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Confira neste post tudo que você precisa saber sobre o que é permitido por lei no Brasil quando o assunto é morte!
Desde o início dos tempos, o ser humano desafia as doenças e busca sem sucesso uma cura absoluta para evitar o fim da vida. Hoje, apesar do gigantesco arsenal terapêutico ao nosso dispor, essa ainda é uma limitação da Medicina.
Em tempos de pandemia e reclusão, é normal se pensar sobre a morte, principalmente se houve a perda recente de algum ente querido. Mas o que significa morrer na Medicina?
Critérios de morte encefálica
Legalmente, os médicos usam o conceito de morte encefálica do Conselho Federal de Medicina, que, de uma forma bem resumida, é a permanente e total perda das funções cerebrais.
Os procedimentos para determinar que um paciente está nesse estado irreversível são definidos pela Resolução nº 2173/2017 do Conselho Federal de Medicina.
Devem ser iniciados em todos pacientes em coma profundo, com falta de reatividade supraespinal e apneia persistente, contanto que obedeçam aos seguintes critérios:
- Presença de lesão encefálica irreversível e conhecida que seja capaz de causar morte;
- Ausência de fatores tratáveis e que possam simular morte encefálica;
- Permanência em hospital por pelo menos 6 horas (ou 24 horas se a causa for encefalopatia hipóxico-isquêmica;
- Temperatura esofágica, vesical ou retal maior que 35°C;
- Saturação de oxigênio maior que 94%;
- Pressão arterial sistólica maior ou igual a 100 mmHg ou média maior ou igual a 65 mmHg em maiores de 16 anos.
Leia também: artigo sobre diagnóstico de morte encefálica
Os exames necessários e a legislação para determinar o estado de morte encefálica mudam de um país para outro. Isso mostra como até mesmo a constatação do falecimento é algo ainda impreciso na Medicina.
Entretanto, há a certeza de algo: o fim da vida não se restringe à perda das funções cerebrais do paciente. Há todo um processo de luto e adaptação dos familiares. Além do sentimento de culpa da equipe de saúde responsável.
Quando se trata de doenças incuráveis, a situação é ainda mais delicada. É impossível para tais pacientes não pensarem na sua morte. No Brasil, porém, há um certo tabu envolvendo o assunto e as discussões são escassas.
Assim, a sociedade e os próprios profissionais tendem a se confundir sobre conceitos básicos. O que prejudica o avanço da legislação.
Os tipos de morte e a legislação brasileira
No meio da discussão, os especialistas criaram alguns termos para designar os diferentes processos de morte. Os principais são:
- distanásia,
- ortotanásia,
- mistanásia,
- suicídio assistido e
- eutanásia.
Vamos explicar sobre cada um e comentar sobre a legislação brasileira vigente.
Distanásia
A distanásia, também conhecida por obstinação terapêutica, é composta pelos atos e condutas que prolongam o processo de morte de modo artificial sem que haja uma melhora no prognóstico ou na qualidade de vida do paciente.
Não há leis federais e muitos médicos inconscientemente a cometem tanto pela esperança de salvar o paciente quanto pelo medo de serem processados judicialmente por mistanásia.
Entretanto, ela vai de encontro ao juramento de Hipócrates. Também aos princípios de beneficência e não-maleficência e ao item XXII do capítulo I do Código de Ética Médica.
Afinal, apesar das boas intenções do médico, cada novo procedimento nessa fase estará causando mais desgaste físico, emocional e monetário ao paciente e sua família.
Ortotanásia
Também chamada de eutanásia passiva, baseia-se em não prolongar o processo de falecimento, permitindo que ocorra de modo natural. Ela está bastante relacionada aos cuidados paliativos.
Na lei, além de estar de acordo com os princípios de não-maleficência e beneficência tão comentados na Ética Médica, existe a Resolução n° 1805/06 do CFM que permite ao médico “suspender procedimentos e tratamento que prolonguem a vida do doente, em fase terminal, […]”. (CFM, 2006).
Assim, ao decidir por ortotanásia, o médico está legalmente resguardado. Devendo anotar no prontuário a decisão, que deve ser tomada junto ao paciente e sua família, e iniciar os cuidados paliativos.
No estado de São Paulo, existe a lei conhecida como Lei Mário Covas (nº 10.241/1999), que autoriza a escolha de local da morte e a suspensão de tratamentos dolorosos na tentativa de prolongar a vida, se assim for da vontade do paciente.
Mistanásia
Baseia-se na ideia de morte indevida, precoce e evitável. É uma violação ética gravíssima e é cometida quando a negligência, atos de imperícia ou imprudência de um médico resultam na morte do paciente. Constitui-se como erro médico e pode fazer o acusado enfrentar processos graves e perder seu CRM.
Curiosidade: a morte de pessoas que não conseguiram o auxílio do governo para garantir o mínimo à sua sobrevivência, como um morador de rua, também é chamada mistanásia.
Suicídio ou morte assistida
Ocorre quando um paciente explicitamente pede pela morte e o médico o ensina ou fornece os meios para consumar o ato.
Perceba que, nesse caso, o profissional tem atitude passiva, ele apenas indica o que fazer e a realização do ato caberá ao paciente.
Esse tipo de morte é crime de indução ao suicídio e se enquadra no artigo 122° do Código Penal brasileiro. O tempo de reclusão varia segundo os agravantes, como a idade do paciente e o resultado do ato (se houve morte ou apenas lesão corporal).
Eutanásia
A eutanásia ou eutanásia ativa, que diz respeito a provocar a morte de alguém com doença em estágio terminal e incurável em busca de diminuir o sofrimento deste.
Para ajudar a diferenciar, poderíamos dizer que, no suicídio assistido, o médico apenas entregaria a seringa com o veneno ao paciente. Já na eutanásia, o próprio médico injetaria o conteúdo da seringa.
Vale ressaltar que ambos vão de encontro ao artigo 5º da Constituição Federal, que discorre sobre a inviolabilidade do direito à vida.
Como o ato é consumado pelo próprio médico, os casos geralmente são julgados como homicídio. Pelo artigo 121° do Código Penal), pode haver uma redução da pena em um terço se, no decorrer do processo, for considerado que o médico agiu por forte emoção. Desejando diminuir a dor do paciente e após pedido deste. Na melhor das hipóteses, quem cometer tal ato terá um mínimo de 2 anos de reclusão.
O que o código de ética médica afirma?
Esse é o documento que contém as normas de conduta para o exercício da profissão médica. Nele, apesar de em nenhum momento haver uso dos termos propriamente ditos, é clara a recomendação de conduta sobre eutanásia, ortotanásia, suicídio assistido, distanásia e mistanásia em seu artigo 41°, que diz:
É vedado ao médico […]
Art. 41 Abreviar a vida do paciente (eutanásia, suicídio assistido e mistanásia), ainda que a pedido deste ou de seu representante legal.
Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis (ortotanásia) sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas (distanásia), levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal. (CFM, 2019, grifos e anotações entre parênteses meus).
Testamento vital
O testamento vital consiste em um documento em que a pessoa pode indicar os procedimentos que ele (a) deseja ou não receber quando estiver doente. Dentre eles, há a ordem de não ressuscitar em caso de parada.
O ideal é que, ao escrevê-lo, se esteja saudável e em pleno uso das capacidades mentais. Caso contrário, haverá grande chance de o documento não ser aceito pelo médico encarregado.
Na ausência de uma lei federal, esse documento é resguardado pela Resolução nº 1995/2012 do CFM. A resolução coloca a vontade do paciente acima dos pareceres não médicos e desejos da família. Mas, no fim, explica que o médico é quem vai escolher se irá acatá-la, devendo sempre anotar todas as decisões em prontuário.
O Código de Ética Médica também fala rapidamente sobre a necessidade de o médico aceitar a vontade expressa do paciente contanto que esteja de acordo com sua consciência
Modelo de testamente vital
Confira um modelo de testamento vital:

Fonte: https://modeloinicial.com.br/peticao/11199262/testamento-vital
Perceba como termina: “De forma absoluta, eu quero poder morrer com dignidade e paz”.
Conclusões e quadro resumo
No Brasil, os debates sobre a morte e o morrer ainda são escassos e isso dificulta os avanços na regulamentação. Existem algumas leis, mas os limites entre crime e ato legal impostos pela legislação atual são muito tênues.
O medo de prejudicar o paciente ao suspender certos tratamentos e enfrentar um processo judicial prevalecem. Isso perpetua a ocorrência da distanásia no país.
Desconhecimento é um outro fator perpetuador importante. Inclusive, foi o motivo de algumas leis terem passado anos sem execução. Por isso, é de suma importância o estudo e o debate sobre o assunto. Para ajudar a sedimentar tanta informação, abaixo tem um quadro resumindo os principais pontos abordados no texto.

O texto acima é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

REFERÊNCIAS
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