bons candidatos para cirurgia.

Veja na tabela abaixo os principais cenários para indicação cirúrgica.

Tabela 1: Indicação para manejo cirúrgico da doença do refluxo gastroesofágico.

INDICAÇÃO PARA MANEJO CIRÚRGICO DRGE
Efeitos colaterais com tratamento medicamentoso
Pouca adesão ao tratamento medicamentoso
Uso crônico aos medicamentos e vontade de descontinuá-los
Hérnia Hiatal grande (>5cm) com sintomas esofágicos
Regurgitação
Anormaldade da pHmetria mesmo em alta dose do remédio
Sintomas relacionados a refluxo não-ácido em máxima dose de remédio

Fonte: Adaptação da tabela do artigo Current Trends in the Management of Gastroesophageal Reflux Disease.

Caso o paciente se enquadre nesses parâmetros, é necessário que, antes da cirurgia, seja feita uma pHmetria, caso nunca tenha sido realizada uma, ou caso a endoscopia não tenha apresentado anormalidades.

Além disso, é preciso descartar doenças de motilidade do esôfago como acalasia, então é indispensável realizar uma manometria esofágica antes do procedimento.

Técnicas existentes atualmente

Fundoplicatura laparoscópica

A principal técnica é a fundoplicatura 360°, ou técnica de Nissen, com acesso por via laparoscópica. É a mais comum para pacientes com refluxo.

Ela implica na correção de hérnias hiatais e na criação de uma válvula unidirecional, utilizando a superfície posterior do fundo gástrico ao redor do esôfago distal.

Existem, também, as fundoplicaturas parciais, que envolvem apenas uma porção da circunferência esofágica, sendo a fundoplicatura posterior de 270° (técnica de Toupet) e anterior de 180° (técnica de Dor).

Elas são ideais para pacientes com certa dismotilidade esofágica, uma vez que a fundoplicatura de Nissen pode resultar como complicação pós-cirúrgica a disfagia e sintomas obstrutivos.

Trinta por cento dos pacientes desenvolvem sintomas após o procedimento como diarreia, dor torácica e dificuldade de eructação.

A estrutura também pode enfraquecer com o tempo, resultando em hérnia paraesofágica – a eficiência dessa técnica varia de acordo com a experiência do cirurgião, avaliação pré-operatória adequada e indicação adequada ao paciente, sendo suas taxas de sucesso variando entre 67% a 95%.

Bypass gástrico

A famosa técnica de derivação intestinal em Y de Roux, amplamente utilizada para o tratamento de pacientes obesos, também é utilizada para o tratamento do refluxo e é direcionada justamente para esses pacientes.

Sua indicação tem o objetivo de melhorar as complicações da obesidade e suas comorbidades. Pessoas com alto peso tendem a ter falha em fundoplicaturas, portanto, nesses casos, o bypass gástrico deve ser considerado.

Tem a vantagem de ser uma técnica segura, com poucas complicações hospitalares e causa melhora nas sensações de “queimação” retroesternal e esofagite.

Terapias endoscópicas

São técnicas mais recentes, desenvolvidas nos últimos 20 anos, por via endoluminal. São mais vantajosas em relação às fundoplicaturas por serem menos invasivas e mais seguras.

As duas técnicas mais importantes são a fundoplicatura transoral (transoral incisionless fundoplication – TIF ou EsophyX) e a Stretta (Radiofrequency Energy Delivery to the Lower Esophageal Sphincter).

A TIF tem o objetivo de reduzir hérnias hiatais existentes e criar uma válvula mecânica no esfíncter esofágico inferior através da endoscopia e sem a necessidade de incisão.

A Stretta é outra técnica minimamente invasiva, com poucos efeitos colaterais. Trata-se de uma aplicação de radiofrequência no músculo liso da junção esôfago-gástrica.

Apesar de serem efetivos e seguros para pacientes com DRGE, ainda são métodos caros e não estão amplamente disponíveis no Brasil.

Aumento do esfíncter esofágico

O LINX (Magnetic Sphincter Augmentation) é uma técnica recente que consiste em aumentar o esfíncter esofágico inferior através de anéis magnéticos de titânio por via laparoscópica.

Essas estruturas permitem a passagem do alimento, porém impedem seu fluxo retrógrado. O efeito colateral mais comum é a disfagia.

Apesar de ser uma técnica com menor efeitos adversos, não são bem elucidadas as consequências desse metal no corpo a longo prazo.

Fique atento à refratariedade dos sintomas

O objetivo da cirurgia na doença do refluxo gastroesofágico é proporcionar melhor qualidade de vida para o paciente, para que ele não tenha mais sintomas nem a necessidade de uso de IBP crônico.

Porém, mesmo com o tratamento cirúrgico, ele pode ter sintomas refratários. Uma porção considerável dos pacientes continuará necessitando medicação mesmo depois a fundoplicatura, cerca de 60% deles após 17 anos de acompanhamento clínico.

Ainda, o uso de IBP pós fundoplicatura aumentou de 45% em 2010 para 80% em 2013, o que preocupa médicos e pacientes.

Estudos mostram com boa evidência que indivíduos que respondem à IBP, que apresentam sintomas típicos e/ou que possuem hérnia de hiato terão melhores resultados com tratamento cirúrgico.

Logo, a análise clínica do paciente é importante para uma decisão sábia quanto ao seu manejo.

Considerações finais

A cirurgia como manejo da DRGE está sendo utilizada cada vez menos, o que indica uma menor escolha entre médicos e pacientes em relação a esse tipo de tratamento.

Porém, novas técnicas estão sendo desenvolvidas, cada vez mais avançadas tecnologicamente e menos invasivas.

Assim, o tratamento para essa doença está em constante transformação e talvez seja possível que, nos próximos anos, haja um maior entusiasmo ao tratamento cirúrgico como solução.

Então, não se esqueça: para as provas de residência e para o manejo dos seus pacientes, fique atento às indicações para conduta cirúrgica e, caso decida operar, lembre-se de fazer os exames pré-operatórios esofágicos.

Se precisar, tenha sempre o número de algum colega de confiança ou professor especialista no assunto para discutir o manejo.

E principalmente: individualize cada caso, entenda as necessidades e vontades do seu paciente, com a finalidade de alcançar o tratamento mais satisfatório possível.

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