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Hikikomori: o que você precisa saber sobre a síndrome com a coluna do Dr. Saulo Ciasca, que é médico psiquiatra.
A pandemia da COVID-19 forçou muitas pessoas a ficarem em suas casas, isoladas para se protegerem e não transmitirem a infecção para terceiros. Esse isolamento foi vivenciado de diversas formas e ainda estamos analisando o impacto dessas necessárias medidas na saúde mental das populações, sobretudo na de crianças e adolescentes.
Diferentemente do isolamento obrigatório devido a catástrofes sanitárias, algumas pessoas podem desenvolver um comportamento de isolamento social autoimposto, o Hikikomori.
O que é Hikikomori?
Inicialmente reconhecido como uma síndrome cultural no Japão e regiões da Ásia, o Hikikomori é um grave e prolongado isolamento social autoimposto, ocorre quando a pessoa privilegia o mundo virtual em detrimento do físico.
Compreendido como problema de saúde pública na Ásia (com prevalências entre 0,87% e 2,3%), o Hikikomori tem casos que são identificados em todo o mundo (Roza et al, 2020).
Sinais
As pessoas com Hikikomori apresentam um isolamento social importante, passando a ficar em suas residências e até em determinado cômodo da casa, saindo do quarto para se alimentar ou ir ao banheiro.
Em quadros mais graves, podem morrer devido a desnutrição, sobretudo quando algum familiar que a mantinha falece.
Diagnóstico
Para o diagnóstico, é necessária uma duração de ao menos 6 meses e um impacto funcional/social e/ou sofrimento significativos, seja no trabalho, estudo ou relacionamentos.
Muitas pessoas apresentam associadamente também uso problemático da internet, sobretudo o gaming disorder – dependência de jogos eletrônicos.
Quais as características mais comuns em pessoas com Hikikomori?
Segundo Kato et al, 2019, algumas características podem ser encontradas nessas pessoas:
- alto tempo consumido na Internet,
- uso compulsivo de jogos eletrônicos e de pornografia,
- presença de amizades e relacionamentos sociais apenas em ambiente virtual,
- sedentarismo e grande procrastinação de atividades,
- renda proveniente dos pais, sendo nos casos mais graves a necessidade de que levem comida para a pessoa no quarto.
Por conta do quadro, podem piorar com comorbidades psiquiátricas como depressão, ansiedade, falta de ocupações relacionadas a trabalho e estudo e perda de sentido na vida com risco de suicídio.
Hikikomori: predisponentes ou precipitantes
Compreendido dentro de um modelo biopsicossociocultural, inúmeros quadros estão associados ao Hikikomori e podem estar presentes como predisponentes ou precipitantes, são eles:
- Fatores que provocam um comportamento de esquiva, ansiedade ou medo (traumas, transtorno do estresse pós-traumático, transtorno de personalidade evitativa, narcisista ou esquizoide);
- Condições que afetam a interação;
- Fatores que provocam anedonia, perda de motivação ou ideação suicida (depressão);
- Comportamentos sociais (transtorno de ansiedade social e transtornos do espectro autista);
- Fatores biológicos (doenças graves e obesidade mórbida);
- Quadros psicóticos com autorreferência ou delírios persecutórios (esquizofrenia);
- Fatores socioculturais (inteligência artificial, novas formas de encontros e socialização virtuais);
- Fatores psicológicos (solidão, vergonha, baixa autoestima e perda de confiança em terceiros).
Perspectivas futuras
No futuro, com o desenvolvimento e popularização da realidade virtual, do metaverso e da inteligência virtual (e possibilidade da pessoa ter companhias e namoros com inteligências artificiais), o Hikikomori pode vir a ser um problema ainda maior.
Com esse cenário, se torna cada vez mais necessárias ações em saúde mental como:
- intervenções familiares e psicossociais,
- tratamento das comorbidades,
- entrevistas motivacionais,
- abordagens cognitivo-comportamentais e
- prevenção de recaídas.
Confira o podcast da Sanar sobre este tema:
Referências
Roza TH, Spritzer DT, Gadelha A, Passos IC. Hikikomori and the COVID-19 pandemic: not leaving behind the socially withdrawn. Brazilian Journal of Psychiatry. 2020 Aug 21;43:114-6.
Kato TA, Kanba S, Teo AR. Hikikomori: multidimensional understanding, assessment, and future international perspectives. Psychiatry and clinical neurosciences. 2019 Aug;73(8):427-40.
Sugestão de leitura complementar
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Dra. Nathália Sousa (pediatria): Qual o efeito da pandemia na saúde mental de crianças e adolescentes?
Dra. Patrícia Cavalcante (nutrologia): Rybelsus funciona para perda de peso? Tudo sobre a semaglutida oral
Dr. Alexandre Câmara (endocrinologia): Tratamento do diabetes: impacto da nova geração de insulinas e como utilizá-las na prática clínica
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