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Departamento médico: como é a rotina de um médico de clube de futebol?

Departamento médico: como é a rotina de um médico de clube de futebol?

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Imagem de perfil de Luiz Fernando Mourão

Tudo o que você precisa saber sobre o departamento médico em um clube de futebol – estrutura, atividades diárias e mais.

Quando se fala em “Departamento Médico” de um clube de futebol, culturalmente o primeiro profissional que vem em mente é o Médico. Mas,
precisamos entender que um Departamento Médico funciona de maneira interdisciplinar.

Isso significa dizer que são inúmeros profissionais que trabalham juntos com o objetivo de promover o tripé principal de Performance Esportiva:

  • prevenção,
  • tratamento,
  • reabilitação.

Ao longo deste texto, vamos discutir como a evolução da Medicina Esportiva enquanto especialidade médica influenciou um novo conceito de Departamento Médico.

Contextualização da especialidade de medicina do esporte

Até a década de 1990 e início dos anos 2000, a grande maioria dos médicos dos clubes de futebol eram especialistas em Ortopedia e Traumatologia. Isso porque havia uma maior prevalência de lesões no dia-a-dia dos atletas serem do sistema músculo-esquelético.

Entretanto, o profissional médico que lida com esporte precisa ter conhecimentos de outras especialidades médicas e de outras áreas da saúde:

  • cardiologia,
  • fisiologia do exercício,
  • nutrição/nutrologia,
  • psicologia,
  • biomecânica,
  • princípios do treinamento, entre outros.

Quais conhecimentos o médico do esporte precisa dominar?

Exemplificando tais especialidades, o Médico do Esporte precisa entender sobre Avaliação Pré-Partipação (APP) para avaliar risco cardiovascular de morte súbita no esporte.

É fundamental entender a fisiologia do exercício para explicar a adaptação do organismo e seus diversos sistemas ao exercício, bem como os seus benefícios para qualquer pessoa independente de comorbidades ou não.

Aspectos nutricionais e conceitos da fisioterapia e da educação física, como a biomecânica, são indispensáveis quando pensamos em recovery e prevenção de lesão.

Dessa forma, naturalmente o futebol começou a abrir espaço para profissionais médicos com especialização em Medicina do Exercício e do Esporte.

Como ocupa a posição de principal esporte no país, outros esportes gradativamente passaram a ter especialistas em medicina esportiva atuando na rotina de treinamentos e competições.

Importância de ter um médico do esporte no clube

Um dos grandes diferenciais de um clube em ter um Médico do Esporte é a capacidade desse profissional em dialogar com todos os demais profissionais da área da saúde.

Entender desde quando um atleta precisa de:

  • uma avaliação nutricional
  • correção de gesto esportivo na corrida
  • apoio psicológico
  • quando a carga de treino estiver comprometendo o rendimento esportivo.

Trata-se de virtudes que permitem ao Médico do Esporte ser ativo dentre todos os profissionais. Por isso, o termo mais correto para ser usado ao invés de “Departamento Médico” é “Departamento de Saúde”.

Estrutura de um departamento médico

A estrutura de um Departamento Médico perpassa pelos departamentos que o compõem. Ela precisa ser pensada como um espaço físico integrado para que todos os profissionais trabalhem em sinergia.

Desde o consultório médico e a enfermaria até a sala de fisioterapia e academia precisam estar estrategicamente próximos para que seja possível uma integração entre todos os setores.

É necessário ter em mente uma estrutura que permita a avaliação completa do atleta desde uma APP até o processo de reabilitação.

Na área médica, medicamentos para a rotina diária e mala médica. Sintomáticos orais e injetáveis, kit de sutura com fios absorvíveis e inabsorvíveis e de diferentes tamanhos, equipamento para transporte e imobilização e a presença de um Desfibrilador Externo Automático (DEA) com revisão sempre atualizada.

Vivemos em uma era com tecnologias cada vez melhores e que se tornam obsoletas cada vez mais rápido. O Departamento Médico de um clube também precisa se adaptar a essa nova realidade.

Tripé principal de Performance Esportiva

O tripé prevenção, tratamento e reabilitação precisa ser literalmente “colocado no papel”. Para isso, são necessárias tecnologias que permitam atuar em atletas que estejam com risco de lesão, mas, também, estimar o tratamento e reabilitação de outros.

O foco preventivo precisa ser trabalhado de maneira bastante ativa para que os atletas permaneçam à disposição da comissão técnica para treinamentos e jogos a maior quantidade de tempo possível.

Entenda que o foco principal do Médico do Esporte é promover saúde sempre em primeiro lugar. Mas, prevenir lesões também envolve um fator financeiro para o clube: atleta parado em tratamento significa gasto de dinheiro.

Nesse contexto, investimento em estrutura para prevenir lesão é mais barato do que o clube gastar com atleta sem poder jogar.

Como suprir as necessidades diárias dos atletas?

Há dois setores que precisam ser muito bem estruturados para suprir as necessidades e demandas diárias dos atletas:

  • Fisioterapia
  • Fisiologia

O fisioterapeuta tem papel fundamental no processo regenerativo do atleta diariamente, tanto antes quanto após o treinamento. Em conjunto com a preparação física, a fisioterapia trabalha exercícios para correção do gesto esportivo com foco na biomecânica.

A técnica do movimento precisa ser trabalhada de maneira específica para o esporte, nesse caso o futebol. Portanto, o trabalho da fisioterapeuta não é apenas dentro da sala de fisioterapia, mas também dentro da academia e do campo.

Equipamentos que não podem faltar no setor de fisioterapia

Falando especificamente sobre a estrutura do setor de fisioterapia, há alguns equipamentos que são importantes na rotina diária do fisioterapeuta.

Aparelhos de eletrotermofototerapia (recurso terapêutico que utiliza correntes elétricas, princípios térmicos e irradiação luminosa) têm o foco terapêutico. Dentre eles, destacam-se o ultrassom, corrente russa, FES, TENS, ondas curtas, infravermelho e laser.

Cada um possui particularidades quanto a indicações e contra indicações, sendo que todos têm como objetivo produzir algum efeito no tecido a ser tratado, como:

  • alívio da dor,
  • relaxamento muscular,
  • aumento da circulação,
  • diminuição do processo inflamatório,
  • cicatrização, entre outros.
Foto: reprodução / Physiopedia

Como a fisioterapia também é responsável por parte do recovery, existem equipamentos amplamente utilizados com esse objetivo. Podem ser citados bota pneumática, massageadores percussivos e instrumentais (IASTM).

Além disso, a principal técnica da fisioterapia é o movimento, então a proximidade com a estrutura da academia é importante para o seu trabalho.

O aparelho isocinético tem importância tanto para APP e critérios de alta, quanto para treinamentos específicos para correção de desequilíbrios da musculatura entre membros.

Além disso, a Terapia por Ondas de Choque é um aparelho que otimiza o tratamento de tendinopatias e dor miofascial.

Foto: divulgação

Equipamentos que não podem faltar no setor de fisiologia

A fisiologia é um setor mais recente e que ganhou importância muito significativa nos últimos anos.

Em termos de estrutura, é o setor que lida bastante com tecnologias que buscam avaliar diariamente como o organismo está respondendo ao exercício.

Dispositivos de GPS

Os dispositivos de GPS puxam a lista de equipamentos mais difundidos entre a maioria dos clubes. Com ele é possível avaliar, de maneira objetiva, variáveis importantes para o rendimento esportivo e também para prevenção de lesões.

Total de distância percorrida, discriminando esse total de acordo com o nível de intensidade, é um dos pontos principais da avaliação.

Além disso, também é possível acompanhar em tempo real as frequências cardíacas dos atletas, identificando o tempo em que os atletas permanecem nas zonas de treinamento durante treinamentos e jogos.

Foto: divulgação Polar

Marcadores de desgaste muscular

Outro ponto importante da fisiologia está na avaliação de marcadores de desgaste muscular como a Creatinoquinase (CK) e Proteína C Reativa (PCR).

Trata-se de um aparelho que mensura os níveis desses biomarcadores de maneira rápida e prática. Ele ajuda a identificar se algum atleta necessita de um repouso maior ou de um trabalho recuperativo.

Câmera de termografia

A câmera de termografia é um equipamento que está cada vez mais inserido na prática diária da fisiologia.

O objetivo é identificar áreas com risco potencial de lesão muscular antes que, de fato, aconteçam.

Essa sinalização permite com que o médico e o fisioterapeuta possam atuar para recuperar o atleta de forma que o mesmo não seja acometido por uma lesão. Fato que o deixaria de fora de treinos e jogos por um tempo prolongado.

câmera de termografia | Foto: divulgação

Plataforma de salto

A plataforma de salto permite a análise de variáveis importantes dos membros inferiores, como força, potência e velocidade de reação. As fotocélulas são equipamentos que permitem avaliar as velocidades de sprints. Ambos podem ser utilizados em momentos específicos de acordo com o planejamento da temporada.

Outros equipamentos

Há outros equipamentos tão importantes quanto os já mencionados que merecem destaque:

  • jogo de luzes para treinamento de reflexo,
  • plataforma específica para exercício nórdico e
  • o Kineo, cadeira com três movimentos. Ela ajuda no fortalecimento e tratamento de desequilíbrio muscular, para tratamento e prevenção de lesões.
Crédito das fotos: divulgação e Cesar Greco/Ag Palmeiras/Divulgação

Como é a organização do departamento médico?

Os profissionais do departamento médico são organizados de acordo com as suas funções.

Como mencionado anteriormente, o termo mais correto seria “Departamento de Saúde”. Há vários profissionais envolvidos na organização e funcionamento desse setor.

Por se tratar de um setor interdisciplinar, a ideia de um bom funcionamento perpassa pela comunicação aberta entre todos os componentes, evitando o unilateralismo.

Essa visão é fundamental para a harmonia entre todos os profissionais e evita com que algum deles seja considerado inatingível.

A imagem abaixo retrata de maneira bem simples como deve ser a organização do Departamento Médico:

Hierarquia e a distribuição de funções

Como qualquer empresa, é fundamental que haja pessoas responsáveis por determinado setor.

A pessoa responsável pela chefia do Departamento Médico é, geralmente, um médico. O mesmo assume funções de coordenação dos profissionais envolvidos.

É interessante, também, que cada setor tenha uma pessoa responsável para assumir uma coordenação. Por exemplo, a presença de um:

  • fisioterapeuta responsável pelos demais fisioterapeutas,
  • fisiologista que seja responsável pelo setor de fisiologia e assim sucessivamente para as demais funções.

Importância da interdisciplinaridade

Atenção novamente para a imagem esquematizada no item anterior. Perceba que todos os setores precisam estar interligados e abertos para que a comunicação funcione. Tal fato não impede que haja uma hierarquia no departamento médico.

Muito pelo contrário: significa que todos têm acesso a todos. Exemplificando para tornar o aprendizado mais fácil:

Quando o médico percebe que um atleta precisa de uma avaliação com a psicologia, ele pode dirigir-se para o psicólogo e transmitir essa demanda precisar de um intermediador ou autorização.

Da mesma forma, quando o nutricionista precisa saber qual a estimativa de gasto energético no treinamento para calcular alimentação e suplementação de um atleta. Ele tem autonomia de dialogar com o preparador físico ou fisiologista para ter a informação correta.

Principais funções desempenhadas no dia-a-dia do departamento médico

Independente das especificidades de cada um, o ponto comum de todos está na necessidade de estarem o máximo possível dentro de campo, literalmente.

O fisioterapeuta que realiza o tratamento de uma lesão ou recovery também precisa entender o movimento do atleta na sua especificidade do esporte, da mesma forma que o médico precisa estar atento aos atletas que têm eventuais lesões de repetição.

De maneira bem resumida, segue abaixo uma descrição dos profissionais com suas respectivas funções:

● Médico do Esporte:

Diagnosticar e tratar doenças e lesões associadas ou não ao esporte. A grande maioria está relacionada ao sistema músculo-esquelético. Porém, há diversas doenças clínicas às quais os atletas estão sujeitos no dia-a-dia. Além disso, o entendimento sobre doping também é uma demanda diária bastante frequente para o médico;

Fisioterapia:

Prevenção, tratamento e reabilitação de lesões com foco no movimento. Tem função fundamental no processo de recovery com objetivo de prevenção de lesão;

Nutrição:

Elaboração de cardápios alimentares para atletas, além de suplementação diária após treinos e jogos. Em viagens, também entra em contato com hotéis para elaboração de cardápio alimentar nos locais fora do ambiente do clube;

● Psicologia:

O acompanhamento psicológico tem como objetivo o desenvolvimento da autoconfiança e o aumento da motivação. Também a preparação psicológica do atleta e da equipe em função da competição.

Enfermagem:

Administração de medicamentos injetáveis, cuidados relacionados à curativo de ferimentos. Além disso, outras funções gerais de funcionamento do departamento médico, como agendamento de exames;

● Preparação Física:

Responsável pela condição física da equipe. Preparando os atletas para atuarem em alto nível durante a partida. Além de visar a prevenção de lesões e o aumento da longevidade no esporte.

● Fisiologia:

Realização de questionários recuperação de percepção subjetiva de cansaço, qualidade do sono, recuperação e dor. Realiza também trabalho fundamental no controle de carga em conjunto com a preparação física, através da avaliação de dados do GPS.

A termografia é um exame que ganhou relevância nos últimos anos principalmente com foco preventivo de lesões. Dosagem de marcadores de desgaste muscular é uma função também atribuída à fisiologia;

Análise de Desempenho:

Responsável por conhecer melhor o próprio time e o adversário de cada partida. Ou seja, tem a função de fazer o recolhimento de informações de treinos e jogos, analisar, traduzir e transmitir ao técnico os resultados;

● Odontologia:

Saúde bucal é um ponto importante. Tem ganhado cada vez mais relevância em estudos científicos que a associam à melhora de performance esportiva e prevenção de lesões.

Assistente Social e Pedagogia:

Mais presente nas divisões de base dos clubes e são responsáveis pela organização de alojamentos e apoio escolar.

Vantagens e desvantagens de trabalhar no departamento médico de um clube

Nem tudo são flores e, como qualquer trabalho, é importante pontuar coisas boas e ruins. Realmente, trabalhar com alto rendimento é algo que jamais será monótono e o clima de competitividade contagia para buscar sempre a melhor performance possível.

Não é diferente da área médica. É preciso assumir riscos na rotina e individualizar sempre de acordo com momentos importantes de competições se é possível que o atleta participe de um jogo importante, mesmo que não esteja com 100% da sua capacidade física.

Nesse sentido, o fundamental é ser muito transparente com o atleta e sua comissão técnica para que a decisão seja dividida com todos os interessados.

Como começar a trabalhar dentro de um clube?

Um ponto que precisa ser mencionado é sobre como começar a trabalhar dentro do esporte de alto rendimento. A principal forma ainda perpassa por um bom networking com profissionais que estão inseridos dentro se clubes.

Vale pontuar que tem havido um crescimento de processos seletivos nas áreas de saúde para seleção mais criteriosa de profissionais da área médica, fato que acompanha o crescimento da especialidade.

Prepara-se para contatos em horários aleatórios

Além disso, quem trabalha nesse ambiente acaba sendo o médico de confiança de outras pessoas envolvidas, por exemplo familiares/amigos de atletas e funcionários do clube

Então, não é incomum receber contatos em horários aleatórios independente de dia útil ou não com dúvidas ou solicitações não necessariamente associadas à saúde dos atletas, então é possível que as tarefas continuem fora do ambiente de trabalho.

Portanto, quem deseja trabalhar com esporte de alto rendimento precisa ter em mente que se trata de um trabalho prazeroso, mas que requer dedicação e proatividade.

Por trás de medalhas e premiações, existem diversas funções que podem variar no grau de complexidade. É fundamental estar preparado para qualquer situação.

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