Psiquiatria

Folie à deux: como funciona o compartilhamento de sintomas psicóticos?

Folie à deux: como funciona o compartilhamento de sintomas psicóticos?

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Imagem de perfil de Saulo Ciasca

Confira neste artigo do Dr. Saulo Ciasca, médico psiquiatra, uma breve análise sobre Folie à deux.

Já parou para se perguntar como e porquê você acredita em algo? A diferenciação do que é real e o que é fantasia é uma das funções mentais do que se conhece como juízo.

O juízo é o estabelecimento de relações significativas entre dois conceitos ou mais, e isso envolve a medida do que é fato, do que é verdade e do que não é para cada pessoa.

Alterações do juízo crítico 

Algumas alterações do juízo crítico que encontramos em pessoas sem transtornos mentais são o pensamento dereístico e o pensamento mágico. 

O pensamento dereístico é caracterizado por um conteúdo que se articula de acordo com o que a pessoa deseja ou considera válido, mesmo que seja oposto à lógica. É como se o pensamento deixasse de se adaptar à realidade para se adaptar apenas ao que a pessoa deseja.

Já o pensamento mágico está relacionado às fantasias da pessoa, podendo ser base para: 

  • ritos religiosos,
  • crenças, 
  • superstições e
  • outros contextos místicos.

A quebra do juízo de realidade 

O delírio é caracterizado por uma quebra no juízo de realidade, em que a pessoa tem uma ideia irreal, inargumentável, com uma certeza absoluta de sua veracidade. 

Porém o que acontece se a própria concepção de realidade é atacada por uma enxurrada de desinformações, mensagens falsas, manipulações e meias-verdades? Se, por exemplo, uma comunidade passa a negar os últimos séculos de ciência astronômica e afirma com categoria que a Terra é plana, e que há uma grande conspiração mundial que afirma o contrário? Consideraríamos um grande erro no ajuizar ou um delírio coletivo?

Folie à deux: o que é e quais são os diagnósticos mais comuns 

O transtorno delirante induzido (CID-10), é uma síndrome definida pelo compartilhamento de sintomas psicóticos entre dois (“folie à deux”), três (“folie à trois”) ou mais indivíduos (“folie à plusieurs”).

Em tempos de redes sociais, é bastante possível que uma pessoa psicótica compartilhe determinados delírios na internet e tenha uma correspondência com mais pessoas que acreditem nesse pensamento, passando a compartilhar um sistema comum de crenças. 

Folie à deux: diagnósticos mais comuns 

Os diagnósticos mais comuns do sujeito primário costumam ser a esquizofrenia e o transtorno delirante persistente. 

Há também a possibilidade de uma pessoa com transtorno de personalidade paranoide destilar suas certezas a respeito de conspirações e ameaças veladas, criando desconfiança, medo e uma sensação de insegurança nas pessoas que estão ao redor.

Um termo bastante utilizado atualmente para um fenômeno que vem ocorrendo em vários países e também no Brasil é o de dissonância cognitiva coletiva. 

A dissonância cognitiva coletiva acontece quando uma realidade paralela através de um desconforto subjetivo causado pela consciência da distância entre aquilo em que acreditamos e a maneira pela qual nos comportamos. 

Folie à deux: há como evitar?

Como saber se você está dentro de uma rede em que mentiras são veiculadas com frequência? Algumas dicas para você:

  • Cheque sempre as fontes. “Quem diz” é tão importante do que o “que é dito”; 
  • Se você não confia em nenhum canal de informação, talvez te influenciaram a acreditar em apenas alguns canais.
  • Não permita que a desconfiança te impeça de “beber de fontes diferentes”, para ter uma ideia melhor do que andam falando a respeito; 
  • Pergunte-se: sou uma pessoa muito sugestionável? Costumo me deixar influenciar com facilidade?

E, finalmente, a mais importante: você deixa espaço para alguma dúvida em suas convicções? 

Lembre:  onde não há qualquer dúvida, há a certeza inabalável e inargumentável da psicose.

Sugestão de leitura

Referências

  1. MACHADO, Leonardo; CANTILINO, Amaury; PETRIBÚ, Kátia; et al. Folie à deux (transtorno delirante induzido). Jornal Brasileiro de Psiquiatria, v. 64, n. 4, p. 311–314, 2015. Acesso em: 8 Nov. 2021.
  2. Castro Rocha: ‘Brasil é laboratório de criação de realidade paralela’. Estado de Minas, 2022. Disponível em: www.em.com.br/app/noticia/pensar/2022/10/21/interna_pensar,1409943/castro-rocha-brasil-e-laboratorio-de-criacao-de-realidade-paralela