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Um caso clínico de Pneumonia Comunitária no Lactente

Um caso clínico de Pneumonia Comunitária no Lactente

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Imagem de perfil de Graduação Médica

LAPED – Liga Acadêmica de Pediatria

Autores: Bárbara Batista Goulart Portugal, Caroline Alves Arantes, Gabriella Miranda Sales, Helena Roza Mendes da Silva, Victória Domingos Alves Rocha.

Orientador (a): Margarida Maria Maia Barbosa Fernandes.

Identificação do paciente

Lactente de 1 ano e 6  meses,  sexo  masculino, natural de Vassoura.

Queixa principal

Paciente foi atendido em ambulatório com queixa de cansaço. Mãe relata que há dois dias foi ao pronto-socorro infantil acompanhando o lactente com quadro de tosse produtiva, congestão nasal alternada com coriza hialina e febre, sendo diagnosticado com resfriado comum onde foi prescrita lavagem nasal e foram feitas as orientações.

Relata que pela manhã, o lactente iniciou quadro de dificuldade respiratória, tosse mais frequente e persistência da febre (Tax 38.5ºC). Recusando totalmente alimento sólidos e aceitando a mamadeira com certa resistência. Funções fisiológicas preservadas. Nega outros sintomas associados.

 

História da doença Atual (HDA)

Mãe refere que o lactente foi diagnosticado com Pneumonia há aproximadamente um mês e foi tratado ambulatorialmente com Azitromicina 3 ml (1x/dia) por sete dias. Mãe relata que o paciente realizou raios-X de tórax PA e perfil, porém deixou em sua casa. Nega internações prévias, doenças comuns da infância, alergia medicamentosa, cirurgias.

História Gestacional e do Parto: G1 P1 A0. Mãe refere um episódio de leucorréia tratada  com creme vaginal (não soube relatar o nome do medicamento) no segundo trimestre de gestação. Realizou nove consultas de pré-natal, fez uso de ácido fólico e sulfato ferroso, vacinação em dia e sorologias normais, nega DHEG, DMG. Refere gravidez planejada e sem intercorrências. TS O+. Paciente nascido de parto normal, IG pelo CS de trinta e oito semanas e dois dias, apgar 9/10, sem intercorrências. Peso     ao     nascer:     2.990g. Encaminhado diretamente ao alojamento conjunto. TS O+.

História Vacinal: Adequado para a idade.

História Alimentar: Realiza refeições conforme padrão familiar. Ingere bastante líquido. Ingere cerca de quatro mamadeiras de leite de vaca/dia. Aceitou o seio materno até os dois meses de vida, apenas.

História do Crescimento e do Desenvolvimento: Adequado para idade

História Familiar: Mãe 28 anos, saudável. Pai 30 anos, saudável. Refere casos frequentes de HAS e DM em sua família.

História Social: Reside com pai e mãe em casa de alvenaria, com cinco cômodos, com saneamento básico. Possui cortinas e tapetes e relata poeira de obra em sua casa. Mãe e pai tabagistas, porém referem fumar apenas na área externa de sua casa. Ingerem cerveja aos finais de semana. Não possuem animais de estimação.

Exame físico

Geral: Lactente hipoativo, reativo, gemente, corado, hipohidratado (+/+4), acianótico, anictérico, febril (TAX 38.1ºC) e com tiragem subcostal. Boa perfusão capilar periférica.

Sinais Vitais: FC: 120bpm. FR: 52 irpm. SatO2: 95% em ar ambiente. TAX 38.1ºC.

Exame da Cabeça e do Pescoço: Na otoscopia, hiperemia de conduto bilateral. Oroscopia, sem alterações.

Aparelho Cardiovascular: Ritmo cardíaco regular, em dois tempos, bulhas normofonéticas, sem  sopros ou extrassístoles.

Aparelho Respiratório: Murmúrio vesicular universalmente audível, com roncos de transmissão nasal, sem esforço respiratório.

Exame Neurológico: Ausência de sinais de irritação meníngea ou déficits focais. Marcos do desenvolvimento habitual.

Exame do Abdome: flácido, indolor à palpação, timpânico, sem vísceromegalias ou  massas, ausência de sinais de irritação peritoneal.

Exame dos Membros: Perfundidos, temperatura preservada, pulsos palpáveis e simétricos.

Exame Osteoarticular: sem alterações dignas de nota.

Genitália: masculina com testículos tópicos, sem fimose.

Exames Complementares

Exames Laboratoriais

Imagem resultado do hemograma

RX de tórax PA e perfil

Imagem RX de tórax PA e perfil

Fig.1- Raio X de tórax em PA.

Imagem Raio X de tórax em PA.

Fig.2- Raio X de tórax em perfil.

  1.  

Discussão do caso de Pneumonia Comunitária no Lactente

  1. Qual o diagnóstico mais provável?
  2. Qual o provável Agente Etiológico?
  3. Qual a conduta adequada para o caso?
  4. Quais são os sinais de perigo relacionados ao caso clínico?
  5. Quais as complicações?

Imagem Tabela dos principais agentes etiológicos de pneumonia comunitária de acordo com faixa etária.

O caso em questão trata sobre pneumonia comunitária no lactente, sendo a pneumonia uma inflamação dos parênquimas pulmonares. Embora a maioria dos casos seja causada por microrganismos, as causas não infecciosas incluem aspiração de alimentos ou ácido gástrico, corpos estranhos, hidrocarbonetos e substâncias lipoides, reações de hipersensibilidade e pneumonites induzidas por drogas ou radiação.

As causas da infecção pulmonar em recém nascidos e hospedeiros imunocomprometidos são diferentes das que ocorrem em lactentes e crianças hígidas. É uma causa significativa de mortalidade e morbidade na infância (particularmente entre crianças com menos de 5 anos) em todo mundo, competindo com diarreia nos países em desenvolvimento.

Atualmente a incidência em pneumonia adquiridas em comunidade nos países desenvolvidas é estimada em 0,026 episódios por criança ano em comparação com 0,280 episódios por criança ano nos países em desenvolvimento.

Usando o bom senso no teste diagnóstico uma causa viral ou bacteriana pode ser identificada em 40%-80% das crianças com pneumonia adquirida na comunidade. O Streptococcus pneumoniae (pneumococo) é o patógeno mais comum, seguido de Chlamydia pneumoniae e Mycoplasma pneumoniae. Segue tabela com os principais agentes etiológicos agrupados pela idade do paciente.

O tratamento da pneumonia pneumocócica pode ser realizado ambularialmente ou intra-hospitalar dependendo do grau de complicação que   acomete

o paciente como, por exemplo, se for menor de 2 meses ou apresentar tiragem subcostal, convulsão, sonolência, estridor em repouso, desnutrição,ausência de ingesta de líquidos, comorbidade social, complicação etiológico e falha na terapêutica farmacêutica e ambulatorial.

Diante desses aspectos a conduta é internação e antibioticoterapia com Penicillina Cristalina, na sua ausência Ampicilina. Em quadros mais complicados Ceftriaxona, porém deve-se evitar já que gera resistência microbiana e deve ser resguardada para quadros de meningite onde é a droga de escolha. Macrolídeos são indicados em casos de pneumonias atípicas. Na conduta ambulatorial prescreve-se Amoxicilina.

 
   

Imagem de tabela de posologia dos principais antibióticos utilizados no tratamento de pneumonia comunitária no lactante

Uma vez feita a internação, pode-se pedir  um exame radiológico do tórax para confirmar o diagnóstico através da presença de broncograma aéreo que indica parênquima consolidado e na suspeita de derrame parapneumônico, no entanto evita-se pedir tal exame para controle pós tratamento, pois implica em grande risco de neoplasias sólidas se repetidos excessivas vezes em crianças menores de 5 anos.

Diante da internação pede-se hemograma, hemocultura e se houver derrame pleural, deve se fazer análise do líquido.  No hemograma para diferenciar a pneumonia viral de bacteriana faz-se a contagem de leucócitos, que na pneumonia bacteriana irá apresentar neutrofilia (sendo   o   normal   a   prevalência   de   linfócitos  a neutrófilos até os 4 anos), VHS e PCR elevados. Pode-se fazer o exame de pró calcitonina para diagnóstico  diferencial  de  bronquiolite,  sendo  de >0,75-2,0 indicativo de pneumonia bacteriana.

Patogênese: o trato respiratório inferior normalmente se mantém estéreo pela ação dos mecanismos fisiológicos de defesa, incluindo o sistema mucociliar, as propriedades das secreções normais como a IgA secretora e limpeza das vias aéreas pelo mecanismo de tosse.

O mecanismo de defesa imunológico do pulmão que limitam a invasão por organismos patogênicos incluem, magrófagos que estão presentes nos alvéolos e bronquíolos e imunoglobulinas.

Quando a infecção bacteriana se estabelece no parênquima, o  processo patológico varia de acordo com o organismo invasor, no caso o pneumococo produz edema local, que ajuda na proliferação dos organismos e disseminação para as porções adjacentes do pulmão, geralmente resultando no característico envolvimento focal lobar.

Manifestações clínicas: são precedidas por vários dias de sintoma de infecção do trato respiratório superior, geralmente rinite e tosse.  As temperaturas em geral são mais baixas na pneumonia viral que nas bacterianas, a taquipneia é a manifestação clínica mais consistente na pneumonia, maior esforço respiratório acompanhado por retrações intercostais, subcostais e supraesternaias, dilatação nasal (batimento de  asa do nariz) e uso da musculatura acessória são comuns.

A infecção grave pode ser acompanhada de cianose e fadiga respiratória especialmente em neonatos. A ausculta pode estar alterada com presença de ruídos adventícios como sibilos e estertores, porém pode não haver alteração  alguma.

Quando houver acometimento do lobo inferior do pulmão a dor pode ser referida no abdome. Devemos nos atentar que para o agente etiológico em questão, o Streptococcus pneumoniae, há uma incidência de derrame pleural parapneumônico que pode acometer os lactentes.

Os fatores de riscos que podem causar pneumonia em lactentes são: baixa idade, desnutrição, baixo peso ao nascer, episódios prévios de sibilos ou de pneumonia, permanência em creche comorbidades (como tabagismo passivo), ausência de aleitamento materno, vacinação incompleta, condições sócio- econômicas e ambientais desfavoráveis.

Na história clínica descrita, há além das manifestações clínicas, alguns dos fatores de riscos descritos, como condição ambiental desfavorável já que se trata de mãe tabagista, sendo a criança fumante passiva, a ausência do aleitamento materno e a baixa idade, que juntos se somam para a existência do quadro descrito.

Diagnósticos Diferenciais Principais

  • Bronquiolite Pneumonia Viral Pneumonite Bronquite
  • IVAS ( Infecção de vias aéreas superiores)

Objetivos de Aprendizado/ Competências

  1. Reconhecer os sinais clínicos e da história de um quadro de pneumonia comunitária no lactente
  2. Reconhecer através os agentes etiológicos que acometem determinadas faixas etárias
  3. Conhecer as condutas que devem ser tomadas para o tratamento hospitalar e ambulatorial
  4. Identificar os principais fatores de risco para a ocorrência da doença.

Pontos Importantes

  1. O diagnóstico de pneumonia deve ser clínico, o padrão radiológico não deverá ser pedido para controle, em casos de pneumonias não complicadas, isso evita a exposição excessiva e desnecessária dessa criança à radiação.
  2. A Frequência respiratória e a observação de sinais de esforços respiratórios são imprescindíveis ao diagnostico clínico.
  3. A ausculta nem sempre estará alterada, se atentar aos outros sinais característicos.
  4. As condições sócio econômicas  e ambientais influenciam muito no desenvolvimento de pneumonia em lactentes.
  1. Importância da hemocultura para realização de uma boa antibióticoterapia, definindo o agente etiológico e sabendo qual o melhor medicamento de escolha.

Referências

  1. NELSON. Tratado de Pediatria – Richard E. Behrman, Hal B. Jenson, Robert Kliegman. 18ª Edição. Elsevier. 2009.
  2. LOPEZ,  F.A.  &  CAMPOS  JUNIOR,  D.  Tratado de Pediatria: Sociedade Brasileira de Pediatria – 2ed.  – Barueri, SP: Manole, 2010.
  3. 3-C.R. Lopes, E.N. Berezin Fatores de risco e proteção à infecção respiratória aguda em lactentes Rev. Saúde Publica, 43 (2009), pp. 1030–1034
  4. Bates MN, Chandyo RK, Valentiner-Branth P, Pokhrel AK, Mathisen M, Basnet S, et al. Acute  lower respiratory infection in childhood and household fuel use in Bhaktapur, Nepal. Environ Health Perspect. 2013;121:637—42
  5. Nascimento LF, Marcitelli R, Agostinho FS, Gimenes CS. Análise hierarquizada dos fatores de risco para pneumonia em crianc¸as. J Bras Pneumol. 2014;30:445—51.

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