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Os procedimentos cirúrgicos costumam estar associados a modificações circunstanciais dos componentes fisiológicos e metabólicos que garantem a homeostasia. Essas alterações variam de acordo com o biotipo do paciente e do tipo de cirurgia e, em situações de trauma, dependem ainda da gravidade e extensão das lesões. A iatrogenia em procedimentos cirúrgicos abrange uma variedade de complicações e é responsabilidade do cirurgião fazer o que está ao seu alcance para evitar uma complicação, buscando sempre aperfeiçoar suas técnicas.
Normalmente, no período pós-operatório, analisa-se a hidratação (e o balanço hídrico), o estado de consciência, condições hemodinâmicas, de ventilação e de oxigenação, além das cicatrizes decorrentes do procedimento e o funcionamento dos drenos, sondas e cateteres. A presença de dor nesse período tende a diminuir a mobilidade desse paciente, sendo mais intensa nas primeiras 24 a 36h após o procedimento. No entanto, a movimentação e mudança de decúbito é recomendada com o objetivo de prevenir o acúmulo de secreções e o início varia de acordo com o tipo de cirurgia e extensão das lesões.
O paciente em boas condições psicológicas, com funcionamento efetivo dos sistemas orgânicos e com um preparo pré operatório apropriado – anamnese e exame físico, além dos exames complementares necessários – costuma apresentar boa tolerância às intervenções cirúrgicas. Em cirurgias eletivas de pequeno e médio porte, junto a procedimento anestésico sem intercorrências e manejo da dor pós-operatória, a intervenção médica pode não ser necessária, principalmente se tratando de pacientes de baixo risco. Esses procedimentos, em geral, causam poucas alterações na atividade orgânica.
Já em cirurgias de grande porte, com pacientes de maior risco – que apresentam enfermidades associadas, lesões teciduais de grande extensão ou processos infecciosos ativos – exigem uma maior atenção quanto à necessidade de intervenção médica em medidas de reajuste das condições homeostáticas diante da resposta orgânica desencadeada, além da reabilitação e cicatrização das lesões deste paciente. Essas respostas orgânicas ao trauma envolvem diversos mecanismos, como: ativação dos processos de coagulação, busca pela manutenção do equilíbrio eletrolítico e ácido-básico, aumento do débito cardíaco, processos catabólicos (lipólise, proteólise, glicogenólise e gliconeogênese), mobilização de leucócitos e produção de linfócitos T e macrófagos, além da redistribuição do fluxo sanguíneo e do desvio de líquidos de fora dos vasos para o meio intravascular.
O exame clínico pós-operatório deve ser diário e minucioso, uma vez que as alterações só podem ser identificadas se o paciente é observado repetidas vezes, possibilitando o diagnóstico precoce de alguma complicação. Nesse momento devem ser avaliadas condições como o nível de consciência, o estado hemodinâmico, o grau de hidratação, verificação das frequências, auscultas cardíaca e respiratória, análise dos drenos (volume e aspecto das secreções), exame físico do abdome, além da inspeção e palpação da ferida operatória, por exemplo. Quando esses procedimentos apontam características anormais, que necessitam uma investigação maior, os exames complementares podem integrar a abordagem. Em doentes cirúrgicos mais graves esses controles diários podem ser mais recorrentes.
Sala de Recuperação Pós-Anestésica:
Durante a recuperação após um procedimento anestésico-cirúrgico, o manejo do paciente é feito com atividades de monitorização e tratamento, com atenção para as condições hemodinâmicas e ventilatórias. Para isso, os centros cirúrgicos contam com uma Sala de Recuperação Pós-Anestésica (SRPA) é para onde vai o paciente no pós-operatório imediato, até que o mesmo recupere a consciência e apresente estabilização dos sinais vitais, com acompanhamento do médico anestesiologista responsável, que deverá acompanhá-lo para a SRPA ou Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Nesse período, a circulação, a respiração, o estado de consciência e a intensidade da dor são monitorados e analisados desde a admissão até a alta.
Tipos de complicações:
Com a abordagem cirúrgica para curar uma patologia, é possível gerar uma outra doença pós-operatória, cuja evolução pode ser pouco previsível. Sabe-se que todas as operações representam algum risco, mesmo com uma abordagem adequada nos períodos pré, intra e pós-operatório; nenhum procedimento cirúrgico está livre de evoluir com complicações, que podem ser imediatas (nas primeiras 24hrs), mediatas (até o 7º dia) ou tardias (acontecem depois da retirada de pontos e alta hospitalar definitiva). Os sistemas mais suscetíveis às intercorrências após uma cirurgia são o cardiovascular, o urinário, o respiratório, o digestório e o hepatobiliar. É importante, ainda, ter atenção quanto ao balanço hidroeletrolítico do paciente, pois o desequilíbrio nas condições de hidratação pode estar associado a disfunção cardíaca, renal, hepática, sepse, peritonite e hemorragias.
As complicações pós-operatórias podem também ser gerais, especiais ou específicas. A complicação geral é aquela que pode acontecer com qualquer paciente, independentemente do tipo de procedimento cirúrgico como hemorragia, atelectasia pulmonar, insuficiência renal aguda e doença tromboembólica. As complicações especiais acometem pessoas com condição clínica prévia à intervenção cirúrgica. Por fim, as complicações específicas estão relacionadas ao órgão operado, sendo mais ou menos recorrente em função do tipo de anestesia, da afecção clínica associada, do grau de injúria e dos cuidados pós-cirúrgicos.
Algumas complicações recorrentes:
A febre é uma das complicações pós-operatórias mais comuns. Dentre as principais causas dessa, tem-se: A atelectasia, que costuma ocorrer nas primeiras 24hrs; flebite, nas primeiras 48hrs; infecção do trato urinário, em até 72hrs; infecção da ferida operatória em até 5 dias após; e abcesso/coleção intracavitária com um período de até 7 dias depois. Os quadros clínicos associados a cada uma das causas de febre citadas são variáveis. O trato gastrointestinal está sujeito a complicações pós-cirúrgicas como o íleo paralítico/adinâmico e úlceras de estresse.
Além da febre e dos acometimentos gastrointestinais, as complicações respiratórias são muito comuns:
- A insuficiência respiratória (hipoxêmica ou hipercápnica) é uma delas, que pode ser tratada pela doença de base, com suplementação de O2 e ventilação invasiva;
- A atelectasia, uma complicação respiratória que pode causar febre, taquipneia, taquicardia e tosse, pode ser tratada com fisioterapia respiratória, oxigenoterapia e broncoscopia em casos extremos;
- A pneumonia também pode causar febre, taquipneia e tosse produtiva e o tratamento é feito com fisioterapia respiratória e antibioticoterapia;
- O tromboembolismo pulmonar pode causar hemoptise, síncope e embolia maciça. O tratamento consiste no uso de trombolíticos, como estreptoquinase, uroquinase e rt-PA (alteplase).
As complicações pós-operatórias relacionadas a feridas são:
- Seroma, por acúmulo de linfa ou grandes descolamentos que geram um acúmulo de líquidos entre as camadas da pele;
- Hematoma, causado pela coleção de sangue ao redor da ferida cirúrgica, que resulta na formação de coágulo, causando desconforto no nível da ferida e, assim, diminuindo a resistência à infecção. Pode advir de uma hemostasia inadequada, pelo uso de distúrbios ou drogas que interferem na cascata de coagulação (como AAS e heparina) ou de doenças apresentadas pelo paciente;
- Deiscência, que é uma disjunção parcial ou total de qualquer camada da ferida, consiste em uma complicação na qual a ferida não cicatriza ou abre ao longo de sua linha de incisão após a cirurgia. É caracterizada como uma emergência cirúrgica devido aos riscos associados. Pode estar associada à fatores como: técnica inadequada, infecção, paciente imunodeprimidos, que fazem uso de corticoides, radioterapia ou possuem diabetes mellitus, bem como tabagistas, obesos e desnutridos integram o grupo de risco.
Protocolos ERAS e ACERTO:
Os protocolos de Otimização da Recuperação Pós-operatória (ERAS – Enhanced Recovery Protocols, na sigla em inglês) é utilizado para descrever um programa de cuidados multimodal no período perioperatório. Desenvolvido na Dinamarca, na década de 1990 pelo Dr. Henrik Kehlet, o ERAS sugere que, ao combinar várias intervenções perioperatórias com validação científica (nutrição prévia, peridural torácica e deambulação precoce), os protocolos podem levar a melhorias relevantes na recuperação e segurança do paciente.

O ACERTO, criado no Brasil em 2005, é um Protocolo Multimodal de Cuidados Perioperatórios adaptado à realidade epidemiológica da América Latina. A adoção dessas medidas multidisciplinares do projeto ACERTO pode melhorar as taxas de morbidade e reduzir o tempo de internação desses pacientes.
Autora: Bruna Guimarães
Instagram: @brumarcella