Neurologia

Morte encefálica: entenda mais sobre o coma e a morte

Morte encefálica: entenda mais sobre o coma e a morte

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O diagnóstico de morte encefálica é dado quando ocorre a parada irreversível do funcionamento do organismo como um todo. Apesar disso, é complicado determinar o exato instante da morte, pois ela não é um acontecimento imediato, e sim um sequenciamento de fenômenos gradativos ocorridos nos diversos órgãos e sistemas do organismo que mantém a vida.

Contudo, atualmente, já é possível precisá-la prematuramente, em consequência dos novos meios semiológicos e instrumentais existentes.

Morte encefálica: o coma

O coma pode ser definido como a falência dos mecanismos de manutenção da consciência. Nesse sentido, para compreender um pouco melhor o coma é necessário conceituar a consciência. A consciência representa um estado de perfeito conhecimento de si próprio e do ambiente. Há dois componentes da consciência que devem ser analisados. O primeiro deles, é o nível de consciência, que é o grau de alerta comportamental que o indivíduo apresenta.

Durante o dia, temos oscilações fisiológicas do nível de consciência. Um exemplo disso é o sono, que representa uma diminuição fisiológica, da qual o indivíduo pode ser facilmente retirado. Durante um tempo, considerou-se o coma e o sono como situações neurológicas semelhantes. Contudo, posteriormente, classificou-se o sono como um estado completamente distinto do coma, não representando uma “falência transitória” dos mecanismos de vigília, mas um estado ativo e simplesmente diferente, do ponto de vista comportamental, da vigília normal.

O segundo componente da consciência é o conteúdo, que representa a soma de todas as funções cognitivas e afetivas do ser humano, como linguagem, praxia, memória, crítica, gnosias. O conteúdo de consciência é dependente da função do córtex cerebral.

Desse modo, lesões restritas ao córtex levam a distúrbios do conteúdo de consciência. Já o nível de consciência, irá depender da região pontomesencefálica do tronco encefálico e do córtex cerebral como um todo. Admiti-se que para haver diminuição do nível de consciência por lesões corticais, deve-se possuir envolvimento difuso e completo do córtex. As lesões corticais, quando restritas, alteram o conteúdo de consciência.

Por isso que, em demências corticais, observa-se pacientes perdendo progressivamente todas as suas funções cognitivas e afetivas, porém mantendo a vigília até estágios terminais da doença. É pertinente ressaltar que graus extremos de diminuição do nível de consciência e coma jamais podem ser produzidos por lesões hemisféricas unilaterias isoladamente.

Etiologia do Coma

A diminuição do nível de consciência implica em uma das seguintes possibilidades: lesão ou disfunção da FRAA (Formação Reticular Ativadora Ascendente), lesão ou disfunção intensa e difusa do córtex cerebral, ou ambas. Dessa forma, o coma representa uma situação clínica de diminuição extrema do nível de consciência.

Nos conceitos modernos de coma, inclusive como meio de diferenciá-lo de situações clínicas mais crônicas, torna-se obrigatória a presença dos olhos fechados. Isso acontece devido a contração tônica do músculo orbicular dos olhos, ou por desativação do elevador da pálpebra superior.

Contudo, a obrigatoriedade da presença de olhos fechados para definir coma é discutível na prática clínica. Em alguns casos de coma, o paciente pode ficar de olhos abertos, como ocorre normalmente no acidente vascular de tronco encefálico, isquêmico ou hemorrágico.

Diagnóstico

O método elaborado por Fred Plum e Jerome Posner procura localizar a lesão ou as lesões responsáveis pelo prejuízo na consciência, avaliando funções de estruturas neurológicas situadas nas proximidades do sistema reticular ativador ascendente. As lesões aqui referidas podem ser de qualquer natureza, como traumática, isquêmica, hemorrágica, neoplásica, farmacológica, bioquímica, térmica, elétrica e infecciosa.

Quatro parâmetros neurológicos são analisados: ritmo respiratório, pupilas, movimentos oculares e reações motoras. A avaliação do paciente em coma deve ser sistematizada. Portanto, algumas ações imediatas devem ser tomadas, após rápida caracterização do estado de coma. Estas medidas visam manter a viabilidade do tecido nervoso, enquanto deve ser procedida a investigação clínica e laboratorial da causa do coma, devendo ser realizadas de forma rápida, pois o tecido nervoso depende basicamente de três substratos para sua sobrevivência: oxigênio, glicose e cofatores. Estas medidas, portanto, visam o fornecimento destes elementos, que permitirão que os neurônios mantenham sua capacidade funcional.

A Morte Encefálica

A morte encefálica representa um estado clínico irreversível em que as funções cerebrais (telencéfalo e diencéfalo) e do tronco encefálico estão irremediavelmente comprometidas por uma injúria que causa dano irreversível.

Alguns fatores corroboram para o diagnóstico da morte encefálica, como por exemplo, causa do coma conhecida. Por isso, é muito importante que o médico consiga constatar o porquê do paciente estar em coma, para poder atestar que há morte encefálica.

Além disso, a causa não pode ser reversível, como em casos de intoxicação exógena, hipotermia, bloqueio neuromuscular, choque e encefalite de tronco encefálico. O nível de consciência deve estar profundamente alterado, com escore na Escala de Coma de Glasglow igual a 3. Outro fator que pode corroborar no diagnóstico de ME, são as alterações nas funções do tronco encefálico, estando completamente ausentes, são elas: reflexofotomotor, corneano, oculocefálico, oculovestibular, orofaríngeo e respiratório (apneia). Ademais, exames complementares podem ser necessários, a exemplo do eletroencefalograma (EEG), arteriografia convencional e arteriografia isotópica.

O período de observação é variável. Assim, o diagnóstico clínico definido, EEG isoelétrico e observação de 6 horas, definem o diagnóstico de morte encefálica. Sem exames confirmatórios, 12 horas de observação são necessárias. Em casos de lesão anóxica, 24 horas são necessárias para o diagnóstico de ME. Já a arteriografia convencional com estudos dos 4 vasos, carótidas e vertebrais, abrevia o tempo de observação, desde que demonstre ausência de circulação intracraniana.

Fisiopatologia da morte encefálica 

A morte encefálica é um processo complexo que altera de modo significativo a fisiologia e a bioquímica celular e de todos os sistemas orgânicos. Uma sequência própria de eventos fisiológicos ocorre nos pacientes críticos que estão evoluindo para morte encefálica, como por exemplo, disautonomia e disfunção miocárdica, disfunção endócrina, hipotermia, coagulopatia, apoptose e inflamação sistêmica.

Cada uma dessas etapas, se não adequadamente identificadas e tratadas, levará a morte do corpo ou, na melhor das hipóteses, a dano e menor sobrevida do enxerto no receptor, no caso de o paciente ser um possível doador. A morte encefálica representa o processo final da evolução da isquemia cerebral, que evolui no sentido rostrocaudal até envolver regiões do mesencéfalo, ponte e medula, culminando com a herniação cerebral através do forame magno.

O momento que precede a herniação cerebral é marcado por extremas elevações da pressão intracraniana, acompanhada da tríade de Cushing, que representa o esforço final do organismo na tentativa de manter a perfusão cerebral. A falência desse mecanismo promove a progressão da isquemia que, ao atingir a medula, interrompe a atividade vagal, levando a resposta autonômica simpática maciça, chamada de “tempestade autonômica”. Essa estimulação simpática desenfreada tem curta duração e caracteriza-se por taquicardia, hipertensão, hipertermia e aumento acentuado do débito cardíaco.

Em paralelo a estes processos, uma diminuição do metabolismo basal reduz progressivamente o consumo de energia de cada órgão. Isso é útil porque protege o corpo de eventos adversos, como hipotensão ou hipoxemia, mas algumas vezes prejudica o diagnóstico de morte encefálica por conta da baixa produção de C02. A diminuição do metabolismo basal não permite que a PaC02 atinja níveis necessários para documentar lesão do centro respiratório, mesmo após 10 minutos de desconexão do ventilador mecânico, fazendo com que vários testes de apneia sejam inconclusivos.

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